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Guy Yechiely

Guy Yechiely

Startups. O que tem Lisboa a aprender com o caos criativo de Telavive

É a cidade com mais startups per capita do mundo, principal hub de inovação tecnológica fora dos EUA e o ecossistema mais amigo das mulheres empreendedoras. É possível recriar o "tachubal" de Israel?

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Tachles: ir direto ao assunto, sem andar às voltas.
Chutzpa: ousar, desafiar, atrever-se.
Balagan: confusão, caos.

“Ta-chu-bal”, como diria o ex-embaixador de França em Israel. Na ausência de uma palavra que caracterize o ADN dos empreendedores israelitas, inventa-se. Afinal, foram eles que transformaram Telavive no maior hub de inovação tecnológica do mundo logo a seguir aos EUA, a cidade que alberga mais startups per capita (são 28 projetos disruptivos por quilómetro quadrado) e a casa-mãe de centros de investigação & desenvolvimento (I&D) de multinacionais como o Google, Facebook, eBay, Intel ou IBM. “Agarramos na inovação tecnológica e traduzimo-la em prosperidade económica“, afirmou Avi Hasson, presidente da Autoridade para a Inovação israelita e investigador-chefe do Ministério da Economia e Indústria (cargo que não existe em Portugal), num encontro com jornalistas em Telavive.

Os números comprovam. Na segunda maior cidade de Israel estão sediadas 1450 startups, que têm um investimento médio por ronda de cerca de 8,5 milhões de dólares (7,5 milhões de euros). No país todo são 5.000. Telavive é, por isso, a cidade do mundo onde há mais investimento em capital de risco. Só em 2015, as exits (quando uma startup é admitida em bolsa ou adquirida por uma empresa maior) de empresas israelitas de alta tecnologia totalizaram negócios de 4,6 mil milhões de dólares (4,1 mil milhões de euros), oito vezes mais do que o valor conseguido em 2012.

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Vejamos a Airobotics, a startup que Ran Krauss e Meir Kliner fundaram em 2014 e que em menos de dois anos conseguiu captar 28,5 milhões de dólares (25,3 milhões de euros) de investidores como o líder da Waze, Noam Bardin, um dos responsáveis da da Google, Richard Wooldridge e a UpWest Labs, em Silicon Valley. O projeto que quer revolucionar a indústria dos drones já emprega cerca de 90 pessoas nos escritórios que detém perto de Telavive e desenvolveu um projeto-piloto com a Intel. Seguimos para a Infinity AR: três anos, 50 colaboradores e 25 milhões de dólares (23,3 milhões de euros) de investimento para mostrar que a realidade aumentada é o futuro da tecnologia. Talvez seja por isto que Avi Hasson não hesite em dizer que “os empreendedores são estrelas de rock neste país”.

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Na era dos milhões e das rock stars, Israel é o país líder em investimento em I&D em percentagem do PIB: 4,3%. Como escreveu o recentemente falecido Shimon Peres no prefácio do livro “Start-up Nation”, a única opção que os israelitas tiveram, numa terra que escasseia em recursos, foi a de procurar a qualidade com base na criatividade. E a mente foi o melhor recurso que puderam ter. Avi Hasson acrescenta que o apoio que o Estado dá às empresas de alta tecnologia não é, sequer, uma questão que se coloque. “É estratégico para Israel”, diz. Mas afinal, porquê?

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Como o ADN israelita se tornou numa “Nação Startup”

“Eu sou um soldado”, disse uma estudante de Direito de 29 anos ao Observador. Primeiro, israelita. Depois, soldado. E por fim estudante. É esta a ordem de pensamento em Israel, país marcado pelo serviço militar obrigatório para todos aqueles que acabam o ensino secundário: dois anos para as mulheres, três para os homens. Como Dan Senor e Saul Singer explicam no “Start-up Nation”, Israel conseguiu separar as ameaças à segurança do país das oportunidades de crescimento económico. “Noutras palavras, os israelitas confiam que as suas startups vão sobreviver durante os períodos de guerra e de turbulência. E também conseguiram convencer os investidores disso“, lê-se.

Motti Kushnir, CEO da Infinity AR, concorda. Ao Observador, explica que muito do ADN dos israelitas advém da experiência militar. “Aos 18 anos, todos vamos para o exército, no qual integramos várias departamentos que trabalham com alta tecnologia. E quando lá estás, não tens de pensar no constrangimento que é gerir um negócio. Só tens de resolver problemas, pensar fora da caixa”, conta. Não é o único. Não há ninguém em Telavive que não ligue a experiência militar ao fenómeno do empreendedorismo. Pela forma como lidam com o risco, pela persistência, pelo foco em resolver problemas.

É Avi Hasson que recupera o “tachubal” do embaixador francês para explicar ao Observador o segredo do ecossistema de Telavive. “É uma fusão de três palavras. A primeira quer dizer que não andamos às voltas, que somos muito práticos. A segunda é aquilo que nos faz olhar para a fotografia de Mark Zuckerberg na Time e dizer que se ele conseguiu lançar o Facebook, eu consigo lançar uma empresa duas vezes maior. A última quer dizer caos, confusão, mas neste caso é um caos criativo. E deste caos emergem grandes ideias, ideias fora da caixa. E isto é natural neste país, mesmo no exército. Claro que todas estas palavras podem ser muito negativas, mas também muito positivas. ”

"Os israelitas gostam de resolver problemas, estão dispostos a correr riscos, não têm medo do falhanço. Os empreendedores são 'rock stars' neste país. Quando entram num restaurante, as pessoas olham"
Avi Hasson, investigador-chefe no Ministério da Economia

Os ingredientes do ecossistema de startups de Telavive estão lançados. Uma pitada de atrevimento aliada àquilo que Dan Senor e Saul Singer chamam de cultura não hierárquica no “Start-up Nation”. Ao contrário do que acontece na Europa, em Israel toda a gente discute ideias e confronta superiores com a sua opinião, explicou Motti Kushnir ao Observador. “Uma coisa que percebi que existe em Israel, mas não existe noutros países, é que quando há alguém que não concorda com algo, eu espero que me diga. Mesmo que eu seja o CEO e ele seja o último programador que contratei. Toda a gente se sente confortável em dar a sua opinião, mas quando a decisão é tomada, toda a gente a segue, como na cultura militar.”

Ao treino militar e à ousadia, soma-se a escassez de recurso. Avi Hasson explica que as especificidades do país que surgiram como desvantagens se transformaram em mais-valias económicas. “Somos um país pequeno, longe dos mercados, sem recursos, mas muitos destes desafios transformaram-se em vantagens”, diz. Também é por isso que o CEO da Infinity AR diz que, em Israel, uma das coisas boas é que todos os projetos nascem globais. “Como não podemos fazer dinheiro aqui, porque o mercado é muito pequeno, pensamos logo em coisas globais. Começamos globais”, diz. E começam a correr riscos, aceitando o falhanço, celebrando o empreendedorismo.

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Não há, afinal, alternativa. De fronteiras fechadas e em alerta permanente, Israel é um país marcado pelas várias guerras que travou com os países vizinhos. Da Guerra da Independência que entre 1947 e 1949 envolveu o Egito, a Jordânia, o Líbano e a Síria ao conflito israelo-palestino que ainda hoje concentra atenções em toda a Faixa de Gaza. Não são de estranhar as histórias que contam episódios de programadores do centro de I&D da Intel que, durante a Guerra do Golfo, continuaram a trabalhar debaixo de ataques aéreos. Em videoconferência com a casa-mãe nos EUA, os israelitas trabalhavam com máscaras de gás colocadas, levavam os filhos para o escritório e faziam turnos de baby-sitting. Sem que ninguém lhes pedisse.

Isto é algo que está embebido no ADN destas pessoas e não é apenas em tecnologia. Os israelitas gostam de resolver problemas, estão dispostos a correr riscos, não têm medo do falhanço. Os empreendedores são estrelas de rock neste país. Quando entram num restaurante, as pessoas olham. As mães querem que os filhos se tornem empreendedores. É algo que está aqui e está estabelecido. São coisas muito difíceis de copiar e de colar”, explicou o investigador-chefe do Ministério da Economia.

Governo coinveste em startups desde 1993

O ADN israelita é algo que não se pode copiar, mas as políticas públicas podem servir de inspiração. Desde 1993 que o Estado coinveste em startups através do programa Yozma, que atualmente tem capital distribuído por 70 fundos de investimento. Para Avi Hasson, é este o ingrediente principal do ecossistema. “A inovação é muito arriscada, toda a gente concorda com isto. Mesmo quando olhamos para empresas como a Amazon, percebemos que antes dela houve 10 ou 20 empresas que falharam. E é por isso que achamos que o papel do Governo tem de ser o de partilhar esse risco, de o liderar. E isto não é algo que pareça muito atraente, de início, mas é exatamente isso que fazemos. Cada dólar que damos, regressa à economia 5 a 8 vezes mais valioso”, diz.

Com os fundos de investimento de risco partilhado, o Governo israelita acredita que a economia beneficia até dos falhanços. “Cria sempre um efeito económico positivo, talvez não na empresa, mas no ecossistema. Quando o Estado coinveste, consegue que os investidores ponham dinheiro em projetos nos quais não colocariam se estivessem a investir sozinhos“, conta. Além destes fundos, o Estado tem incubadoras que financia em 85%. Ou seja, nos três primeiros anos de vida dos projetos que são incubados neste espaço, 85% do capital é cedido pelo Estado. “Sem querermos ações em troca. É extremamente generoso, certo?”, pergunta o investigador-chefe.

"Hoje em dia é muito claro em Israel e mais especificamente em Telavive que uma das chaves para o crescimento económico é a tecnologia"
Yael Weinstein, diretora do departamento de Desenvolvimento Económico Global da Câmara Municipal de Telavive

Como funciona? Se o projeto falhar, o empreendedor não tem de devolver capital, mas se o projeto tiver receitas, paga royalties até a dívida ficar saldada. “Nesses primeiros três anos, cinco dólares vêm do Estado, um dólar vem dos acionistas. E o que descobres em 25 anos de dados relativos a milhares de empresas, é que no seu ciclo de vida, as empresas que passam por estas incubadoras conseguem o contrário: no final, recebem cinco dólares de investimento do setor privado contra um dólar do governo“, explicou. A ideia é que o Estado invista, mas não decida sobre os projetos que são acolhidos nas incubadoras.

A Câmara Municipal também tem um papel no ecossistema. Yael Weinstein, diretora do departamento de Desenvolvimento Económico Global da câmara, explica ao Observador que Telavive foi o primeiro município do mundo a abrir um espaço de cowork financiado pela Câmara Municipal, em outubro de 2011. Agora, tem cerca de 80 espaços para empreendedores que se dividem por aceleradores, incubadoras e espaços de cowork, que têm apoio público. “Hoje em dia é muito claro em Israel e mais especificamente em Telavive que uma das chaves para o crescimento económico é a tecnologia“, afirmou Yael Weinstein.

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Cidade cérebro de 300 multinacionais tecnológicas

A atitude chutzpa e a experiência militar moldam a vida em Telavive e o mundo sabe. A cidade israelita é a casa dos centros de I&D de cerca de 300 multinacionais tecnológicas, como o Facebook, Intel, Google, eBay, IBM, entre outros. Só a Google emprega 650 programadores no arranha-céus que ocupa em Telavive. As sugestões de pesquisa que lhe aparecem assim que começa a escrever uma palavra são fruto do talento israelita. Bem como as Google Trends ou o dicionário. Aliado a isto, está o programa de parcerias internacionais lançado pelo Governo, que ajuda empresas a trabalharem juntas, com financiamento público. São cerca de 65 parcerias.

Para Avi Hasson, o papel do Estado passa sobretudo por fornecer as infraestruturas adequadas aos empreendedores, sendo que a principal é o capital humano. “É o ingrediente mais importante de qualquer ecossistema de inovação e nós temos de assegurar que ele existe, que estamos a fornecer pessoas relevantes ao ecossistema“, referiu. Mas não se fica por aqui. É preciso ter pessoas, mas também é preciso ter condições para reter as pessoas e promover uma cultura de risco – para quem empreende e para quem investe.

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Em matéria de investimento, o Governo israelita tem procurado criar condições que façam com que o país seja um bom destino para investir. Exemplo disso é a política fiscal que tem vindo a implementar. Em Israel, existem benefícios fiscais que permitem que os investidores recuperem 50% do dinheiro investido, ao apresentarem a declaração de IRS. Em Telavive, por exemplo, a Câmara Municipal instituiu benefícios fiscais na ordem dos 50% para quem cria um hub de inovação ou centro de I&D na cidade.

Mais: o Governo israelita está a trabalhar numa legislação que vai obrigar as empresas que tenham sede em determinado país e os centros de I&D noutro a terem de pagar impostos também no país onde desenvolvem a tecnologia, que neste caso seria Israel. “Quando começas uma empresa, é tudo arriscado: a tecnologia, o mercado, a equipa. Mas à medida que a empresa matura, o risco decresce e as pessoas ficam felizes por fazerem parte. E se quiseres ter uma perspetiva macro de tudo isto, percebes que o sistema funciona, porque Israel é um país líder em termos de investimento em I&D”, explicou.

Mas são as políticas públicas que ditam o sucesso dos negócios que se criam no país? De acordo com Yossi Vardi, não. O israelita que é considerado uma das 25 pessoas mais influentes no setor tecnológico pelo Wall Street Journal e conselheiro de líderes de multinacionais como a AOL ou a Amazon não duvida que o orçamento do governo para a inovação, a experiência no exército e o ambiente tecnológico que se vive em Telavive são “muito importantes” para o ecossistema, mas também existem noutros países. “A coisa especial que temos aqui é que as pessoas são incentivadas a arriscar. E todas se apoiam”, afirmou num encontro com jornalistas durante o festival de inovação DLD.

“Temos sucesso mesmo quando falhamos. Eu investi em 86 empresas, vendi 30 e fechei outras 30. Quando olho para aquelas em que perdi dinheiro também as vejo como sucessos. É uma questão de mentalidade”, disse. Ousar desafiar, sem meias medidas, de olho no objetivo, ainda que a realidade esteja submersa no caos que é construir um país em ambiente de alerta, onde os computadores se trocam por armas se o telefone tocar. Mentalidade. Criatividade. Tachubal.

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