21:09. Para quem já viu Filomena Cautela desempenhar este papel, começa mal. Pior quando sei que a Inês Lopes Gonçalves só fará os interlúdios junto de artistas, familiares e animais de estimação. Tânia Ribas de Oliveira e Sónia Araújo apresentam a cerimónia de hoje e por momentos parece a estreia de um novo concurso na RTP, “Quem quer ser a próxima Serenella Andrade”.

Ana Cláudia

“Inércia”

A primeira atuação da noite é um tema pop com estrelas fluorescentes coladas no teto do quarto que se torna deliberadamente confuso sem necessidade nenhuma e me deixa sem perceber se queremos ganhar a Eurovisão outra vez ou se vamos lá pelo convívio. Não contem comigo para a segunda hipótese. Aliás, não contem comigo para nenhuma. A intérprete Ana Cláudia faz um trabalho assinalável que mais parece uma prova de esforço, sobrevivendo aos Hunger Games de mudanças rítmicas impostos pelos compositores do tema, os D’Alva. Toda a situação desaconselha qualquer tentativa de movimentar o corpo ao som disto. Ana Cláudia esbraceja de forma graciosa, não percebemos se para acompanhar o tema ou para nos alertar. Doze pontos para a Lituânia.

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João Campos

“É o que é”

Os D.A.M.A. jogaram pelo seguro e escolheram João Campos, uma versão sua com mais 15 anos e um chapéu de gosto duvidoso para interpretar o segundo tema da noite. Ouvimos os primeiros acordes e sabemos que é mais uma contribuição da banda para o Great Portuguese Songbook. Parecia impossível repetir a façanha depois de “Às vezes”, “Oquelávai”, “Pensa bem”, “Ópraela” e “Tuqueresver”, mas “É o que é” é mais uma para a antologia. A técnica de escrita dos D.A.M.A. consiste em juntar as palavras mais como um instrumento do que como uma tentativa de dizer algo com um significado concreto, utilizando o menor número possível de sílabas. Quanto à composição, seria banal numa banda de liceu que aprendeu a tocar guitarra com discos do Jack Johnson, ou seja, é tão irritantemente orelhuda que nos envergonharemos amanhã de manhã, quando dermos por nós a recordar a música vezes sem conta. João Campos tem uma voz perfeitamente aceitável para o tema em questão, mas algo nele denota uma obrigação, como se estivesse ali para pagar uma dívida de jogo com o cachet da atuação. Duvido que chegue para ir à final, mas com os D.A.M.A. já se sabe. Vamos deixar o tema envelhecer um pouco mais.

Soraia Tavares

“O meu sonho”

As luzes acendem-se e um ritmo de marcha preenche o palco. Soraia Tavares é uma estampa e não tem medo de o mostrar. Infelizmente, estampa-se à primeira nota, não porque desafina, mas porque um tema vencedor da Eurovisão é uma sequência de respostas certas a perguntas erradas e, esqueçam, perdi-me no que ia dizer, neste momento só consigo pensar que esta miúda soa à Anabela presa no corpo da Beyoncé. Chamem um exorcista ou, melhor ainda, o próximo artista.

Calema

“A dois”

Não há nada de extaordinariamente novo naquilo que os Calema fazem, nem tem que haver. É tudo bem feito e justifica uma ida à final. Os tipos têm boa pinta e o tema é uma canção pop com meticulosidade quanto baste para merecer o meu respeito intelectual e milhares de groupies por esse país fora. Progressões bem desenhadas, harmonias vocais impecáveis, aquele fiozinho de azeite para dar gosto, e uma letra em que não se tenta martelar mais sílabas do que as que lá cabem. Em suma, uma canção pop à medida da Eurovisão. Talvez demasiado à medida. É que vem aí o Conan.

Conan Osíris

“Telemóveis”

A atuação mais esperada da noite não desapontou. Foi exatamente aquilo que se esperava. Ou muito mais. Ou então foi só isso. Depende da importância que lhe quiserem atribuir. Seja qual for, é um erro continuar a olhar para Conan Osíris como se ele fosse apenas um meme. Essa é uma das muitas facetas que tornam evidente a star quality do rapaz, que, ao invés de se deixar intimidar na sua criação ou persona artística, desarma cada vez mais pessoas. Hoje teve o primeiro close-up em frente às massas e pareceu mais pronto do que nunca, ele e o novo dançarino favorito de Portugal, que deve estar agora no São José à espera que o chamem para o raio-x. “Telemóveis” pode muito bem ser o que vocês querem que seja: uma piada, uma afronta, uma belíssima canção, quiçá o próximo vencedor da Eurovisão. Eu acho que é um pouco de todas essas coisas, e ainda bem. Assim que a atuação terminou, o realizador decidiu cortar para um plano do público, que parecia ter vontade de partir um telemóvel. Quer dizer que correu bem.

Ela Limão

“Mais brilhante que mil sóis”

Há qualquer coisa estival nesta canção bonitinha de Flak e Ela Limão, mas estamos em fevereiro e não encontro as minhas pantufas. Além disso, a máquina da Eurovisão já sabe que isto de canções bonitinhas não paga contas. Jamais deixará este tema representar o país. ”Tanto que eu vivi para aqui chegar”, canta Ela Limão. E nós, minha querida? E nós? Põe-te na fila.

Filipe Keil

“Hoje”

Venceu o concurso aberto para estar presente no Festival da Canção. Se esta foi a melhor de entre mais de duzentas candidaturas, depreende-se que o nível não foi o mais incrível. Assim que Filipe Keil entrou em palco, a primeira sensação é a de que gastou mais dinheiro dos contribuintes em maquilhagem do que todos os outros artistas esta noite. A canção prossegue e não impressiona. Filipe junta-lhe uns movimentos de dança pujantes na direção das câmaras que contrastam com a sua voz tímida, como um boxer que sussurra ao ouvido do adversário ou um participante do Festival da Canção prestes a ser eliminado.

Matay

“Perfeito”

A última atuação da semi-final é essencialmente uma aula de canto de Matay, um galã de 130 kgs que se apresenta também como um dos mais bem vestidos da noite. O tema não é extraordinário, mas é muito bem entregue. Seria bizarro se não passasse à final.

22:03. Apostas para qualificação: Conan, Calema, Matay, e Filipe Keil com a ajuda do público.

22:04. Júlio Isidro, lenda viva da televisão, entra em cena e explica que é a única pessoa que assistiu a todos os festivais da Canção. Aproveita para relembrar a “lágrima coletiva” soltada por todo o júri na edição vencida por Salvador Sobral. Explica depois com honestidade e com aquela ausência de filtros característica de alguém com a sua idade que ainda não se comoveu esta noite. Tânia Ribas de Oliveira corre em seu auxílio e evita o primeiro insulto da noite a Conan Osíris. É a vertigem dos diretos, ou lá o que lhe chamam.

22:06. Álvaro Costa, um dos maiores, surge em palco e é sempre bonito vê-lo entusiasmado na televisão.

22:08. Isaura, compositora e uma das intérpretes do tema vencedor em 2018, também faz parte do júri. O seu penteado é arrojado, uma espécie de cortina de franjas imobilizada a meio de um tornado.

22:09. Agora é Maria João, uma cantora que a maioria das pessoas nunca percebeu ou apreciou, mas têm vergonha de admitir. O importante é que a música signifique “verdade e lealdade”, explica, mas logo a seguir percebe que está a falar de alguma história mal resolvida da sua vida diz que o importante é “amor”, esse ingrediente essencial e indiscutível. Foi por pouco.

22:51. Inês Lopes Gonçalves pergunta aos D.A.M.A. como foi compor para João Dungo. Podia ter perguntado apenas como foi compor.

22:53. Os Cais Sodré Funk Connection regressam ao palco, desta vez para acompanhar Eduardo Nascimento, que arranha uns versos mas chega a parecer aquele tio que pede o microfone num casamento já depois do jantar. A coisa acaba por funcionar. Eduardo Nascimento grita “Ouçaaaaaaa” a plenos pulmões e eu emociono-me com a demonstração de pujança naquela idade, mas a realização decide mostrar-nos um plano fechado da boca do vocalista que revela a ausência de um canino e de um pré-molar.

23:10. Inês Lopes Gonçalves lança a brincadeira e passa a palavra a Tânia Ribas de Oliveira e Sónia Araújo, para que estas completem um verso de uma canção dos Resistência. A coisa termina espectacularmente mal, mas terá sido o único momento menos bem conseguido das apresentadoras. Aquela piada logo no início foi injusta, mas agora já está.

23:13. O júri coloca Matay, Calema, Ana Cláudia e Conan Osiris nos 4 primeiros lugares.

23:18. O público confirma esta votação. Ana Cláudia desempata com João Campos porque teve melhor pontuação do júri e os D.A.M.A. estão fora da final. Quando é assim ganhamos todos.

Vasco Mendonça é publicitário e co-CEO da associação recreativa Um Azar do Kralj