Pinto da Costa

em entrevista à SIC e à SIC Notícias

“O que tenho a dizer sobre a Assembleia Geral? Que foi um momento desagradável, muito mau mesmo e já tomámos todas as providências para não voltar a repetir-se. Decorrem dois inquéritos, um nosso através do Conselho Fiscal e outro do Ministério Público para apurar os responsáveis ou os mais responsáveis e temos de aguardar calmamente. Não posso dizer quem são os responsáveis porque estaria a antecipar-me aos dois inquéritos mas através das redes sociais houve incitamento a que as pessoas viessem em grupo, que se pusessem nos cantos, que filmasse tudo o que pudessem… Não compreendi a intenção.”

Logo no início da entrevista, e na primeira de várias perguntas sobre o que se passou na Assembleia Geral de dia 13 de novembro no Dragão Arena, Pinto da Costa deixou as duas garantias que eram mais “reivindicadas” entre o universo azul e branco: por um lado, que iriam ser asseguradas todas as condições possíveis para que não existissem mais atos de violência ou intimidação (que mais tarde disse desconhecer). No entanto, quase como aquelas respostas que estão na ponta da língua, o presidente do FC Porto não quis deixar passar todas as movimentações que foi conhecendo nas redes sociais, utilizando quase uma imagem mais gráfica para explicar aquilo que considera ser uma postura “premeditada” para gravar eventuais tumultos que surgissem. Pinto da Costa não é propriamente um adepto de redes sociais mas percebe o peso que as mesmas começam a ter naquele que é um clima pré-eleitoral no Dragão ainda que sem os candidatos esperados oficializados.

“Disse que ia votar contra e não estava de acordo. O Conselho Superior é que foi encarregue disso, competia que fossem eles a fazer a proposta de alteração dos estatutos. Não fiquei nesse grupo, a única questão que coloquei é que deviam estar elementos das três listas. Calma? Não me competia a mim, o presidente da Assembleia Geral é que dirige os trabalhos. Não tenho o poder de separar as pessoas quando entram em zaragatas, não sou segurança. O que disse é que, para mim, devia terminar ali (…) A única pessoa que consegui identificar foi um Henrique que foi falar e até é meu amigo, de resto não conhecia as pessoas das que vi envolvidas. Espero que nas imagens se consigam apurar (…) Foi uma noite má, sempre que o FC Porto perde também é uma noite má… Já vi muitas coisas em Assembleias Gerais, ainda antes de ser dirigente, porque desde os 16 anos que não perco uma Assembleia Geral.”

Nas respostas seguintes, ainda sobre o mesmo tema, Pinto da Costa quis deixar dois pontos que o “ilibam” de tudo o que aconteceu: 1) logo no início da Assembleia Geral referiu no discurso que ia votar contra as três propostas que mais celeuma causavam, pelo que “esvaziou” eventuais polémicas que pudessem aparecer; 2) não poderia ter feito nada perante o que estava a acontecer porque é o presidente da Mesa da Assembleia Geral, Lourenço Pinto, que comanda os trabalhos. Mas não ficou por aí e, ao mesmo tempo que confirmou que o associado que teve o discurso mais inflamado era seu apoiante (até “amigo”), quis dar mais um sinal da “pluralidade” existente no FC Porto ao vincar por mais do que uma vez que pediu para que as três listas que foram a sufrágio em 2020 estivessem representadas no grupo que fez a proposta de alteração estatutária. O mote para a primeira “farpa” a André Villas-Boas estava dado, quando disse que ia a todas as Assembleias Gerais desde os 16 anos quase em contraponto com o papel do antigo treinador dos azuis e brancos.

“O que me desgostou foi ver sócios contra sócios e ver sócios num problema interno entre sócios passarem tudo para fora, para as televisões, fazendo daquilo uma vitória sem que se percebesse porquê. O FC Porto perdeu, foi uma noite má para toda a gente do FC Porto… Isso é para criticar e censurar, não é pôr cá fora para que os nossos inimigos façam daquilo uma bandeira nacional. Vi nas redes sociais apelos para virem em grupo, ao que parece de um nome que é falso afinal, não sei, não julgo intenções (…) Se a polícia estivesse lá teria poderia ter evitado mas parece que andou tudo aos tiros… Não foi ninguém para o hospital, se calhar se a polícia entrasse poderia ser pior, sei lá (…) Para que não houvesse quem pensasse que havia alguma intenção por trás que desconheço, tive o cuidado de dizer ao presidente da Mesa que ia votar contra e se ele tomava o compromisso de marcar as eleições para abril.”

Pinto da Costa nunca deixou de catalogar os incidentes na Assembleia Geral como algo lamentável, que não devia ter acontecido e que é condenável mas também procurou quase “relativizar” os atos que levaram depois à suspensão da reunião magna colocando o enfoque nas redes sociais e agora com o pormenor de saber que existia uma conta aparentemente falsa a dar o mote para haver grupos na chegada ao recinto, ao mesmo tempo que tentou esvaziar a não entrada das autoridades no pavilhão para restabelecer a ordem. Ainda nesse ponto, o presidente portista voltou a querer deixar uma garantia de que não tinha ligação às propostas de alteração estatutária que estavam em discussão, assegurando que as eleições seriam sempre em abril.

“Não se passa nada nas Casas do FC Porto. Uma das alterações era os sócios poderem votar nas Casas. Não faz sentido indivíduos do Algarve que, para votarem, tenham que vir ao Porto com várias casas no Algarve. Em todas as que ele [Henrique Ramos] referiu está correto, não têm espaço físico. Quando a Comissão propôs o voto nas Casas não era nessas. Era poder votar em Lisboa, um sítio de voto no Algarve… Guarda pretoriana? Não faço ideia, o que existe no FC Porto é uma claque que tem os mesmos comportamentos de quando o André Villas-Boas era treinador do FC Porto. Quando acabam os jogos, os treinadores e jogadores vão cumprimentar a claque no fim dos jogos. Então nessa altura não era guarda pretoriana? Tem-se atacado os Super Dragões… Mas fora dos jogos são como os outros.”

Pinto da Costa falou nas três propostas que iria votar contra na Assembleia Geral em relação às alterações nos estatutos mas aproveitou para deixar um esclarecimento sobre o discurso proferido pelo sócio Henrique Ramos que viria mais tarde a desencadear a segunda situação com agressões no Dragão Arena, explicando que a ideia de haver Casas onde se pudesse votar não significava que se pudesse votar em todas as Casas (algo que, até pela amizade assumida pelo líder dos portistas, podia ter sido falado antes da reunião magna). Mais tarde, e em relação às palavras de André Villas-Boas na Web Summit sobre uma “guarda pretoriana que estava a deixar o clube refém”, Pinto da Costa recordou os tempos em que foi treinador dos dragões e que também ia agradecer no final de todos os encontros à zona onde costumam ficar os Super Dragões.

“Sou amigo de quem sou, sei com quem conto. Não tenho amizade especial com Fernando Madureira, não é meu amigo, não é meu parceiro de todos os dias. Tenho uma boa relação e admiro-o, porque se formou, fez o seu curso… O relacionamento entre a minha Direção e qualquer direção com uma claque é o normal. Em primeiro lugar, nos jogos fora, se não fosse a claque, estávamos a jogar sozinhos contra o resto. Mas algum associado foi intimidado nos jogos do FC Porto? Não conheço nenhum que se tenha queixado… O que lhe posso garantir é que até este momento, em todas as visões dos acontecimentos, não há nenhum Super Dragão.”

Falando em específico sobre Fernando Madureira, líder da claque Super Dragões que já manifestou o seu apoio a Pinto da Costa (em público e também no interior do Dragão Arena), Pinto da Costa assumiu a ligação que tem com o conhecido adepto, “normalizou” a ligação que existe com a Direção para deitar por terra a tal ligação de uma “guarda pretoriana” ao atual elenco e tentou também descolar a imagem da claque em relação a todos os episódios que se passaram durante a Assembleia Geral a começar pelo clima de intimidação.

“Villas-Boas ganhou tudo? Não ganhou a Liga dos Campeões, não jogou… Depois da sua passagem aqui, se falei com ele umas três vezes… Uma a entregar Dragão de Ouro, sim senhor. Ele até me ofereceu um relógio, até é bonito, com uma grande dedicatória… Infelizmente, a última vez que o vi foi numa altura má, no funeral do Fernando Gomes. Daí para cá nunca mais o vi. As declarações dele? Não reajo, ele é que sabe. Surpreende-me mas não comento. Se faz tem um intuito, presumo que o intuito seja candidatar-se à presidência do FC Porto. Tem todo o direito, presumo que tenha quotas em dias. Mas não quero comentar. Mágoa? Fico admirado e surpreendido, agora mágoa é quando nos morre alguém querido.”

Na única pergunta mais direta sobre Villas-Boas, Pinto da Costa optou quase por desvalorizar aquilo que tem sido a atuação do antigo treinador deixando por mais do que uma vez a ideia de que era seu apoiante (daí a tal “grande dedicatória” no relógio que ofereceu ao número 1 dos portistas) e que só ter a ter esta posição pela vontade que tem em avançar com uma candidatura à presidência, deixando de lado uma mudança de atitude que o ex-técnico reclama depois de um mal entendido que existiu quando estava no comando do Marselha.

“O sócio 587 é o presidente do FC Porto e neste momento tem outras três preocupações grandes do que dizer se é ou não candidato. Primeiro é que toda essa coisa das redes sociais e do barulho não chegue à equipa de futebol, que a equipa esteja tranquila para que consiga os objetivos e passe aos oitavos da Champions agora. A preocupação seguinte é que em dezembro apresentemos lucros e passemos a ter os capitais próprios positivos. Grande salto? Sim, é. Foi essa a estratégia. Se não for positivos, perto de positivos. A terceira é que a nossa Academia da Maia prossiga, com as máquinas no terreno. Só estou preocupado com isso.”

Aproveitando a questão das eleições e a fuga à possibilidade de assumir desde já uma mais do que certa recandidatura à liderança do FC Porto, Pinto da Costa aproveitou as três grandes prioridades para deixar outros tantos “recados” para fora. Por um lado, agarrou no clima que se tem vivido nas últimas semanas no universo azul e branco para deixar a ideia de que isso pode chegar à equipa, algo que pretende evitar. Por outro, que tem soluções para “abafar” aquela que tem sido a maior crítica à atual Direção e administração da SAD que passa pela situação financeira. Por fim, quis mostrar mais “obra feita” com o lançamento em termos práticos da nova Academia que nascerá na Maia, que já antes assegurou ter todo o financiamento coberto.

“O que lhe digo é que os capitais próprios e contas negativas que apresentámos foram calculadas para que em dezembro tudo possa estar positivo ou perto disso, a nível de capitais próprios. O nosso objetivo também é desportivo. Os outros venderam jogadores, ganharam dinheiro, quantos pontos têm agora na Champions? É fácil de contar, é zero. Nós estamos a uma vitória de estar nos oitavos. Estádio para a SAD? Olhe, estou a ouvir isso pela primeira vez… Não estamos, até hoje, a pensar nisso. Mas vou dizer que temos outros planos e projetos, que até vão fazer entrar algum dinheiro considerável no FC Porto. Exemplos? Olhe, uma melhoria grande no Estádio do Dragão, em que uma empresa suporta isso e ainda nos vai entregar verba considerável. Naming não entra, vai beneficiar na rentabilização de espaços. Estamos a partir de uma base de cinco a seis milhões mas para algo a médio prazo.”

Sem adiantar grandes pormenores sobre as soluções encontradas, Pinto da Costa assumiu aquilo que será o grande foco de atenção até ao final do ano a nível de realidade portista: um negócio de montantes elevados que não coloca o naming do estádio em equação (nesta fase, sendo que o valor base está calculado) e que passa pelo Dragão sem que o recinto passe para o universo da SAD, facilitando assim a passagem de capitais próprios para o lado positivo. Sobre isso não será alheio o recente acordo anunciado com a Legends para os próximos 15 anos com incidência nos direitos de exploração comercial do estádio (os valores não foram apresentados publicamente mas o contrato celebrado entre a empresa norte-americana e o Real Madrid no ano passado rendeu mais de 350 milhões de euros por 30% da sociedade que explora os direitos comerciais do Santiago Bernabéu). Em paralelo, e apesar de ter terminado a entrevista sem se querer imiscuir na vida dos rivais, deixou a habitual “bicada” ao Benfica, comparando as prestações na Liga dos Campeões.

“Os encargos subiram muito desde 2015, os jogadores hoje em dia ganham muito mais em relação a 2015, mas o que me importa é que o Sérgio Conceição desde que veio tem dez títulos no Museu. Os sócios que vão ao Museu vão ver as taças, não os capitais negativos. Isso é uma arma de arremesso. Está tudo controlado, para quando tivemos de apresentar contas à UEFA, em dezembro. Somos o sétimo clube que mais faturou este século? Mas sabe quanto o FC Porto gastou? Devia ter um saldo muito melhor, se não pagássemos os impostos que pagámos. Não é novidade para ninguém que os jogadores há uma coisa que sabem: é net [líquido]. Quando compramos um jogador ele custa o dobro. Se pagamos um milhão ao jogador, pagamos um milhão ao Estado. Entrada de investidores estrangeiros? Neste momento não. Quando assumi a presidência do FC Porto, o FC Porto tinha 40% da SAD. Hoje temos perto de 75%, portanto há uma coisa que já garanti: o FC Porto nunca perderá maioria da SAD.”

Deixando em mais duas ocasiões essa garantia de que em dezembro as contas terão um cenário que pouco ou nada será semelhante ao que existe atualmente, Pinto da Costa aproveitou para colocar mais uma vez todo o enfoque naquilo que é o seu maior legado no passado e no presente – sucessos desportivos. Mais: de forma assumida, caracteriza a preocupação pela vertente financeira como “uma arma de arremesso” eleitoral, mais uma vez visando Villas-Boas e as declarações muito críticas que teve no seguimento do último Relatório e Contas do exercício de 2022/23. Em paralelo, Pinto da Costa voltou a criticar os impostos que são pagos na indústria do futebol, numa “guerra” que já tem vários anos, e deixou a garantia de que o FC Porto não vai perder a maioria do capital social da SAD, comparando os números de controlo direto por parte do clube.

“Renovação de Sérgio Conceição? Acha que algum treinador de algum clube vai renovar contrato sem saber com quem vai trabalhar? Não quero envolver nenhum profissional nesta matéria (…) Em seis anos ganha dez títulos, tem de ficar na história do FC Porto. O doutor Nuno Lobo, único candidato até agora, devia contactar o Sérgio Conceição e perguntar se já está disponível a renovar se for presidente… Como fica o Sérgio Conceição quando os melhores jogadores saem? Todo o treinador, se ficar contente ou indiferente se lhe tirarem os melhores jogadores, é porque se está a marimbar para o clube. Está consciente da realidade. Se formos o City ou o United, que os donos são norte-americanos e nem sabem as cores das camisolas…”

Em mais uma resposta às críticas que têm sido feitas por André Villas-Boas, Pinto da Costa justificou a não renovação de Sérgio Conceição com o facto de não se saber quem será presidente do FC Porto depois das eleições de abril, aproveitou para dizer que qualquer conversa sobre essa tema é envolver pessoas do clube que não têm de ser envolvidas (veremos se no futebol o atual timoneiro irá ou não comentar aquilo que serão as eleições) e “picou” o antigo técnico recordando que Nuno Lobo é o único candidato confirmado até agora. Já sobre as “azias” de Sérgio Conceição com a administração da SAD quando perde os principais jogadores, Pinto da Costa relativizou essas críticas internas que terão existido dando o exemplo do Manchester United para dizer que o FC Porto não tem a mesma capacidade financeira mas sabe o valor da sua tradição.

“Tenho há algum tempo o princípio de não falar dos rivais. Varandas? Fiquei muito contente por ver que um presidente de um clube rival está muito interessado na minha saída. Quando um presidente de um clube como o Sporting aproveita oportunidades para ser contra mim e ver se me tira daqui, eu fico contente, é uma medalha para mim. Agora a vida é deles, têm a sua maneira de falar, não há relação com eles… Respeito toda a gente que me respeita. Para falar com essas pessoas, se houver ofensas, há um sítio para conversar: os tribunais. Tenho de me preocupar com o FC Porto e em encher o Museu de troféus, não é com extratos bancários. Nos últimos seis anos, ganhámos três Campeonatos e os outros dois ganharam os outros três.”

Na última resposta da entrevista, Pinto da Costa começou a dizer que não falava sobre os rivais mas não deixou de enviar mais uma “farpa” para Alvalade, dizendo mais uma vez (e é algo que nos últimos 40 anos referiu em variadas ocasiões) que críticas dos outros são elogios à sua pessoa antes de voltar à questão do sucesso desportivo em duas perspetivas: ganhar em campo é aquilo que as pessoas procuram em contraponto com os eventuais méritos num plano económico e financeiro e, com Sérgio Conceição no comando, o FC Porto tem tantos Campeonatos ganhos do que os dois rivais em conjunto (três para cada desde 2018).