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Perfil. Dos bilhetes do Benfica à Junta de Campo de Ourique. Pedro Costa está à direita do pai

Pedro Costa nunca foi da ala esquerda do PS e era cético da geringonça. Há muito que estava na calha para presidente da Junta de Campo de Ourique, onde agora chegou por renúncia de Pedro Cegonho.

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Artigo publicado em março de 2018 e atualizado depois da notícia de que o filho do primeiro-ministro irá assumir a presidência da junta de Campo de Ourique.

Pedro Costa é um socialista moderado. Foi o único membro da bancada do PS na Assembleia de Freguesia de São Domingos de Benfica, em 2014, a levantar o braço num voto de louvor ao aniversário da queda do Muro de Berlim, que desencadeou o fim do bloco comunista. Menos de um ano depois dessa tomada de posição, o filho de António Costa — que sempre puxou “mais ao centro” do que à esquerda do PS — tinha sido um dos céticos que duvidou da “geringonça” que fez do seu pai primeiro-ministro. Mas como apoia sempre as decisões do pai, guardou para si esse ceticismo. Entretanto já admitiu ao Observador: “Felizmente, enganei-me”.

Agora chega a número um na Junta de Freguesia de Campo de Ourique (nada que não estivesse já escrito nas estrelas), sucedendo ao seu amigo Pedro Cegonho. Cegonho está no Parlamento desde as últimas legislativas e quer agora dedicar-se a esse cargos e deixar a Junta nas mãos de alguém com disponibilidade total. Em Pedro Costa diz ver alguém que “tem assegurado a presença da Freguesia na Assembleia Municipal desde 2017, e tem sido responsável pelo relacionamento com a Câmara Municipal, tendo negociado todos os contratos de delegação de competências deste mandato”. “Está preparado, tem aptidão e capacidade para ser o presidente de Junta de Freguesia, a tempo inteiro, que entendo ser necessário em Campo de Ourique”, assegura. E assim se fez a passagem de testemunho, com o filho mais velho de António Costa a chegar a presidente de Junta a um ano das autárquicas.

Em março de 2018, Pedro Costa foi envolvido no caso dos “emails” por ter beneficiado de bilhetes pedidos por António Costa, nos quais se inclui o pedido de um bilhete para o Benfica-Celtic — num jogo em que recebeu indicações para “não ir de calças de ganga” — e uma ida à final da Liga Europa em maio de 2013, em Amesterdão, onde o Benfica defrontou o Chelsea.

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Benfiquista como o pai, Pedro Costa desvalorizou, nessa altura, a polémica em declarações ao Observador. Sobre o jogo do Celtic, foi taxativo: “Não me lembro disso. Já deve ter sido há alguns anos e devia ser miúdo. Faz parte [ter de lidar com este tipo de notícias]”. Quanto à final da Liga Europa, diz apenas: “Não sei se foi convite, se foi oferta. Não lhe posso dizer nada sobre isso. Sobre finais da Liga Europa posso dizer-lhe, por exemplo, que a Turim [final do Benfica contra o Sevilha] não fui.”

Pedro Costa (à direita) em dia de jogo do Benfica, com a namorada Sara (ao centro) e um amigo. Foto pública do Facebook de Sara.

Encarnado no futebol também por influência paterna, e mais rosa que vermelho na política, há outros paralelos entre Costa júnior e Costa sénior. Pedro Costa, prestes a fazer 30 anos, tornou-se militante da JS com a mesma idade que o pai, aos 14. Os amigos dizem que também no “mau feitio”, sai ao progenitor. Sobre isso, Pedro ironizava humorado ao Observador, em 2018: “Não vou comentar esse mau feitio, porque ia ter que me irritar“. Mas o seu percurso político é mais irregular do que foi o de António Costa no partido. Pelo caminho, o filho do primeiro-ministro chegou a ter dúvidas sobre a sua ideologia e a pender mais para o lado do PSD e do CDS. Mas acabou por descobrir o seu lugar como socialista durante o Governo de Passos Coelho.

O filho de António Costa estudou no Liceu Passos Manuel — uma escola secundária pública — mas acabou por passar para o privado Colégio Moderno, onde completou o secundário. Já chegou ao colégio da família Soares, onde têm passado várias gerações de socialistas, como militante da JS, mas admite que é uma escola “com uma formação cívica e política diferente.”

A ficha de militante da JS de Pedro Costa tinha dois proponentes: Duarte Cordeiro, hoje vice-presidente da câmara municipal de Lisboa, e Francisco César, filho do presidente do PS, Carlos César, e deputado regional nos Açores. Passados tantos anos, segundo várias fontes das estruturas socialistas ouvidas pelo Observador, continua a ser visto como um “protegido” de Duarte Cordeiro.

Os dois momentos mais marcantes da sua vida política foram as lutas que viveu ainda como menor: aos 15 anos, percorreu o país na caravana da campanha de Mário Soares às Presidenciais de 2006, o chamado MP3; aos 17 anos, fez a campanha pelo “sim” à despenalização da Interrupção Voluntária da Gravidez. No mesmo ano, participou na campanha do pai nas autárquicas intercalares de 2007, em que Costa foi eleito pela primeira vez presidente da câmara de Lisboa.

Em 2009, chegou a dirigente nacional da JS como membro do Conselho de Jurisdição. No entanto, ao entrar na universidade afastou-se da Juventude Socialista e aproximou-se do outro lado da barricada. Mais uma vez, voltou a seguir as pisadas do pai: entrou na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Os seus amigos de Direito já não eram todos da “jota” socialista e Pedro Costa chegou à direção da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa numa lista liderada por um militante da JSD, Ivan Roque Duarte. Alinhou com os “laranjinhas” na associação, continuou a ter o grupo de amigos da JS, mas também fez amizades na JP nestes tempos da faculdade: o atual líder do CDS, Francisco Rodrigues dos Santos é um dos amigos de Pedro Costa.

"Passei por um momento de dúvidas e de indefinição ideológica. Tive dúvidas se o partido com que mais me identificava era o PS"
Pedro Costa, em declarações ao Observador

Nesta fase da vida estudantil afastou-se mesmo da JS e teve o seu momento de crise de fé na esquerda: “Passei por um momento de dúvidas e de indefinição ideológica. Tive dúvidas se o partido com que mais me identificava era o PS“, confessa ao Observador. No entanto, houve um momento em que “se tornou evidente” que o partido com que mais se identificava era mesmo o socialista. Esse momento foi a governação de Passos Coelho. “Com esse ciclo político e com o ataque que foi feito ao Estado Social, eu percebi que o PS era o partido que defendia o modelo social que eu defendo“. Ainda assim, não tem pudor — mesmo numa altura em que o pai lidera um projeto político que depende da “geringonça” — em dizer que é um “socialista moderado”, mais “perto do centro” e não da extrema-esquerda, onde estão Bloco de Esquerda e o PCP.

A primeira experiência como autarca: as discussões com o primo

Pedro Costa voltou ao trilho socialista aos 24 anos. O primo, António Cardoso, decidiu então candidatar-se pela primeira vez à junta de freguesia de São Domingos de Benfica e convidou-o para integrar as listas. “Conheci o António Cardoso desde sempre: é primo do meu tio Ricardo [Costa]. Os avós do lado do meu pai casaram-se duas vezes e, na segunda vez, com outras pessoas. Por isso, fui um sortudo: tive seis avós. A avó Inácia é prima da mulher do António Cardoso e daí que seja uma pessoa que sempre conheci na família”, conta Pedro Costa ao Observador.

Aceitou integrar a lista à Junta, mas ia no 14.º lugar da lista, como independente — uma vez que ainda não era filiado no PS. À partida, dificilmente seria eleito. Porém, contra todas as expectativas, o PS ganhou a junta e o filho do presidente da câmara foi eleito como membro da Assembleia de Freguesia de uma das juntas de Lisboa. Bastou um ano para que António Cardoso tivesse a primeira polémica: foi acusado de assédio sexual. Por essa altura, duas vogais saíram do executivo: uma teria saído em solidariedade com a estagiária que fez a queixa de assédio, e outra alegando razões profissionais.

Assédio, contratos e polémicas. Autarca do PS compra casa de férias com desconto e dá emprego a vendedor

Embora pela lista ainda houvesse vários nomes antes de Pedro Costa, a lei permite que seja nomeado para o executivo qualquer membro da Assembleia de Freguesia e António Cardoso foi buscar o 14.º da lista para compor o executivo (que tem sete membros). Foi o primeiro grande salto de Pedro Costa. Questionado sobre as razões de aceitar ir para o cargo nestas condições, o socialista explica que não participou no “processo de seleção” e acrescenta: “Fui escolhido por razões que não me compete a mim explicar“. Limitou-se, por isso, a aceitar o convite de António Cardoso. Esclarece ainda que foi substituir a vogal que saiu por “razões profissionais” e não a que alegadamente saiu por causa do escândalo de assédio.

A experiência autárquica é definida por Pedro Costa como “enriquecedora“, mas garante que avisou logo António Cardoso que faria mais sentido no futuro exercer funções  na freguesia onde reside, em Campo de Ourique. O filho do secretário-geral do PS, entretanto eleito nas primárias contra António José Seguro, confessa que teve “momentos de tensão” com António Cardoso. Funcionários da junta relataram ao Observador que os primos chegaram a discutir várias vezes. Pedro Costa não o nega: “Tivemos algumas discussões, mas foi para discutir ideias. Houve pontos em que o António mudou a visão que tinha após a ouvir a minha opinião. E houve situações em que aconteceu o contrário.”

"Tivemos algumas discussões, mas foi para discutir ideias. Houve pontos em que o António mudou a visão que tinha após a ouvir a minha opinião. E houve situações em que aconteceu o contrário"
Pedro Costa sobre a relação com o primo António Cardoso na junta de S.Domingos de Benfica

O jovem socialista assumiu a pasta da Inovação do Empreendedorismo. Pedro Costa explica ao Observador que fez trabalho na promoção da “modernização do comércio”, indo além do habitual apoio ao comércio tradicional. Nesse período, conta o socialista, foi criado um “sistema de incubação para apoiar novas empresas”. Um dos membros da oposição na junta contou ao Observador que Pedro Costa trouxe mais “elevação ao executivo e que, com a presença dele, o próprio António Cardoso se tornou mais polido”. A mesma fonte da oposição em S.Domingos de Benfica, refere que o socialista começou a implementar “projetos interessantes na área da inovação”, mas que saiu antes de atingir resultados.

Pedro Costa diz que conseguiu, por exemplo, instalar cinco startups no mercado de S. Domingos de Benfica. Destaca até uma delas, a Blocks Zero, que é uma empresa de impressoras em 3D. O momento mais compensador que teve na junta foi quando lançou o gabinete de Recursos para o Investimento e Empreendedorismo na junta e contou com a presença de Duarte Cordeiro na apresentação. O mais difícil foi quando chegou: o ambiente na junta de freguesia, em virtude das acusações de assédio sexual, não era o melhor. Era pesado.

Quando trabalhava naquela autarquia, Pedro participou em algumas ações de campanha das legislativas de 2015 ao lado do pai, mas sem responsabilidades na organização. “Fiz essa campanha como filho do meu pai e não como outras do PS em que tive responsabilidades.”

Pedro Costa garante ainda que não saiu da junta de S. Domingos por problemas com o primo. “Sempre disse ao António Cardoso que percebia que ele tivesse escolhido alguém da sua máxima confiança, mas que a partir de 2017 não fazia sentido que o lugar não fosse ocupado por alguém que tivesse uma relação mais próxima com a Junta de S.Domingos de Benfica”, conta o socialista.

Tal como o pai, Pedro gosta de se rodear dos amigos. Costumava sempre andar acompanhado do amigo “Dani”, que muitos vêem como o seu segurança, devido ao porte físico. Na parte final do mandato na junta de freguesia, Pedro Costa pediu a António Cardoso para contratar o amigo Daniel Nunes para o ajudar na área do empreendedorismo, num contrato anual de 18.450 euros (15 mil euros mais IVA). O objeto do contrato é a prestação  de “serviços de execução das diversas atividades desenvolvidas” e acabou por durar até às autárquicas, tendo o “Dani” recebido 12.291,65 euros por cerca de 11 meses de contrato com a junta. O contrato não podia continuar, uma vez que Daniel Nunes foi eleito membro da assembleia de freguesia nas listas do PS. Pedro Costa lembra que Daniel Nunes é licenciado em Cultura e Comunicação e que quem diz que ele é seu segurança está a ser “preconceituoso” com a estatura física.

Antes do mandato autárquico acabar, Pedro Costa foi ter com Pedro Cegonho, presidente da junta de freguesia Campo de Ourique — e presidente da ANAFRE, a Associação Nacional de Freguesias — e manifestou-lhe a disponibilidade para integrar as listas àquela autarquia nas eleições de 1 de outubro de 2017. Afinal, é em Campo de Ourique que vivia com a namorada (entretanto casaram) numa casa alugada, era lá que praticava boxe e, por isso, também queria ali trabalhar.

“Teria muito gosto em presidir à junta…”

Pedro Cegonho — que tinha conhecido o filho de António Costa na campanha para a câmara de Lisboa em 2007 — aceitou o pedido e Pedro Costa seguiu como número três na lista à Junta de Freguesia de Campo de Ourique. Foi em lugar elegível, sem esconder que isso lhe traz “mais legitimidade” e “mais responsabilidade”. Pedro Cegonho lembra que, antes das autárquicas, os órgãos nacionais do PS “decidiram que se deviam integrar mais jovens nas listas”, numa lógica de renovação geracional. Como Pedro Costa tinha manifestado essa disponibilidade, foi em “terceiro lugar na lista, numa lista com paridade total”.

Pedro Cegonho sempre considerou Pedro Costa um “bom reforço” e há dois anos, confrontado pelo Observador, já admitia ver com naturalidade que fosse visto como “número dois” da Junta. Isto porque tinha pelouros importantes e um que é “pesado do ponto de vista operacional”, a Higiene Urbana.

A sucessão em Campo de Ourique já estava a ser pensada para que fosse Costa a suceder a Cegonho. Acontece agora, em 2020, quando o deputado do PS entendeu dedicar-se politicamente em exclusivo a essas funções: “Iniciei, no plano político, o exercício da função de deputado à Assembleia da República, para a qual fui eleito, há pouco mais de seis meses, mandato que merece toda a minha concentração quer na participação nas sessões plenárias, quer nas funções de membro efetivo na Comissão Permanente de Assuntos Europeus e na Comissão Permanente de Cultura e Comunicação. Também por esse motivo entendo que, face aos desafios que os tempos atuais nos apresentam, a Junta de Freguesia merece um presidente a tempo inteiro lema sob o qual me candidatei em 2009 à Freguesia do Santo Condestável, e que não esqueci”, disse para justificar a saída da Junta e passar a pasta a Pedro Costa.

Mas os dois negaram sempre que este plano já estivesse traçado, embora não descartassem a possibilidade. Cegonho atribuiu as teorias sobre o plano à “especulação normal entre os partidos”, dizendo que é “quadro do BPI” e que mantém o que garantiu na tomada de posse: “Não me voltarei a recandidatar à junta de Campo de Ourique”. Isto antes de se ter tornado deputado à Assembleia da República, nas legislativas de 2019.

"Pedro [Costa] tem qualidades para ser presidente da junta de freguesia de Campo de Ourique"
Pedro Cegonho, presidente da junta de campo de Ourique e da ANAFRE

Nessa altura, quando era questionado sobre se poderia ser Pedro Costa o seu sucessor, Cegonho respondia: “Isso terá de lhe perguntar a ele. Lá que tem qualidades para isso, tem“. Já Costa respondia à mesma pergunta dizendo ao Observador o seguinte: “Falta muito tempo, três anos e meio. O partido tem o seu processo interno para a escolha de candidato, que também depende daquilo que vai sendo a vontade dos eleitores. Agora, se me pergunta, eu teria muito gosto em ser presidente da junta de Campo de Ourique.” Afinal esse tempo foi mais curto e Pedro Costa chega às autárquicas de 2021 já no cargo. Aí fará campanha pela primeira vez com o seu nome à cabeça nos cartazes.

A sua ficha de militante de no Partido Socialista foi assinada pelo próprio Pedro Cegonho. Em que ano? Pedro não se lembra de cor, mas nessa conversa com o Observador pediu um minuto para tirar o cartão de militante — que anda sempre na carteira — para confirmar desde quando é militante do PS: “É 2016, diz aqui 2016”. Sobre Costa, Pedro Cegonho dizia ainda que é “um jovem com muita capacidade, competência, com grande capacidade de organização e de trabalho”. Sobre a personalidade, Cegonho era claro: “Ele tem o seu feitio, eu tenho o meu. Temos discutido ideias”. E como era ser o superior hierárquico (na junta) do filho do superior hierárquico (no partido)? “É igual. Não importa se é filho do António Costa, se é filho do secretário-geral. Quando discuto com ele é igual aos outros.”

O primeiro emprego como estagiário de João Lagos

O estudante de Direito estava no terceiro ano do curso, em dezembro 2012, quando decidiu explorar uma vocação. Havia dois pontos de partida: estava afastado da política e gostava de desporto. Foi então para a Lagos Sports fazer um estágio. O próprio João Lagos disse ao Observador que já não se recorda como conheceu Pedro Costa, mas garantiu que este não chegou por “cunha” ao estágio na sua empresa. “É óbvio que eu, com a minha empresa, lidava muitas vezes com o pai dele. A câmara patrocinou alguns eventos nossos, mas ele não foi para lá por ser filho do Costa”, contou João Lagos ao Observador.

O empresário definiu o seu antigo colaborador como “bom rapaz e trabalhador” a quem pagou “algumas coroas”.  Já Pedro Costa recordou assim a entrada na empresa: “O João Lagos convidou-me a fazer um estágio no departamento de agenciamento de atletas, mas esse departamento acabou por não se desenvolver muito. Quando o estágio estava a acabar convidaram-me para ficar a meio tempo no marketing e comunicação”.

"Nesse jantar o Costa perguntou-me, de pai para pai, ao empresário se o o filho tinha vocação para trabalhar na área do desporto. Eu disse-lhe que o rapaz tinha jeito".
João Lagos, empresário e proprietário da Lagos Sports

Por essa altura, João Lagos e António Costa marcaram um jantar com os respetivos filhos. António Costa estava, como pai, interessado em perceber qual era a vocação do filho. E, nesse jantar perguntou a João Lagos “de pai para pai” ao empresário se o filho tinha vocação para trabalhar na área do desporto. João Lagos confirmou então que a António Costa que o Pedro “tinha jeito” para aquela área.

Na Lagos Sports, Costa foi responsável por uma zona de crianças no Estoril Open e também pela organização da Aldeia de Natal, em 2013, no Parque Eduardo VII. Segundo João Lagos, Pedro fez “de tudo um pouco” e “ferrou o bico”, fazendo até “várias tarefas inferiores às suas capacidades.”

Quanto ao pagamento, empresário e empregado divergem. João Lagos diz que “nunca ninguém se queixou” e que “pagava bem”. Já Pedro Costa diz que “ganhava mal” e que quando saiu já havia situações de “cinco ou seis meses de salários em atraso”. Sairia da Lagos Sports em maio de 2014. É público que, pouco depois, a empresa entrou numa situação de falência.

Com a queda da Lagos Sports, alguns dos trabalhadores da empresa decidem então criar uma empresa na mesma área, a Estudinvest — Publicidade e Marketing, que se apresenta sob a marca Unisports. Pedro Costa fica então responsável por eventos como a Benfica Fan Zone (área de espetáculo e entretenimento junto ao Estádio da Luz antes dos jogos do Benfica), no Record Challenge Park, na Metro Street Fest e no Mercado de Natal Jogos Santa Casa.

João Lagos não guarda mágoa dos ex-trabalhadores: “Se eu não tinha empresa, eles não me faziam concorrência”. O empresário refere apenas que o grupo acabou por “copiar uma ideia que a Lagos Sports tinha tido: a Aldeia de Natal e ficaram com isso. Mas, pronto, é a vida”.

Pedro Costa acumula, por esta altura, a ligação à empresa com a junta de freguesia, mas acaba por sair dos eventos da Unisports em outubro de 2016.  Simultaneamente, decide abrir um bar com dois amigos. O Winston Bar. Winston, de Winston Churchill (um conservador que foi liberal e nunca do Labour).

O trolha Pedro num bar de intelectuais

Uma das memórias que um dos melhores amigos de Pedro Costa, Francisco Laplaine, recorda da fase inicial do bar é de ver Pedro Costa, de joelhos, a colocar cimento no chão daquele que seria o Winston Bar, no número 61 da rua do Sol ao Rato. Pouco tempo depois disso, Pedro entrava nas escalas diurnas do bar, a fazer tostas, cocktails e a servir à mesa. “Teve de ser assim nos primeiros tempos, para recuperarmos o investimento”, conta o próprio ao Observador.

Pedro Costa (o segundo da esquerda para a direita) e Laplaine (à sua direita na foto e na ideologia) no Winston Bar

Francisco Laplaine foi o número dois da Juventude Popular (logo atrás do então incontornável líder Francisco “Chicão” Rodrigues dos Santos, também amigo de Pedro Costa) e foi o padrinho de casamento de Pedro. Casou-se em setembro de 2018 com a namorada de longa data, Sara. Laplaine e Pedro Costa conheceram-se nos Paços do Concelho, em 2008, quando o Sporting conquistou a Taça de Portugal e a equipa de Paulo Bento foi erguê-la perante os adeptos, na Praça do Município. Apesar de Pedro Costa ser um ferrenho benquista, os dois jovens começaram ali uma boa amizade. “Somos muito amigos. É ótima pessoa. Às vezes pode ter mau feitio, mas é quando se justifica”, conta Laplaine.

Mas é com o bar que se aproximam. Martinho Miranda, amigo de ambos, já tinha falado com Pedro Costa numa saída à noite em abrir um bar. Pouco depois, Martinho sondou Francisco Laplaine: “Estive a falar com o Pedro e pensámos abrir um negócio. Queremos abrir um bar. Alinhas connosco?”. E assim começou. Aos três, juntou-se um primo de Martinho Miranda, o Dominique, que veio de França só para se dedicar ao bar.

Numa fase inicial, os sócios não contrataram ninguém e fizeram várias escalas de trabalho. “O Pedro é uma máquina de trabalho. Eu e ele éramos mais relações públicas, mas quando era preciso deitar mãos ao trabalho, deitávamos. Foi uma experiência incrível trabalhar com ele”, lembra Laplaine. Começaram com orçamento reduzido e foram resolvendo as necessidades com “umas idas ao IKEA e ao Leroy Merlin”. Depois veio o nome. Todos gostavam do Churchill. Pensaram em chamar Churchill Bar, mas logo perceberam que Winston soava melhor.

Francisco Laplaine elogia o amigo por ser “mesmo bom naquilo que faz” que “vai à luta” e “é mais prejudicado do que beneficiado por ser filho de António Costa”. E acrescenta: “Ele sempre fez as coisas independentemente do pai. Dizer que é um tacho ele ter chegado a número dois da junta de Campo de Ourique é ridículo. Ele é muito competente”. Sobre a idelologia — que tantas vezes discutiram às mesas do Winston, o número dois da JP, diz que Pedro “não é um socialista radical próximo do Bloco de Esquerda, é um socialista democrata, moderado, é de centro-esquerda”. Isso reflete-se em algumas leituras. Pedro Costa gosta de ler “escritores sul-americanos”, com destaque para Gabriel García Márquez. Porém, destaca que “tem fases” na leitura e agora anda mais a ler “livros de filosofia” — mas também aprecia Banda Desenhada, em particular Corto Maltese. E é fã de clássicos do cinema italiano.

"O Pedro não é um socialista radical próximo do Bloco de Esquerda, é um socialista democrata, moderado, é de centro-esquerda"
Francisco Laplaine, amigo de Pedro Costa e vice-presidente da Juventude Popular

Os jovens não ficaram ricos com o negócio, mas conseguiram recuperar o investimento. O próprio António Costa chegou a frequentar o bar do filho. “Correu bem”, sintetiza Laplaine. Em 2016, os três — Martinho, Francisco e Pedro — decidiram abandonar o bar e ficou apenas Dominique, que hoje é o único proprietário.

Pelo meio, Pedro Costa teve outras iniciativas de negócios. Durante as férias de verão de 2013, teve  ideia de criar uma marca de roupa com amigos e avançou. Chamava-se Pyramid Collective e foi, garante, “mais uma brincadeira com três amigos do que propriamente um negócio”. A Pyramid prometia uma “nova pele” e seguia um conceito: “A simplicidade da geometria / A geometria da elegância / A elegância da simplicidade.”

Pedro Costa durante uma festa da Pyramid Collective em abril de 2014. Foto pública do Facebook da página de Pyramid Collective

Por outro lado, era das pessoas que se questionava para onde iam as meias que desaparecem na máquina de lavar e que ficam sem par. “Lembrava-me sempre do Woody Allen, que escreveu que devia haver um mundo paralelo onde estavam todas as meias sem par que desaparecem durante a lavagem”, conta o filho de António Costa. Em 2016, soube então que um amigo estava a lançar um projeto de molas para as meias irem a lavar sem se perderem. Ainda hoje é um pequeno acionista da empresa Molas para Meias.

“Não falo mais de política com o meu pai do que com a minha mãe”

Durante o Governo de Sócrates, os professores organizaram uma das maiores manifestações em Lisboa contra a avaliação dos professores. António Costa era o número dois do PS e tinha sido colega de Governo de Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues, a ministra da Educação e principal visada. Apesar disso, Fernanda Tadeu, mulher de Costa, foi à manifestação. Para Pedro, este episódio é o exemplo da “liberdade com que se discute política na família”.

O filho do primeiro-ministro explica que nasceu num ambiente “altamente politizado” e que “em casa sempre se falou de política”. Em 2007, quando o pai ganha a câmara da capital e vai viver para Lisboa, Pedro acompanha-o, embora a mãe Fernanda e a irmã Catarina continuem a viver em Sintra. Reforçou ainda mais a ligação com o pai.

Pedro Costa (de costas na foto) acompanhou o pai nos debates nas legislativas contra Passos Coelho.

Após os resultados das legislativas de 2015, confessa que “não estava à espera” que o pai fizesse acordo com o Bloco de Esquerda e o PCP. E acrescenta: “Como filho, não há outra forma de estar senão apoiar, mas não nego que não era aquela a minha leitura”. Pedro admite que, na altura, estava “cético” quanto à solução e que ficou surpreendido: “Lá está, esse é o tipo de política que não discutimos lá em casa”. Conta ainda que “não fala mais de política” com o pai do que com a mãe.

O facto de ser filho do primeiro-ministro é uma circunstância com que parece lidar com naturalidade. “Somos todos filhos de alguém“. E conta que na rua é abordado por pessoas que lhe dão os parabéns e por outras que o criticam, mas que aprendeu a lidar com isso. Sabe que tem de lidar com a “exposição mediática, mesmo que não tenha escolhido”.

Quanto à política, já assumiu que gostaria de ser presidente da junta de Campo de Ourique, ambição que se concretiza agora, mas quererá seguir as pisadas do pai? “Não tenho a ambição de ser primeiro-ministro, nem vejo a política como carreira, vejo como uma fase”. Ainda assim, numa resposta que faz lembrar a habilidade política paterna, não rejeita essa possibilidade: “No futuro estarei ou não disponível para aceitar concorrer a outros cargos“. Há agora outro Costa na costa.

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