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Pare, escute, olhe e reblogue: Frank Ocean voltou

Num dos regressos mais aguardados da década, Vasco Mendonça entregou-se - ele e a internet - à nova obra de Frank Ocean, questionando a própria sexualidade. O veredicto é incontestável: temos clássico

Têm sido dias de excelente internet. Frank Ocean, ele próprio nascido na maternidade Tim Berners-Lee, acaba de presentear o mundo com Endless, um disco para ver e ouvir, Blond/Blonde (previamente intitulado Boys Don’t Cry), um disco daqueles que só se ouvem, e uma zine, Boys Don’t Cry, das que se lê mas só esteve à venda em pop-up shops de países do primeiro mundo. Tudo lançado a título independente. Tudo ele. Eu digo que acaba de presentear o mundo, mas isto tem sido um corrupio desde sábado passado.

frank ocean disco

Uma legião de fãs espalhados pelas capitais de distrito do planeta tem analisado e sobre-analisado o novo disco de Frank Ocean até à exaustão, como se tivéssemos descoberto um planeta aparentemente habitável a apenas 4 anos-luz de distância. Por acaso isso até aconteceu, mas discutamos antes o fim dos 4 anos de espera por um novo álbum. É que ninguém percebe puto de astronomia e só uma estrela no universo se apresentaria ao sistema solar e população autóctone com os versos “These bitches want Nikes / They lookin’ for a check / I tell em it ain’t likely / Said she need a ring like Carmelo / Must be on that white like Othello”.

Mas dizia: Deus quer, Frank sonha, a internet acontece. O exercício que se segue é tanto uma tentativa de abraçar o fenómeno de celebração virtual que tem sido este regresso de Frank Ocean quanto uma tentativa de desdramatizar o culto. O que se segue são comentários anotados extraídos do Reddit, comunidade online e epicentro de muita das manchetes que consumimos no Facebook, que nos últimos dias se tornou a Meca dos adoradores de Frank.

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A comunidade é maioritariamente anglófona, portanto todos os comentários foram publicados originalmente em inglês. Tentar traduzi-los iria estragar tudo. É o país que temos:

Entusiasmo precoce

[–]SevenSaid 4 days ago:
I HAVENT HEARD IT. BUT ITS A CLASSIC.

Compreende-se. Dada a aclamação dos seus fãs, Frank Ocean podia lançar hoje uma nova colecção de galheteiros que isso seria escrutinado e seguido até à exaustão. Imaginem. Dentro de 5 anos teríamos toda uma nova geração de produtores de azeite. Aplauderíamos a jogada artisticamente ousada e discutiríamos pela noite dentro se isso era um prenúncio de um novo disco, o tal, desta feita gravado num lagar. Parece exagero mas não é. A capacidade de efabulação e escalpelização dos fãs de Frank Ocean não tem limites. E, de facto, Blond/Blonde era um dos discos mais aguardados da década. E toda a gente queria muito, mas MESMO MUITO, que fosse um clássico.

A descoberta musical de Frank Ocean (para muitos aconteceu depois de Watch The Throne, disco de Jay-Z e Kanye West) deu-nos um disco e uma mixtape criticamente aclamados — Nostalgia, Ultra. (2011) e channel ORANGE (2012) — carregados de histórias, clássicos instantâneos, boa parte dos quais com produção do próprio, a melhor voz de R&B masculina desde D’Angelo e um artista de processos simples mas muito eficientes em palco. Vale a pena ver ou rever a interpretação de “Thinkin Bout You” no SNL, a mais tenrinha versão de “I Miss You”, tema que escreveu para Beyoncé, ou “Forrest Gump”, de channel ORANGE, ao vivo em Coachella.

Voltando ao novo disco: queriam um clássico? Então tomem lá um spoiler. O clássico existe e chama-se Blond, ou Blonde, ambíguo como o seu autor.

O resto — Endless, o disco visual — é a modos que uma xaropada. Vemos Frank e uns sósias num armazém procederem vagarosamente a uma série de trabalhos manuais. É suposto dizer-nos que as coisas levam tempo, mas ninguém tem 45 minutos para isto. Infelizmente a maioria só perceberá depois. Ah, a música. É assim assim. Muita coisa em construção, como que anunciando — a par do vídeo — que isto dá tudo muito trabalho e que mais poderá vir, se esperarmos sentados.

Ainda assim há duas canções a que podemos prestar atenção: “Alabama” e “At Your Best (You Are Love)”, um original dos Isley Brothers. Mas aborrece quando visto, o que complica o propósito de um disco visual. Não chega aos calcanhares de um Kanye West em aparato egomaníaco e muito menos poderia competir com Lemonade de Beyoncé, portanto dá a sensação de que o rapaz nadou para fora de pé. Blond/Blonde, esse sim, justifica os 4 angustiantes anos de espera que originaram o melhor tweet de Agosto.

Quanto à zine, não é para quem quer, é para quem pode. Já se vende por pequenas fortunas no eBay. Sabe-se que inclui um ensaio sobre carros da autoria de Ocean, coisa chatinha publicada na sua página pessoal e um poema de Kanye West — “The McDonalds Man” — que até já teve honras de análise na The Paris Review. Kanye West, o poeta. Agora é que o homem não se cala.

Onde isto já vai

[–]bogdaniuz 3 days ago
After listening to this album, I’m really glad that Frank is bisexual. With that, I have at least a hypothetical chance of getting to suck his d*ck.

Calma, há um contexto. Os últimos 4 anos consolidaram aquilo que as histórias dos discos contavam: Frank é, musical e pessoalmente falando, o filho mais sensível do colectivo Odd Future — espécie de formação do Sporting em versão rap que nos deu Tyler, The Creator, Earl Sweatshirt e Domo Genesis, entre outros — e uma das personagens mais intrigantes/interessantes da música actual, em especial para quem a acompanhar não apenas ao ritmo dos discos lançados mas da quantidade de vezes que o seu nome é mencionado nas notícias. No que depende do senhor, não são assim tantas.

É Frank quem geralmente dita o ciclo noticioso e a sua agência Lusa é o Tumblr. Falamos de um rapaz emocionalmente complexo que não se mostra muito mas fez do seu Tumblr o confessionário onde se apresentou como bissexual, uma declaração que não consta do guião da cultura hip-hop e provocou algumas ondas sísmicas que culminaram em alguns dos melhores amigos que se pode ter na cena musical onde Frank é agora um dos maiores: Jay-Z, Beyoncé ou Russell Simmons, para além de alguns amigões dos Odd Future, todos aplaudiram a coragem.

Frank Ocean é a voz de uma geração, designadamente um bando de milhões de cidadãos nascidos maioritariamente desde a segunda metade dos anos 90 cujo maior contributo para a cultura ocidental (e não é pouco) foi dopar a modernidade líquida de Zygmunt Bauman com esteróides.

Mas as reverberações não se ficaram por aí. Frank Ocean, o dos primeiros discos e o dos novos, o que vamos vendo no Tumblr, é todo ele a mesma coisa: uma voz íntima e cúmplice — no estúdio ou online — da embrulhada de expectativa, decepção, paixão, comoção, raiva, e chegadas e partidas a que os miúdos de hoje chamam vida. Trocando por miúdos, que não é pouco: a voz de uma geração, designadamente um bando de milhões de cidadãos nascidos maioritariamente desde a segunda metade dos anos 90 cujo maior contributo para a cultura ocidental (e não é pouco) foi dopar a modernidade líquida de Zygmunt Bauman com esteróides.

Agora não há quem a apanhe. É fluidez sexual, é feminismo reinterpretado, é activismo visual, é o que a gente quiser. E quem não quiser que se aguente. Que alguém aparentemente vulnerável como Frank Ocean afirme de variadíssimas formas, em magníficas canções, sentir o mesmo e expor-se a isso tudo mais em nome da viagem que do destino, é tudo o que uma pessoa precisa quando chega a casa depois de um longo dia de aulas no trabalho, ou no liceu.

Pois

[–]TheHatefulButt 4 days ago
“damn wtf this trippy”

O ouvinte militante dos discos anteriores talvez não contasse com esta “Nikes” a abrir, voz insuflada de hélio — “wtf” — a ecoar ao invés de falsete prodigioso, escondida numa camada sonora — “this trippy” — vinda de coisas que Ocean andou a ouvir (James Blake e King Krule, por exemplo). Não seria necessário pedir ao ouvinte militante que aguentasse mais um pouco, até porque a sua destreza cibernética já lhe teria permitido descobrir no YouTube uma versão disponibilizada por outro/a groupie com a voz no pitch original (não façam isso, é pior, parece um chopped and screwed mal amanhado).

Se mais nada houvesse, os versos sobre a busca de um amor tão autêntico como um par de Nikes, um amor jovem e confuso, onde cabe sexo, euforia, e até referências aos falecidos Pimp C e Trayvon Martin — o delivery de “RIP Trayvon / That nigga look just like me” torna-o instantaneamente um dos melhores comentários sócio-políticos à morte do jovem afro-americano. Esse delivery é aliás uma das coisas que notabilizam Frank Ocean: há muito que nos habituou a incorporar métricas habituais do hip-hop nos seus versos cantados, ou não fosse ele um rapper muito competente. E pronto, Nikes é uma maravilha. Já agora, parece ser também o primeiro single do disco, com um impressionante vídeo a acompanhar.

Aos 3:15 a voz original de Frank regressa e o instrumental sai ligeiramente da frente. “Nikes” poderá não conquistar toda a gente logo à primeira, mas é um tema magnífico que talvez apele mais, numa primeira audição, não tanto aos ouvintes antigos de Frank Ocean quanto a ouvintes das tais coisas que Frank andou a ouvir. Um bom problema para quem faz a sua música evoluir. Estou certo de que os primeiros segundos de “Nikes” ainda vão causar muitos desfalecimentos se este vier a ser tema de abertura em concertos.

Querer (muito) gostar

[–]YeezyYeezyYeezy 1 point 3 days ago
its clicked for me on my 7th listen, I’ve put so much effort in to this and it’s really paid off.

doesnt come close to Channel Orange though :/

Isto, senhores e senhoras, é a ética de trabalho de um fã de Frank Ocean. Esta malta quer tanto gostar do novo disco que, audição a audição, lá vai descobrindo como. No caso de Blond/Blonde, isso acontece por dois motivos: porque de facto a música de Frank Ocean poderia viver quase só de acapellas e nada nestas novas composições/produções impede que se aprecie aquele portento de voz; mas também porque Blond/Blonde não é um osso assim tão duro de roer.

Ou seja, o disco é exactamente aquilo que se poderia esperar: a evolução musical de um tipo vindo do R&B e do hip-hop, mas ligado à ficha de tudo o que se faz ou já se fez musicalmente. Talvez a profusão de guitarras seja o elemento mais surpreendente, e estas não aparecem ali para fazer número, acrescentando camadas de harmonia (“Self Control”), atmosfera (“Nikes”) e adorno de passagem (“Nights”), tudo servido em doses que não incomodam ninguém.

Verdades

[–]Farratn 7 points 4 days ago
I can’t even make it to the latter half of Nights cause the first half is so fire.

True dat, mas a segunda metade de “Nights” é gloriosa e torna este um dos melhores, senão o melhor tema do disco.

Subwoofer

[–]ng_sweatshirt 1 point 3 days ago
Cue point at 3:29 on Nights. Pure gravy

Depois de uns preliminares até que solarengos acompanhados de uma secção rítmica menos presente aqui do que em channel ORANGE (daí o menos imediatamente acessível), Frank anuncia “new beginnings / new beginnings wake up ahh / the sun’s going down” e corta para um beat minimalista, seguido de uns graves que me dão vontade de ir comprar um subwoofer, e se lança rumo a paisagens um bocadinho mais Inkwell do que Earlybird, tanto na sonoridade como nos versos, ainda e sempre à volta de amor, desencantos vários, uma cultura à qual pertence mas que nem sempre o representa, as redes sociais, tudo isto servido com mais um niquinho de angústia, cansaço até — uma doçura de angústia, é certo, feita de versos que, à hora em que escrevo, já serão mais fáceis de encontrar isoladamente numa pesquisa do Google do que a farmácia de serviço.

“Self Control” é uma daquelas canções em que a voz de Frank Ocean atinge uma textura e fisicalidade tais que eu acho que ele se mexeu (vide aquele episódio de Seinfeld em que George Costanza visita um massagista e sai de lá com dúvidas).

Em termos que toda a internet irá compreender, a primeira metade do disco é como se tivéssemos estado a ver imagética conceptual acompanhada de citações no Tumblr durante meia hora e, sem darmos por isso, fôssemos navegando na direcção de um daqueles tumblogs de gif artists que precisam de pôr-mais-tabaco-nisso. Quem nunca se divertiu a tentar chegar ao fim da internet que atire a primeira pedra.

Podemos pois

[–]dlhbdn 4 days ago
CAN WE TALK ABOUT HOW INCREDIBLE THE ENDING TO SELF CONTROL IS PLS

“Self Control”, outro dos pontos altos do disco, é Frank a passar-se com uma chavala com quem parece destinado ao insucesso, uma ou O/A EX. O fantasma de Frank, presente em infindas canções e correspondentes relações esfumadas, manifesta-se aqui de forma humilde com o verso “I’ll be the boyfriend in your wet dreams tonight”, entre outros lamentos de quem sabe que a coisa não vai a lado nenhum.

Move it

[–]Agastopia 4 days ago
Frank baby hold me

Ainda “Self Control”: é uma daquelas canções em que a voz de Frank Ocean atinge uma textura e fisicalidade tais que eu acho que ele se mexeu (vide aquele episódio de Seinfeld em que George Costanza visita um massagista e sai de lá com dúvidas).

Confere

[–]FKDotFitzgerald 4 days ago
Solo (Reprise) is basically just a 3 stacks free style and it’s incredible

“3 stacks” é Andre 3000, metade dos Outkast, duo rap de Atlanta que devia ser ensinado nas escolas. “Solo (Reprise)” dura pouco mais de 1 minuto mas, quando chegamos ao fim da sucessão frenética de versos (de um dos melhores escritores do género), notas de piano a cirandar, com uns bleeps e graves enfiados ali só para a pedrada, percebemos que está aqui a melhor colaboração deste disco. E a lista de candidatos não é brincadeira nenhuma: Beyoncé, Kanye West, Pharrell Williams, Kim Burrell, Johnny Greenwood, Sebastian, entre muitos outros que aparecem de facto no disco e alguns que terão sido apenas inspiração.

https://twitter.com/speriod/status/767139220012015617

Tenham calma

[–]americanrealism 4 days ago
This is Frank’s Pet Sounds. We’ll be peeling layers off of this record for years.

Ainda vou a tempo de mencionar quão boas são “Ivy”, “Pink+White” ou “Solo”, na primeira metade do disco, ou a sequência “Close To You”, “White Ferrari” e “Siegfried” na segunda metade? Mas bem, depois de 2 dias a ler comentários de fãs no Reddit e de algum tempo a acompanhar o clube de fãs e mais uns quantos a ouvir o disco, é difícil não concordar com o utilizador americanrealism.

Provavelmente seria assim mesmo que a música não fosse tão boa. Mas é, e explica-se com uma afortunada combinação de circunstâncias: a pessoa/personagem Frank Ocean; o modo como este se relaciona com os fãs (houve quem a definisse como uma “relação abusiva” devido ao tempo de espera pelo novo álbum); a consciência colectiva e curiosa de uma internet sedenta de significados; e, claro, a sua nova música, certeira na inspiração e galáctica nos colaboradores que conseguiu juntar. Junte-se a isto uma voz sem defeitos e está explicado. Não sei se é o seu Pet Sounds, mas é um clássico de Frank Ocean.

Bem visto

[–]Dr1mys 4 days ago
Just realised, Frank’s put out 2 projects these past couple of days.
That means 8 years till the next release.
Shit.

Se continuar a lançar discos como Blond/Blonde, valerá a espera.

Vasco Mendonça é publicitário e co-CEO da associação recreativa Um Azar do Kralj

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