Os deputados do PS estiveram dois dias reunidos no distrito de Castelo Branco a tentar preparar as tintas para o quadro de uma eventual crise política, fazendo tudo para não figurar na obra final. “Não é um jogo”, jura Pedro Nuno Santos, mas parece, com o PSD a esconder o seu e o PS a avançar no terreno com jogadas de antecipação. Sobretudo para o cenário mais dramático.

Há muito que o PS não controla na negociação do Orçamento do Estado para 2025 e um dos fatores é a abertura do Governo para entrar no jogo. Mas enquanto isso não se esclarece, os socialistas vão fazendo tudo para ficar fora de responsabilidades numa eventual crise política. As coordenadas de Pedro Nuno Santos — tendo em vista esse objetivo — estão dadas: garantir que quer estar dentro, rejeitar eleições, jurar que não tem um plano paralelo e, ao mesmo tempo que isto tudo, vender que a viabilização não tem de passar pelo PS.

Pelo caminho também garante que, se a bomba detonar (eleições antecipadas) também não tem “medo”, como quem diz ao PSD que não se fie nisso para dar como garantido o Orçamento do Estado.

Estar dentro: falar em viabilização e cedências “sem linhas vermelhas”

As palavras pesam e o PS já tinha percebido isso quando começou a fazer andar mais à solta — ainda durante a campanha das europeias e internamente — a palavra “viabilização” em relação ao próximo Orçamento do Estado, tal como o Observador escrevia aqui. E nestas Jornadas Parlamentares, foi a própria líder da bancada que admitiu que “se for para o viabilizar“, o Governo terá de procurar o PS para negociar. Também disse que tudo ficava “mais difícil”, em termos de futuras negociações, com as propostas do Governo  para o IRC e para o IRS jovem, mas no dia seguinte veio logo o líder corrigir que nada disso “são linhas vermelhas”.

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Pedro Nuno respira, mas precisa de tempo. Viabilização do OE mais perto após Europeias

São duas propostas que Pedro Nuno Santos também critica, mas que já está a usar na negociação orçamental ainda não aberta. “Não estabelecemos linhas vermelhas, o líder parlamentar não estabeleceu linhas vermelhas, mas temos as nossas críticas em matérias que são importantes e estruturantes para a forma como se organiza o Estado português”. E querem ser ouvidos, com o próprio líder a admitir que o PS terá “disponibilidade para conversar e ceder também, na mesma medida que do outro lado também há disponibilidade para ceder. O que tivemos até agora foi porta completamente fechada”, queixou-se perante os deputados.

E deixou já dito, nestas jornadas pela Beira Baixa, que as duas matérias são rejeitadas pelo PS pela mesma razão: beneficiam quem não precisa. O IRS Jovem porque a “proposta do Governo é regressiva, a poupança fiscal é tanto maior quanto mais se ganhar” e a redução do IRC porque é generalizada e não orientada para as empresas que reinvestem lucros. As duas medidas que os socialistas mais criticam nesta fase chegarão ao Parlamento por via de uma autorização legislativa, autónomas em relação à proposta do Orçamento. É certo que mesmo não estando, o OE terá de ter o impacto desta medida na previsão de receita, mas viabilizá-lo não seria viabilizar diretamente estas propostas.

Rejeitar eleições. Montenegro falou nelas primeiro

Nos últimos tempos, o líder do PS vê uma tentativa de repetição “das fórmulas do passado” no PSD, ou seja, o regresso a 1987 e à queda do Governo minoritário de Cavaco Silva na sequência da qual o PSD conseguiu uma maioria absoluta. É uma desconfiança que o PS alimenta já uns meses, mas que agora já tem factos para poder atirar a Luís Montenegro. Um deles vem das declarações que o primeiro-ministro fez esta segunda-feira, no Conselho Nacional do PSD: “Se por um acaso tudo isto não passar de um jogo, então tenham a coragem de deitar abaixo o Governo.”

A resposta de Pedro Nuno Santos começou por responder que “há quem queira repetir fórmulas do passado. Nós não fazemos nenhum jogo, estamos atentos aos sinais que nos vão sendo dados no Parlamento.” E ainda avisa que é o PSD é o primeiro a dar um passo em direção a eleições e não o PS, ao sublinhar que “no dia em que a líder parlamentar usa a palavra viabilizar, ameaça com eleições, desafia para a apresentação de uma moção de censura”. “Em vez de abraçar a disponibilidade do PS o que temos do primeiro-ministro são ameaças de eleições”, lamentou dando mais umas pinceladas no quadro que quer deixar preparado para um dia em que tudo falhar e as eleições antecipadas surjam no caminho, sem figurar nele.

Viabilizar não tem de ser com PS. “O PSD aproxima-se da IL e do Chega”

Outro argumento que foi trabalhado ao longo destes dois dias em Castelo Branco — também para tentar sacudir dos ombros a responsabilidade de uma crise –, foi a tese de um PSD muito mais próximo da IL e do Chega do que do PS. E não por culpa dos socialistas ou do que os tempos da “geringonça” fizeram ao seu ADN.

No discurso de encerramento das Jornadas, Pedro Nuno admitiu que o anterior Governo deixou alguns problemas por resolver, também disse que “as soluções apresentadas para resolver esses problemas são as piores, são erradas, custam muito dinheiro ao Estado, vão promover a desigualdade”. E isto para voltar à responsabilidade em votar o Orçamento, que neste dias empurrou para a IL e o Chega. “Quem é que está ao lado da política fiscal do Governo? Quem está mais próximo a IL e o Chega”, pergunta e responde: “Se a proximidade em matérias estruturantes é a IL e o Chega é neles que tem de procurar a viabilização e a sustentação do Governo”.

“Não é justo que se tente aprisionar o PS a uma estratégia para o país que consideramos ser profundamente errada e injusta”, disse insistindo que “isso é mau para a democracia portuguesa”. “Em matéria económica, estado social serviços públicos a proximidade, hoje, não é com o centro esquerda, não é com o PS e não é porque nos distanciámos”, garantiu.

Uma argumentação que já antecipa eventuais colagens do seu PS — fáceis, tendo em conta o seu próprio histórico no partido — à esquerda que se senta à esquerda do partido. “O PS não quis sovietizar nada, não alterámos a forma como olhámos para o Estado social e a política económica”, garantiu referindo-se a essese tempos. “O PSD aproxima-se da IL e do Chega”, concluiu em contraponto.

Jura que não há plano paralelo. “Não há frente de esquerda. Ponto final”

E neste último ponto, afastou logo cenário de “frente de esquerda” já do caminho, antes que comecem a ganhar terreno inspirados pelo que se passou em França no passado domingo. Logo na segunda-feira, em declarações aos jornalistas, quando foi confrontado com a leitura das eleições francesas, a vitória da esquerda e eventuais interpretações para o plano nacional, foi lesto a tirar mais essa mina do terreno de conquista do centro: “Não há nenhuma frente de esquerda, esse debate não existe. Estamos a falar da realidade francesa, cada país tem a sua realidade e uma resposta adequada à realidade nacional. Ponto final”.

Além de ser um empecilho no objetivo de crescimento do partido no curto prazo e de centralização do discurso — que tem nos Estados Gerais essa ambição — também parece não ter terreno fértil no país para cultivar. “Seria complicar“, assume fonte do partido ao Observador. E nesta fase, como diz o líder, a realidade política já é “muito difícil”.