Republicamos este texto, originalmente publicado a 9 de maio de 2016, véspera da apresentação do livro que publicou, Alma Benfiquista. Pedro Guerra, diretor de conteúdos da BTV e comentador televisivo, está no epicentro do alegado esquema de corrupção para favorecer o Benfica denunciado pelo FC Porto, através de uma suposta troca de emails com o ex-árbitro Adão Mendes.
A cena repete-se todas as segundas-feiras, às 21h30. Meia hora antes do início do programa “Prolongamento”, da TVI24, o comentador Pedro Guerra, que esta terça-feira, 10 de maio, lança o livro Alma Benfiquista, chega aos estúdios de Queluz de Baixo conduzido pela mulher, Teresa. Já se inscreveu mais do que uma vez numa escola de condução para tirar a carta, mas nunca levou o projeto até ao fim. Como não guia, ou apanha boleia ou vai de táxi — ainda não recorreu aos serviços da Uber.
No canal, há quem se meta com ele quando o vê chegar com o trólei Samsonite preto onde guarda jornais, recortes, documentos e os famosos frames de lances polémicos que mostra no programa. Ninguém o pode acusar de não preparar ao milímetro as duas horas de confronto televisivo com Manuel Serrão e José de Pina. De tal maneira que há quem lhe chame, em tom jocoso, “benfiquista com papéis”.
Pedro Fernando dos Santos Alves Guerra nasceu a 3 de março de 1966, em Moçâmedes, no sul de Angola. O pai, que mais tarde foi adido cultural da embaixada portuguesa em Luanda, trabalhava então como professor de Português e Filosofia no liceu local e era sportinguista. Apesar disso, nunca tentou influenciar Pedro, que torcia pelo Benfica por influência de um primo com quem se juntava para ouvir os relatos na rádio. Foi nessa altura que passou a venerar Eusébio.
A família — Pedro tem um irmão três anos mais velho, o jornalista Paulo Alves Guerra — mudara-se entretanto para a capital da colónia e passara a morar perto do bairro de Alvalade. Depois do 25 de abril de 1974, quando o pai começou a aperceber-se de que a situação podia complicar-se em Angola, mandou a mulher e os filhos para a Metrópole. Ele ficou.
Pedro, Paulo e a mãe passaram a viver em Viseu e os rapazes foram estudar para o Colégio Via Sacra, um estabelecimento de ensino gerido por padres, que os alunos frequentavam em regime de internato. “Tínhamos missa diária”, diz Pedro Guerra ao Observador. Veio viver para Lisboa no fim do 9.º ano. Passou pelo Liceu Maria Amália e pela Escola Secundária da Cidade Universitária antes de entrar para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
O arquivista que tinha jeito para escrever notícias
A morte trágica do pai impediu-o de terminar a licenciatura. “Ele nadava muito bem. Um dia estava numa praia, em Luanda, sentiu-se mal e acabou por morrer afogado”, recorda. Os dois irmãos tiveram de ir trabalhar. Pedro entrou para O Jornal como arquivista, no tempo em que Cáceres Monteiro dirigia o título. Por essa altura, estava a ser constituída a equipa fundadora d’O Independente e Inês Pedrosa, então sua cunhada, perguntou-lhe se não queria mudar-se para lá.
Pedro entrou pela primeira vez nas instalações da rua Actor Taborda, junto à sala de cinema pornográfico Cinebolso, com 23 anos e, tal como hoje, já gostava de papéis. Só ele se entendia no arquivo, o caos organizado que existia ao fundo da redação. Era um labirinto de pilhas de jornais, mas ele sabia exatamente onde estava o quê.
“Pouco tempo depois o Paulo Portas chamou-me e disse-me: ‘Eu acho que tu tens talento para mais do que estar simplesmente no arquivo. Devias encarar a hipótese de ir para a redação e ser jornalista. Tu gostas, estás sempre a par das coisas.’ Eu aceitei o repto, claro”, conta. Desde essa altura, Guerra tem por Portas uma enorme dívida de gratidão.
Pedro Guerra sobre Bruno de Carvalho
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“Fui alvo de ataques vindos de Bruno de Carvalho, com apartes e insinuações vis acerca do meu passado profissional, chegando ao ponto de ser visado fisicamente pelo líder verde e branco. Decerto fruto de algum problema com o superego do senhor e que um dia qualquer psicanalista terá de resolver a preceito. O diagnóstico é fácil de fazer. Quanto à cura… tenho dúvidas.”
Pedro Guerra começou como estagiário da secção de desporto ao lado de Alexandra Tavares-Teles, que lhe recorda o saber enciclopédico. “O Guerra era o meu Google. Ele sabia tudo sobre todos os jogos: os árbitros, os jogos, os resultados. Tinha uma memória prodigiosa. Além disso, era um trabalhador incansável”, diz ao Observador.
O jovem repórter não escondia de ninguém que era benfiquista, mas isso não o impediu de assinar várias notícias sobre o clube. Quando escrevia, deixava a paixão de lado. Tanto atacava o FC Porto, como o Sporting e o Benfica. Quem trabalhava na redação nessa altura garante que “cortava a direito”. Esse traço nunca mudou: muitos anos depois, em 2001, viria a publicar uma peça sobre o envolvimento de Luís Filipe Vieira no roubo de um camião, na década de 80. Vieira fora condenado a 20 meses de prisão por ter sugerido a um amigo a quem uma empresa devia dinheiro que contratasse uma companhia de cobranças difíceis. Ele próprio estabeleceu a ligação. O acordado foi que os ditos cobradores desviariam um dos camiões da empresa do devedor. E assim foi.
Pedro Guerra recupera a história no livro que agora publica: “O devedor queixou-se em tribunal e Luís Filipe Vieira, juntamente com os homens das cobranças difíceis, acabou por ser condenado por roubo [em 1993].” A pena foi amnistiada. Uma semana depois, Guerra e Vieira sentavam-se à mesma mesa para uma refeição promovida por um amigo comum.
“Devo confessar que, após o almoço, fiquei rendido àquele homem que, anos mais tarde, salvou o meu clube da falência. Percebi que acabara de conhecer um homem honrado, pragmático e muito determinado. Luís Filipe Vieira deu uma lição de fair play”, escreve em Alma Benfiquista. O conflito ficou sanado, os dois passaram a dar-se bem e daí a oito anos foi o próprio Vieira quem convidou Pedro Guerra para colaborar com a Benfica TV.
O homem dos tribunais
N’O Independente, Guerra fez muito mais do que desporto. “Há algum tempo que a Helena Sanches Osório pedia ao Paulo Portas um jornalista para a ajudar nas investigações dela. Ele escolheu-me a mim”, diz ao Observador. Trabalhou diretamente com ela durante muito tempo na equipa a que, por brincadeira, chamavam Gabinete de Investigação (GI). Maria Jorge Costa também fez parte desse núcleo.
Helena ensinou-lhe tudo o que pôde, abriu-lhe portas e instruiu-o para nunca desistir de uma história: “Dizia-me que devíamos fazer tudo para lá chegar, tentando perceber qual era a intenção de quem passava a notícia.” Pedro enveredou pela área da Justiça e começou a construir uma rede de fontes que viria a render-lhe muitas manchetes.
Dava-se com procuradores do Ministério Público, elementos da Polícia Judiciária, juízes, advogados. Passava dias no Tribunal da Boa Hora a consultar processos. E andava sempre com os célebres documentos para trás e para a frente. “Tinha uma relação tão boa com as fontes que os procuradores do Ministério Público chegavam a emprestar-lhe os originais dos processos para ele fotocopiar. Se os papéis se perdessem, acabava-se o processo”, lembra um um jornalista.
Pedro Guerra sobre Eduardo Barroso
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“[Depois do episódio dos vouchers do Benfica com Bruno de Carvalho], o programa ainda teve uma parte final com Eduardo Barroso a insultar-me a revelar a sua total falta de urbanidade e decência, para quem constantemente invoca a sua pertença a uma elite. O programa acabou com o referido senhor a (…) dirigir-se a mim em termos muito agressivos, chegando mesmo a dizer que, se fosse mais novo, fazia e acontecia. Limitei-me a retirar os óculos calmamente e a desafiá-lo: ‘Vá lá, quer bater-me, não é? Veja lá se é capaz! Ou será que não passa de um cobarde.’ Este ainda cerrou as mãos e Bruno de Carvalho gritou-lhe: ‘Ó Eduardo… não faça isso! Isso é o que ele quer!’”
Guerra transportava tudo na pasta preta de mão que trazia sempre com ele. Podia andar por fora dias inteiros, mas à quinta-feira à noite, em cima do fecho, aparecia invariavelmente à última hora com a manchete dessa semana. “A imagem que tenho dele na redação é a de uma cabeça escondida entre as pilhas de papéis que amontoava na secretária. Quando ainda ninguém usava auriculares, lá estava ele com os phones nos ouvidos, sempre ao telefone”, conta outra redatora que o conhece desse tempo.
“Às vezes só enviava os faxes a confrontar os visados a horas tardias, o que não lhes dava margem para responder. E ele lá escrevia ‘Contactado pel’O Independente, não reagiu’”, diz um jornalista. Guerra confirma: “A partir de determinada altura, percebemos que, se confrontássemos os visados com muita antecedência, queimávamos a história. Mas não o fazíamos para não lhes dar tempo de responderem: era mesmo só para eles não matarem a notícia.”
Para desespero da chefia, Pedro Guerra atrasava-se sempre a escrever. A mulher, Teresa, com quem se casou em 1991, ia lá muitas vezes levar-lhe o jantar. Simpática e discreta, chegava a ficar por lá a fazer-lhe companhia durante o serão de trabalho.
A dada altura, a frequência com que Guerra trazia boas histórias levou Constança Cunha e Sá, que entretanto assumira a direção do jornal, a dar-lhe uma página própria. Chamava-se “Guerra à vista”.
O homem dos títulos
N’O Independente, Pedro Guerra tinha ainda outra função: era o “tituleiro emérito”, como lhe chamam Filipe Santos Costa e Liliana Valente no livro O Independente, a máquina de triturar políticos. “Ele tinha imensa graça. Dizia aquelas piadas e, a determinada altura, percebeu-se que elas funcionavam como títulos. Se estávamos atrapalhados, chamávamos o Guerra. Ele pendurava os braços num bengaleiro que havia no aquário [uma sala de reuniões] e ia dando ideias. Todos tentávamos imitá-lo, mas sem sucesso”, recorda ao Observador Graça Rosendo, que trabalhou com ele nessa altura.
Há exemplos de sobra de manchetes com títulos de Guerra: “Retrato de um agricultor enquanto jovem”, “Quem não tem Lacão caça com gato” e “Casa Nostra” são apenas três. Este último, sobre alegados benefícios que Fernando Nogueira e Marques Mendes teriam tido na compra de terrenos para a construção de duas casas em Caxias, acabou em tribunal. “Quando o juiz lhe perguntou o que é que ele queria dizer com aquele título, que era claramente depreciativo, o Guerra respondeu: ‘Casa Nostra? Casa Nostra é um restaurante no Bairro Alto.’ O sentido de humor dele chegava a este ponto…”, conta outra fonte. Dessa vez, O Independente foi condenado.
“Os títulos faziam parte da irreverência do jornal. Lembro-me de uma vez Braga de Macedo dizer em tribunal que aquilo que mais o tinha irritado na notícia era o título”, recorda o comentador. A dita notícia era sobre um monte no Alentejo e chamava-se “Herdade para ter juízo.”
Ao contrário do que a sua atual imagem televisiva sugere, os colegas deste tempo recordam Pedro Guerra como uma figura conciliadora. “Em situações de crise, era um elemento apaziguador. Dizia sempre que estava tudo bem, que tudo se resolvia”, diz Graça Rosendo. “A dada altura, o ambiente era muito competitivo entre os jornalistas, porque todos queriam assinar as manchetes. Mas, apesar de o Guerra fazer duas manchetes em cada quatro, era uma das pessoas mais populares da redação”, diz outro repórter que trabalhou com ele.
O defesa central do Damaiense e trindade sagrada
Tal como acontece no programa Prolongamento, já nos tempos d’O Independente Pedro Guerra falava com orgulho da época em que foi defesa central do Damaiense. Em miúdo, sonhava jogar no Benfica, mas, como conta no livro, a ambição ruiu quando prestou provas no clube da Luz e o mandaram regressar no ano seguinte. Desgostoso, percebeu o recado. E resignou-se a vestir o equipamento da equipa da Damaia.
Uma vez, um grupo de jornalistas da redação que costumava juntar-se para disputar partidas de futebol de cinco desafiou-o para o jogo dessa semana. Guerra não desiludiu. Mesmo com uns quilos a mais, correu, atacou e protagonizou o momento mais alto da partida: um lance dividido com o guarda-redes que terminou com um espectacular chapéu, um golo glorioso e um pé partido. O gesso obrigou-o a abrandar o ritmo, mas não o afastou das notícias. Continuou a publicar as histórias que ia descobrindo.
Pedro Guerra sobre Octávio Machado
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“O Palmelão é um homem com ‘h’ grande, amigo do seu amigo e um grande contador de estórias. Com ele aprendi muito e admiro-o imenso. (…) Creio que nos respeitamos mutuamente e sabemos o papel de cada um. (…) Infelizmente, com o seu regresso ao Sporting, como diretor do futebol, engrossou a onda antibenfiquista primária.”
Nos tempos do jornal, havia uma santíssima trindade que Pedro Guerra defendia a qualquer custo: O Independente, o Benfica e Paulo Portas. “É de uma lealdade e de uma fidelidade canina às pessoas a quem está ligado. Na altura, era assim com Portas. O que ele mandasse fazer, o Pedro fazia”, diz ao Observador um elemento da redação.
Mesmo depois de Paulo Portas deixar O Independente, Pedro Guerra continuou a ser próximo do ex-líder centrista. A relação entre os dois estreitou-se ainda mais quando Portas assumiu a pasta da Defesa e o convidou para assessor de imprensa. “Era tão zeloso que chegava a prejudicar o chefe”, recorda um repórter que acompanhava a área nessa época. Os jornalistas que cobriam esta área recebiam com frequência mensagens escritas a dizer: “Atenção NEWS às 18h.” Podia ser mais tarde. Era assim que os avisava de que, nesse dia, lhes ia dar uma notícia e que, por isso, deviam guardar espaço nos respetivos jornais.
“Em cima do fecho, para não haver tempo para trabalhar a informação, lá chegava o email. Só que em vez de trazer um press release normal, a informação vinha em forma de notícia já escrita e adaptada ao jornal a que cada um pertencia. Até tinha título”, conta um desses jornalistas. “Parecia um take da Lusa. Não era um comunicado normal. Sabia-se que o Portas dizia que os jornalistas eram preguiçosos. E a ideia deles era que, se dessem as coisas já feitas, ninguém ia fazer outra vez”, acrescenta outro. Se o jornalista fosse do Público o texto diria qualquer coisa como “afirmou ao Público o ministro Paulo Portas”, se fosse do Expresso, do Diário de Notícias ou de outro qualquer substituía-se o nome do jornal.
Pedro Guerra nega esta informação. “Mas quem é que diz isso? Os jornalistas identificam-se?”, questiona. “O que eu fazia era juntar a informação e coligi-la, mas fazer isso seria um desprestígio para os jornalistas”, afirma ao Observador. Um desses repórteres confirma que, de vez em quando, Guerra enviava dossiês completos sobre matérias que o ministério queria comunicar. “Se eles quisessem divulgar a aquisição de uma arma, por exemplo, iam buscar dados a fontes diferentes e avisavam que aquilo era para nós termos material extra, mas que não tínhamos de trabalhar.”
As fontes contactadas pelo Observador adiantam outra informação que Guerra também desmente: “Às vezes não convocava os jornalistas mais incómodos para as conferências de imprensa. Mas nós éramos informados por outras fontes e aparecíamos. Ele era difícil, mas tinha um humor mordaz e não era violento como agora nos programas de televisão.” De vez em quando, segundo a mesma fonte, enganava-se e enviava para os jornalistas mensagens dirigidas a apoiantes do partido. “Os SMS pediam às pessoas para ligarem para a TSF a dizer bem de Paulo Portas no Fórum”, assegura um dos repórteres que chegou a receber essas mensagens.
Na altura em que Guerra era assessor, a divulgação do seu salário causou polémica: de acordo com o Diário da República, recebia 4888 euros brutos por mês. Guerra esclarece: “Saiu mal publicado no Diário da República, com valores que não se aplicavam. Depois foi retificado.” O montante correto? “Já não me lembro”, diz o ex-assessor.
Pedro Guerra sobre Dias Ferreira
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“As coisas aqueceram quando este senhor alegou haver um ‘Apito encarnado’, numa alusão clara ao caso ‘Apito dourado’: na minha opinião, este antigo dirigente foi longe de mais e eu não podia deixar em claro. (…) Aproveitando o engasgo e a falta de capacidade para provar o que dissera, dei-lhe a estocada final: ‘Sei que é amigo de Luís Filipe Vieira. Acha que ele é um homem sério? Ou acha que ele seria capaz de comprar árbitros para ganhar jogos?’ (…) ‘Ele é um homem sério!’ (…) Perguntei-lhe se alguma vez tinha recebido dinheiro do Sporting. Eu sabia que sim, dada a sua ligação ao Sporting na vertente jurídica. Respondeu-me, de forma atabalhoada, que diretamente nunca recebera nada do Sporting, mas admitiu que auferiu, por via indireta, verbas do seu clube do coração. Resumindo e concluindo, como diz o povo, foi à procura de lã e saiu tosquiado!”
Pedro Guerra fez cumprir à risca a ordem de silêncio sobre assuntos como os célebres submarinos: “Muitos dos concursos na área da Defesa têm regras de confidencialidade terríveis. Nós muitas vezes não podíamos dar a informação. Isso era interpretado como estarmos a esconder alguma coisa. Mas não era. No caso dos submarinos, houve uma altura em que decidimos não dar informação nenhuma. Temia-se que alguns dos concorrentes pudessem pôr em causa o concurso por haver uma fuga de informação.”
O assessor defendeu Portas de tudo o que pôde, mesmo nos tempos conturbados do processo da Universidade Moderna. Anos mais tarde, a socialista Ana Gomes acusá-lo-ia publicamente, aos microfones da Antena 1, de montar “uma central de desinformação e calúnia de dirigentes do PS” durante o caso Casa Pia. “Cheguei a pensar pô-la em tribunal, mas eu acho que ela é inimputável. Acho mesmo. Para mim não tem qualquer credibilidade. Ela gosta de viver da intriga, da calúnia. Nunca [fiz isso]. Nada!”, diz ao Observador.
Certo é que Portas e Guerra continuaram próximos depois da experiência governamental, que durou três anos e chegou ao fim em 2005. Quando o líder centrista deixou o Ministério da Defesa convidou Pedro Guerra para colaborar com o grupo parlamentar do CDS. “Outras pessoas tinham colaborações em part-time e apareciam na Assembleia de vez em quando, mas o Pedro Guerra nunca lá ia. Ao princípio ainda aparecia nos convívios de Natal, mas depois nem isso”, garante uma fonte do partido. Mais uma vez, Guerra nega: garante que tanto ia à sede do partido, no Largo do Caldas, como ao Parlamento, e que fazia trabalho de pesquisa e elaboração de dossiês para debates. Trabalhava diretamente com Portas e com os líderes parlamentares, adianta ao Observador. Em agosto de 2015, o DN publicou uma notícia sobre o assunto, mencionando a ausência de Guerra no Parlamento. Depois disso, a colaboração terminou. Pedro Guerra diz que uma coisa não teve nada a ver com a outra. “O dr. Paulo Portas estava de saída e a minha ligação era mais a ele. Acho que ele é um grande estadista.”
O comentador desportivo mais temido da televisão
Pedro Guerra mudou de profissão, de emprego e de funções, mas uma coisa manteve-se constante ao longo da vida: a paixão pelo Benfica. É disso que vive hoje, mesmo sem nunca ter sido funcionário do clube. Depois do incidente com Luís Filipe Vieira, os dois mantiveram-se sempre em contacto. Há uns anos, Guerra começou a colaborar com o jornal do clube e, mais tarde, foi desafiado pelo próprio Vieira para fazer o mesmo na Benfica TV.
Pedro Guerra sobre Luís Filipe Vieira
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“Quem conhece o presidente sabe bem que a sua ambição não tem limites, e que detesta perder tempo a comemorar êxitos, pois entende que os mesmos fazem parte do passado e é preciso conquistar mais e mais… sempre mais! (…) Para mim, o atual presidente representa a verdadeira mística do Benfica. (…) Luís Filipe Vieira é, a meu ver, o melhor exemplo disso mesmo. A meu ver, a mística traduz-se na capacidade de empolgamento a fim de, em qualquer circunstância, dar o máximo, no sentido de criar condições para vencer e… vencer cada vez mais.”
Participou com Afonso de Melo e António Pragal Colaço numa série de programas sobre o processo Apito Dourado, fez comentários e, em fevereiro de 2015, foi convidado pelo presidente do clube para assumir a direção de conteúdos da Benfica TV. É a ele que cabe organizar a antena de forma a “preservar os valores do benfiquismo.” Guerra pensa em novos programas, sugere convidados, faz o planeamento semanal e mensal daquilo que a estação vai emitir. Defender o clube passou a ser a sua missão de vida. Há quem diga que, tal como acontecia com Portas, é capaz de tudo para defender o clube e aquele que considera “o melhor presidente da história do Benfica.”
Desde 2013 que circula no YouTube um vídeo intitulado “Fernando Santos… ou Pedro Guerra?”, em que um espectador defende Jorge Jesus e a direção de forma acérrima. A publicação sugere que o dito espectador é Pedro Guerra (cujo nome completo é Pedro Fernando dos Santos Alves Guerra). O diretor de conteúdos da BTV diz que é mais uma calúnia. “Isso foi uma coisa que lá puseram. É alguém que tem uma voz parecida com a minha, mas eu jamais faria uma coisa dessas, como deve calcular”, diz ao Observador.
https://www.youtube.com/watch?v=Z1qgy8k4wxg
Inegável é que Pedro Guerra já deixou claro o lema que segue e que descreve em Alma Benfiquista: “Quem se mete com o Benfica, leva.” Foi assim logo no programa Mercado, na CMTV, onde debateu com Dias Ferreira, Octávio Machado, Paulo Andrade, Carlos Severino, Jorge Amaral, Paulo Futre e Jorge Coroado, entre outros. Tornou-se implacável com quem cruzava uma linha que ele próprio definia. Ganhou fama de irascível.
Pedro Guerra sobre Jorge Jesus
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“Jorge Jesus, ao contrário do que muitos pensam, é um homem mentalmente bem mais frágil do que parece. Quando os resultados não surgem, a tendência é para entrar em pânico e, sobretudo, pôr as culpas nos outros. Além de insistir em utilizar a mesma receita — pedir mais e mais jogadores. Para Jorge Jesus, os jogadores nunca são suficientes. O cenário ideal para este treinador era o mercado estar permanentemente aberto. (…) Luís Filipe Vieira sempre foi muito paciente e até paternal para este tipo de treinadores.”
Continua a ser igual em Prolongamento, na TVI24. Enumerar as discussões e conflitos em que já se envolveu desde que substituiu Fernando Seara seria um exercício insano. Mas alguns episódios ficaram célebres, como a discussão com Eduardo Barroso que terminou com Pedro Guerra a perguntar ao médico se lhe queria bater, e o famoso episódio em que Bruno de Carvalho, presidente do Sporting, foi convidado especial e acusou o Benfica de oferecer vouchers aos árbitros antes dos jogos. O comentador benfiquista defendeu o clube da Luz, como de costume. Tal como recusa quaisquer responsabilidades no caso Futeboleaks, ligado à divulgação de informações contratuais que envolviam o Sporting. Ao Observador, defende-se alegando que, além de tudo o resto, é infoexcluído — não tem Facebook, não usa redes sociais e só há pouco tempo descobriu as maravilhas do WhatsApp.
Pedro Guerra reconhece que já saiu algumas vezes incomodado com aquilo que se disse em direto. “Esta época foi muito acesa. Mas no fim cada um vai à sua vida e só nos vemos de novo daí a uma semana. Isso ajuda a serenar os ânimos”, confessa. Às vezes, quando revê os programas, consegue rir de algumas coisas que diz, mas diz que nunca se arrepende do que faz em defesa do Benfica.
“Tento sempre não faltar ao respeito a ninguém, embora a mim já me tenham chamado nomes. Das duas uma: [no meio da confusão] ou uma pessoa se levanta e vai embora, ou faz qualquer coisa. O meu benfiquismo obriga-me a ser moderado, mas a rebater o que está a ser dito.” Quando as luzes do estúdio se apagam, o combate fica suspenso até à segunda-feira seguinte. Pedro Guerra volta a arrumar os documentos no trólei e regressa a casa como chegou: à boleia de Teresa, sua mulher.