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É interessante pensar como pouco depois de Henrique VIII (rei de 1509 a 1547), famoso por ter mandado decapitar duas das suas seis mulheres, a Grã-Bretanha foi governada por outras duas. Uma certa consciência da misoginia por detrás daquelas execuções há-de ter contribuído para que os súbditos acatassem como justo e quase reparador o domínio feminino que se seguiu, e não foi breve.
Isabel I governou Inglaterra, de 1558 a 1603; Maria, a Escócia, de 1542 a 1567. Se o reinado da primeira ultrapassa em muito o da segunda, os legados são igualmente duradouros. Os 44 anos que Isabel I permaneceu no trono, encerrando a dinastia Tudor, permitiram à Inglaterra alcançar estabilidade e cimentar uma identidade própria, distinta da continental. Seria injusto não dizer o mesmo do domínio de Maria na Escócia, semente e forja da histórica simpatia e identidade pró-europeia dos escoceses e correlativa antipatia e inconformismo perante a sua integração no Reino Unido. Tão ou mais francesa que escocesa, Maria governou escudada pela Auld Alliance que a Escócia manteve com França e com sucesso a protegeu desde o século XIII de invasões inglesas.
Ajustemos os nossos parâmetros aos da época Tudor, para que não nos choque o modo violento, impiedoso, sanguinolento como o poder ali se conquistava e mantinha. Terror, conspirações, espionagem, a inevitável acusação de “traição” antes de uma cabeça rolar, tudo isto era uma vulgaridade nas biografias Tudor, ingredientes que as povoavam, compondo um filme trepidante. Para melhor recordar esta época basta uma visita à Torre de Londres ao Portão dos Traidores, uma entrada através da qual muitos prisioneiros dos Tudors (Sir Thomas More, por exemplo) chegavam ao cativeiro, trazidos numa barcaça ao longo do Tamisa; ao passar por London Bridge, eram brindados com a visão das cabeças dos prisioneiros recentemente executados, aguardando pelas suas. Encerremos este escabroso introito com a seguinte reflexão: as regras não mudavam quando era uma mulher que se sentava no trono, seria uma ingenuidade esperá-lo. As rainhas sim, tinham de se adaptar às regras e quanto melhor se adaptassem, mais bem sucedidas seriam.
Eram monarcas corajosas, com uma robustez psicológica e física à altura da função, a história torna-se interessante também por isso. Tinham sido treinadas em desportos ao ar livre, caçadas, até falcoaria. Uma tal prática habilitou por exemplo, Maria dos Escoceses a liderar o seu exército na batalha de Langside (1568). Empenhada em reconquistar o direito ao trono e a reverter a abdicação a que fora forçada, defrontou as tropas do meio-irmão, Earl de Moray, regente da Escócia em nome do herdeiro menor de Maria, Jaime VI. Um episódio dramático, sem catarse nem redenção, como outros na sua vida. Mas não apressemos a história.
Uma disputa dinástica numa Europa dividida pela religião
Desde o início, as vidas destas rainhas estavam ligadas: a herança da linhagem Tudor dava-lhes o comum direito de sucederem no trono da Inglaterra e da Irlanda. A coincidência dos respetivos reinados com a reforma religiosa que dividiu a Europa entre católicos e protestantes e se propagou à ilha da Grã-Bretanha só aumentaria a disputa. Não nos esqueçamos que apenas com Henrique VIII a Inglaterra deixara de ser católica. O medo religioso era uma realidade. A perseguição que Henrique VIII movera aos católicos e a que Maria Tudor, sua filha católica (1553-1558), dispensara aos anglicanos, era de fresca memória. Numa Inglaterra e Escócia fracionadas religiosamente, muitos católicos ingleses consideravam Maria dos Escoceses a legítima herdeira do trono de Inglaterra, enquanto os protestantes escoceses dariam o trono da Escócia a Isabel I.
Durante três décadas, as políticas inglesa e escocesa agitar-se-iam em torno deste assunto, facilmente explorável e de difícil clausura, em razão de outras circunstâncias. Maria era filha de Jaime V e da nobre francesa Maria de Guise, sendo neta paterna de Margarida Tudor, a irmã mais velha de Henrique VIII, e, assim, bisneta de Henrique VII. Tinha a “virtude” de ser incontestavelmente legítima. A perceção de rainha acompanha-a desde o início da consciência, já que o seu reinado começa com apenas seis dias de idade, desde então usando o título de Rainha dos Escoceses até à morte aos 44 anos. Cresce também a acreditar ser a herdeira legítima do trono de Inglaterra.
Já Isabel I, fruto do casamento de Henrique VIII com a sua segunda mulher, Ana Bolena, tem desde o momento em que é gerada um entrave no caminho para o trono: a união dos pais é considerada bígama. Após a morte de Ana Bolena, o casamento dos pais é anulado e a filha ganha o estigma da bastardia. Em 1570, embora já reinasse há 12 anos, o Papa declara Isabel I ilegítima e herética, e excomunga-a. Compreende-se assim que a Rainha Virgem tenha sentido o ónus de provar a sua aptidão para reinar.
As duas rainhas nunca se conheceram, apesar de uma intensa curiosidade e escrutínio, que levou Isabel I a interrogar o embaixador que a prima envia a Londres em 1564, sobre qual das duas soberanas o enviado considerava a mais bonita. O embaixador diplomaticamente responde que “as duas eram as mais belas das suas cortes”. Lamentavelmente, a sua comunicação foi sempre feita através de cartas ou embaixadores ou políticos, ficando desse modo mais vulnerável a intrigas e interesses de terceiros. Maria sempre acreditou que, se alguma vez as primas se chegassem a conhecer (o que quase aconteceu em 1562), a simpatia e afinidade trunfariam, levando-as a resolver as disputas pendentes. Não estava destinado a acontecer. E assim a amizade e afeição de “irmãs” que diziam sentir uma pela outra e originou a oferta recíproca de retratos, evoluiu para uma progressiva desconfiança, exasperação e inimizade mortal.
A exposição dedicada a ambas, na British Library, em Londres, apoia-se em excecionais manuscritos do século XVI, esculturas, retratos, cartas, mapas, têxteis e joalharia para contar a história. É assombroso pensar como foi possível preservar tanto, especialmente o manancial de cartas, elegantemente escritas e assinadas por “Elizabeth R” e “Marie R” (assim esta se assinava por ter adotado o nome francês Marie Stuart). Na correspondência trocada, Maria relembra-lhe amiúdas vezes que comungavam de “um só sangue, um só país, uma só ilha”; correspondentemente, numa carta de 1584, Isabel I confia-lhe “ter em tempos estimado como uma extraordinária bênção ter alguém tão próxima em sangue e vizinhança”.
É impossível não ler estas cartas e não nos questionarmos acerca do seu significado profundo. Podemos acreditar nas palavras que as rainhas docemente escrevem uma à outra? É uma dúvida premente ao longo da exposição, os segredos permanecem no coração de quem as escreveu. De entre os objetos que pela primeira vez são apresentados ao público destacam-se: o discurso em que Isabel I reivindica ter “o coração e o estômago de um Rei”; a bula papal Regnans in Excelsis de Pio V (1570), que a excomunga; e uma carta de Maria, escrita em francês após a sua deposição como rainha dos Escoceses e a fuga para Inglaterra, suplicando a Isabel I que lhe conceda uma audiência.
Uma morte mártir e por razões religiosas
Diz uma rima infantil ainda hoje entoada na Escócia que “Maria, Rainha dos Escoceses, teve a sua cabeça decepada”. É um dos dados mais famosos da biografia de Maria dos Escoceses e um dos mais comoventes. A exposição também o destaca. Um desenho a tinta e lápis recria a execução, na manhã de 8 de Fevereiro de 1587, em Fotheringhay Castle, na presença dos homens mais poderosos de Inglaterra, que representavam um governo empenhado na batalha contra a ameaça católica que enfrentavam internamente e no estrangeiro, como demonstra a troca de palavras que têm com a executada.
Graças ao testemunho ocular de Robert Beale, sabemos as roupas que a prisioneira enverga e como, determinada a morrer uma morte de mártir católica, teve uma atuação condizente. Entrou no hall vestida de preto com um véu branco, carregando o seu crucifixo de marfim e o seu livro latino de orações, tendo um Agnus Dei em volta do pescoço e um rosário pendente da cintura. Recusou o apoio espiritual que lhe foi oferecido pelo deão da catedral de Peterborough, e recitou as suas orações antes de declarar que seguia a antiga religião católica romana pela qual estava disposta a morrer.
Aqui o deão da catedral disse-lhe: “Senhora, mude de opinião, arrependa-se de sua antiga maldade, e coloque a sua fé apenas em Jesus Cristo, para ser salva por Ele”, ao que ela retorquiu: “Sr. Deão, não se preocupe mais, pois estou firme e decidida nesta minha religião e aqui estou decidida a morrer”. Então, o conde de Shrewsbury e o conde de Kent, percebendo-a inflexível, disseram-lhe que, uma vez que ela não ouviria a exortação do Deão, “rezaremos por Sua Graça para que, se estiver de acordo com a vontade de Deus, tenha seu coração iluminado mesmo na última hora com o verdadeiro conhecimento de Deus e possa assim morrer nele”. Ao que ela respondeu: “Se vós orardes por mim, meus senhores, agradecer-vos-ei, mas unir-me em oração a vós, não o farei, porque vós e eu não somos da mesma religião”.
Tendo depois feito as suas orações, as damas de companhia ajudaram-na a remover as vestes externas, revelando uma anágua de cetim preto e um corpete carmesim, a cor litúrgica do martírio na Igreja Católica. Ajoelhou-se, em seguida, em frente do carrasco e muito calmamente, esticando os braços, gritou: “In manus tuas Domine” (“nas tuas mãos, Senhor”) três ou quatro vezes. De acordo com outro relato, também pronunciou as palavras do seu motto: “In my end is my beginning” (no meu fim está o meu começo) antes de o machado a decapitar.
Após isto, o Deão da catedral disse em voz alta: “Assim morram todos os inimigos da Rainha”, e o Conde de Kent, chegando junto do cadáver, disse também alto: “Que este seja o fim de todos os inimigos da Rainha e do Evangelho”.
Na manhã da sua execução, Maria oferecera o relicário Blairs à sua dama de companhia, Elizabeth Curle. O relicário, que se pode apreciar na exposição, contém o seu retrato em miniatura dentro de uma caixa de ouro, apresentando-a como mártir; no século XVII o filho de Elizabeth Curle gravou no verso da caixa o monograma mariano “MRA” associando assim o nome da rainha à hagiografia católica.
Educações esmeradas, infâncias muito diferentes
Havia muito em comum entre as primas, desde a forma como foram educadas, aos privilégios que auferiam, à crença de que tinham sido chamadas por Deus para governar os seus países. Ambas receberam uma educação fora de série, em latim, grego e línguas modernas, francês e italiano, na arte da caligrafia e do bordado, em música e dança. A educação de Isabel aprimorou quando foi oficialmente restabelecida como potencial herdeira. Com apenas 12 anos, revelou admirável mestria ao traduzir para latim, francês e italiano o livro de orações da madrasta, Katheryn Parr (1545).
No entanto, infâncias muito diferentes criaram personalidades quase opostas. Isabel cresceu mais isolada, reservada, endurecida pelas atribulações sofridas logo após o seu nascimento — órfã de mãe, escondida da corte e poucas vezes levada à presença do pai. Enquanto reinou, o seu meio-irmão, Eduardo VI (1547-1553), foi surdo às suas pretensões e na hora da morte removeu-a da linha sucessória, com fundamento na ilegitimidade, legando o trono à prima anglicana Lady Jane Grey. No reinado da meia-irmã, Maria Tudor (1553-1559), filha do casamento de Henrique VIII com Catarina de Aragão, Isabel foi presa e enviada para a Torre de Londres (1554) e depois colocada em prisão domiciliária nuns alojamentos de caça em Woodstock, Oxfordshire, durante um ano (1555). Isabel, que tendia à leitura e à vida recatada, passou a maior parte da adolescência a ler os franceses e os italianos, seus favoritos. Lia também frequentemente a Bíblia e de vez em quando escrevia versos. Encorajada por Lord Dudley, que a cortejou e recebeu a sua preferência, a Boa Rainha Bess — como ele a tratava — aprenderia como Maria dos Escoceses a apreciar os desportos ao ar livre, os cavalos e a caça.
Maria dos Escoceses teve uma juventude mais protegida e alegre. Após a derrota que a Escócia sofreu na Batalha de Pinkie (1547), temendo que os ingleses lhe raptassem a filha, sua mãe, Maria de Guise, enviou-a para França. Com apenas cinco anos, foi criada pela avó materna e pelos poderosos tios Guise, rodeada de primos, criados e animais de estimação. Num ambiente de luxo, que Isabel nunca conheceria, conquista o favoritismo da corte, rendida à sua vivacidade, beleza e inteligência. É ali também que o seu catolicismo ganha asas, o francês se torna a primeira língua e ela se passa a autodesignar Marie Stuart. Gregária, charmosa, graciosa, conversadora, está prometida desde a infância ao Delfim francês, futuro Francisco II, herdeiro do trono, ao lado de quem cresce e que a adora. Educada para futura consorte, aprende canto, poesia, o alaúde e os virginais, um tipo de espineta. A preferência vai porém para os desportos ao ar livre, a dança, a caça e a equitação. A arte de bordar é outra das paixões.
Casa-se em Nôtre-Dame, de Paris em 1558, tinha 16 anos e o noivo apenas 14. No ano seguinte, tornam-se Rei e Rainha de França.
Nesse mesmo ano, um tio de Maria dos Escoceses, reforçando a pretensão do pai do Delfim de que Isabel I era ilegítima, ordena que o escudo de armas da sobrinha passe a incluir, além das armas da Escócia, as de França e Inglaterra. Este escudo recebe justificado destaque na exposição: é um marco de viragem na relação das primas. Isabel I havia já sido coroada rainha da Inglaterra e reconhecida como chefe da Igreja Anglicana. Mal o embaixador inglês em França dá a conhecer as “falsas armas da Escócia, França e Inglaterra” ao Primeiro-Ministro de Isabel, Sir William Cecil, a provocação é recebida com alarme e receio, interpretada como o projeto da família católica Guise aglutinar a Inglaterra e a Escócia num vasto Império Franco-Britânico. Cecil passa a demonizar Maria dos Escoceses como o seu mais perigoso adversário e o maior inimigo de uma Inglaterra anglicana.
No entanto, a inimizade entre as primas precisaria de mais tempo para fermentar.
O regresso de Maria à Escócia: uma rainha virgem versus uma rainha mal-casada
Dois anos após o casamento, Maria enviúva. Indesejada em França, vê-se obrigada a regressar à Escócia (1561) (imagem 12). Antes mesmo de regressar, compromete-se a deixar a religião (reformada) inalterada, conquanto possa ouvir missa católica. O seu exemplo encoraja outros católicos escoceses a assistir à missa. São ainda os primeiros anos do reinado de Isabel I, dominados pela questão do seu casamento e sucessão e os primeiros tempos de coexistência das duas rainhas na mesma ilha. Na esperança de ser reconhecida como herdeira de Isabel, Maria prossegue uma política fraternal de relações com a prima. Em 1562, Isabel I quase morre de varicela, mas não nomeia Maria dos Escoceses, ordenando ao invés ao seu conselho que designe Robert Dudley protetor do reino.
É interessante cotejar aqui a forma antagónica como as duas rainhas lidaram com a questão do casamento. Isabel I nunca se casou e em 1559 reage à crescente pressão para o fazer, declarando ao seu parlamento que morreria virgem como virgem vivera, nos seguintes termos: “And in the end, this shall be for me sufficient, that a marble stone shall declare that a queen, having reigned such a time, lived and died a virgin”. Esta decisão não é muito surpreendente tendo em conta que o pai mandou decapitar a mãe, acusando-a de adultério e incesto, e que Isabel ficou marcada pelos abusos cometidos por Sir Thomas Seymour, que vivia com a madrasta, Katheryne Parr, à guarda de quem Isabel ficou após a morte de Henrique VIII.
Por seu turno, Maria casou-se três vezes. Se o casamento de qualquer rei servia para alinhar, fortalecer e consolidar o poder, o de uma rainha era uma parada ainda maior e quase impossível de ser vencedora. Recusando casar-se, uma rainha não assegurava a sucessão e a dinastia morria com ela, contudo se se casasse estava condenada por outra razão. A partir do momento em que o fizesse, o consorte esperava governar e muitas vezes intrometia-se e alimentava lutas, socorrendo-se de ministros e conselheiros.
Em retrospetiva, é possível ver que a recusa de Isabel I a beneficiou; o culto da sua virgindade, perpetuado nos retratos reais, trouxe-lhe a admiração dos súbditos; em contrapartida, os dois últimos maridos de Maria dos Escoceses revelaram-se escolhas desastrosas, e o último valeu-lhe mesmo a reputação de meretriz. Lord Darnley tornou-se arrogante e exigiu a coroa matrimonial que lhe concederia o direito de co-governar e conservar o trono para si caso sobrevivesse a Maria. Perante a recusa desta, entrou numa conspiração com nobres protestantes, apesar de até ser católico, acabando por assassinar Rizzi, o influente conselheiro da mulher, à sua frente, quando estava grávida de seis meses (1566).
Maria afasta-se então do marido e aproxima-se de Lord Bothwell, que acaba por assassinar Lord Darnley (1567). No ano seguinte, casa-se com Lord Bothwell – pois não só ele lhe fora consistentemente leal e à sua falecida mãe, Marie de Guise, como era financeira e militarmente capaz de reunir o exército de que Maria tanto precisava para se defender. O passo que lhe pareceu ser o único que a salvaria, provou ser o seu pior cálculo de sempre. Valeu-lhe em conjunto a indignação de Isabel I e a acrimónia dos súbditos protestantes e católicos. 36 lordes da Confederação Escocesa levam-na para Edimburgo — onde é apupada de “assassina e adúltera” pela multidão — encarcerada e obrigada a abdicar no filho de um ano, coroado Jaime VI.
Em maio de 1568, Maria perde a já mencionada Batalha de Langside onde lidera as suas tropas contra o meio-irmão protestante, regente em nome de Jaime VI, e foge num barco de pesca para Inglaterra, pedindo asilo à prima. Este foi o seu segundo grande erro. O primeiro-ministro William Cecil receia justamente que o norte de Inglaterra, onde Maria aporta, e as suas províncias maioritariamente católicas se sublevem e a apoiem. Cecil, como vimos, já a temia desde os tempos em que Maria reunira às armas da Escócia as de Inglaterra. Maria viveria o resto da vida sob custódia, dada a ameaça que a sua presença em solo inglês representava para Isabel I.
Num total de dezoito anos e meio, esteve prisioneira em vários castelos e casas senhoriais, muitos dos quais frios e húmidos, à guarda de vários lordes, recebendo nas suas palavras um tratamento “cruel e indigno” do qual se queixou à prima, até ser condenada por traição por envolvimento na “conspiração de Babington”, que planeava o assassinato de Isabel I.
A execução de Maria dos Escoceses não trouxe segurança a Isabel I. Ao saber da sua morte, Filipe II de Espanha, em luto profundo, apressa a chamada “empresa de Inglaterra”, os planos de invasão que urdira como retaliação ao apoio dado à Holanda e aos ataques que Sir Francis Drake realizara às Antilhas Espanholas (1585).
O cinema e a literatura já há muito se dedicaram às rainhas rivais. Maria é figura literária na conhecida peça em verso de Schiller: “Mary Stuart” (1800). Isabel I é considerada uma rainha mais fria e masculina, que triunfou numa cultura dominada por homens. Maria, calorosa e feminina, foi durante algum tempo entendida como alguém incapaz ou inapta para lidar com as exigências do seu tempo.
Deve-se a Antonia Fraser, conceituada biógrafa e romancista inglesa, a versão atualmente mais consensual de que Maria dos Escoceses foi uma carta arremessada e manobrada nas jogadas entre nobres vilões em lutas pelo poder. Não há provas da sua cumplicidade no assassínio do seu segundo marido. A coragem, estoicismo e dignidade que mostrou na hora final ajudou a restabelecer a sua popularidade.
Em 1603, Jaime VI tornou-se Jaime I de Inglaterra, reunindo as duas coroas e ordenando a transladação de Maria Stuart para a Abadia de Westminster (1612), palco por excelência do poder régio inglês. As duas rainhas ali jazem, para sempre irmanadas.