21:02. Dupla Malato-Gabriel aparece no ecrã e é magnético. Fazem os possíveis para entusiasmar o público sobre quais as restantes quatro canções que serão derrotadas por Conan Osíris na final.

21:12. O mote da Eurovisão este ano é “atreve-te a sonhar”, mas uma primeira audição dos temas esta tarde exalta o atrevimento do tédio.

Lara Laquiz

“O Lugar”

Deu-se a dupla infelicidade de estar a jantar hambúrgueres vegetarianos no momento em que Lara Laquiz é apresentada. Depois de umas imagens de um passeio de barco que parecem um anúncio a uma nova marca de coletes flutuantes, a atuação começa e Lara parece afundar-se na sua aparente timidez vocal. O verso diz “eu sei quem eu sou” e o país profundo pergunta: quem é esta? A canção prossegue e dá quase tanta luta quanto a pasta de lentilhas que eu tento transformar em bolo alimentar. Os primeiros segundos de um tema no Festival da Canção nem sempre nos dizem se uma canção é vencedora, mas já aprendemos a topar um tema perdedor.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Dan Riverman

“Lava”

Ainda estou a recuperar do espectador com uma camisola de Wu-Tang Clan estrategicamente posicionado atrás dos intérpretes desta noite quando dou por mim a ver Miguel Guedes e Dan Riverman saltarem de um avião. Dan Riverman é o único artista com nome estrangeiro, mas na verdade vem de Santo Tirso, por isso chamemos-lhe Daniel Homem do Rio. A canção é sedosa e muito bem interpretada, mas parece saída de um filme da Disney. Se fechar os olhos, consigo imaginar uma versão samoana do Daniel, neste caso o Chefe Tui de “Vaiana”. E agora deixem-me só fechar a tab do YouTube antes que comece o tema do Frozen.

Mariana Bragada

“Mar Doce”

Mariana Bragada é filmada no Parque Aventura, num registo de realização intenso que parece anunciar o primeiro salto base jumping da história do Festival da Canção. A história termina de modo desapontante com Mariana a fazer rappel por entre pinheiros mansos. Nunca percebemos exatamente o porquê destas imagens, mas estimamos que tenham custado mais do que a própria cerimónia desta noite. A canção de Mariana é um bom exercício vocal com uma base rítmica esquelética que fará os familiares e amigos da intérprete dançarem de forma exagerada, à imagem de umas miúdas estranhíssimas que vi a bambolear num concerto de Sigur Rós em 2002 a que ninguém me obrigou a ir. A Mariana é claramente talentosa e a sua voz aguenta-se em palco, harmonizando bem com os coros. O que a miúda não sabe é que, daí a alguns minutos, alguém vai tentar assassinar a sua carreira em direto. Inês Lopes Gonçalves decide perguntar a Mariana se esta é a primeira canção que ela grava sem “loop station”, para perplexidade de 98% dos espectadores que não sabem o que é uma loop station e também não esperariam encontrar no Festival da Canção alguém que só compôs um tema em toda a sua carreira. Mariana responde com um sorriso nervoso que parece perguntar “#$%&-se, tás a dar baile?”, mas a noite acabará por sorrir. O público anseia agora pela segunda canção de Mariana Bragada.

João Couto

“O Jantar”

João Couto faz amor com a câmara, mas o problema é que a câmara somos nós, portugueses, e a maioria de nós tem a libido de um calhau no que toca a artistas excessivamente comunicativos que não conhecemos de sítio nenhum. O intérprete tenta por tudo conquistar o público e constrói uma narrativa de base gastronómica que, apesar da alegria contagiante com que fala de rissóis, parece um bolo de bacalhau com batata a mais. João Couto dirá mais tarde que esta canção “é a história de todos nós de alguma maneira,” uma frase que nem ele sabe exatamente o que significa.

21:29. Jorge Gabriel diz que a escolha não vai ser nada fácil. Não lhe conhecíamos este uso da ironia.

21:38. De repente, sem sabermos muito bem como, estamos todos nesta circunstância espácio-temporal em que Lara Laquiz é interpelada por Inês Lopes Gonçalves e confirma que é embaixadora dos perfumes de Jean Paul Gaultier. Antes que Lara consiga sacar do catálogo de fragrâncias, Inês Lopes Gonçalves pergunta-lhe como é que trata Jean Paul Gaultier e Lara diz que lhe chama “Jean Paul”, para desilusão de quem esperava um “Jóta Pê”.

Madrepaz

“Mundo a mudar”

A única banda da noite, e a primeira desde que o festival passou a ser todo moderno, é um quarteto de rapazes com pinturas faciais que se apresenta em palco como uma versão beta dos Fleet Foxes. Não é necessariamente mau. Os versos falam de uma canção que muda o mundo. Não será exatamente esta, mas a ideia é bonita.

Surma

“Pugna”

Comecemos pela melhor parte. Das muitas atividades que alguém pode realizar em Portimão, Surma optou por aprender a fazer um Dom Rodrigo. Só por isto já merece ir à final. Ainda bem, já que a partir daqui foi sempre a descer — mas este filisteu persistiu para que outros não tenham de o fazer. A linguagem musical de Surma torna-se intrigante num contexto como este: a voz codificada, uma espécie de canção à qual parecem faltar instrumentos, Surma a dançar ao som de um ritmo qualquer que só ela parece ouvir, e toda uma dimensão atmosférica que devia dar nome à próxima depressão anunciada pela proteção civil. Não é mau, mas não parece dali. Fecho os olhos e tento imaginar o proverbial regresso ao palco em Telaviv para interpretar a canção vencedora da Eurovisão, mas os meus pensamentos são recebidos com hostilidade pela parte do meu cérebro que se lembra de vencedores anteriores. Dou por mim quase a apostar um mindinho em como isto não tem pernas para andar, mas é tão estranho que talvez resulte.

Mila Dores

“Debaixo do Luar”

Nunca é bom quando uma canção nos faz lembrar, simultaneamente, Norah Jones e Adelaide Ferreira.

NBC

“Igual a Ti”

Imaginem que são abordados na rua por um indivíduo de fato rosa e preto com brilhantes chamado Timóteo Santos, que diz a plenos pulmões “Dá-me a tua mão, sou igual a ti”. Qualquer pessoa normal fugirá, mas a ideia funciona melhor quando transposta para o território semiótico do palco do Festival da Canção. É aí que Timóteo abandona o nome civil e passa a ser NBC, veterano das lides musicais portuguesas que, para além da experiência acumulada, tem sabido navegar um oceano de géneros musicais como poucos. O seu “Igual a Ti” é prova disso mesmo: foi um tema pensado para encher arenas, quem sabe a maior em que NBC terá oportunidade atuar nos próximos tempos. Tem ambição de hino e um forte significado político, e talvez o problema seja mesmo esse. É que a vencedora do ano passado ficou célebre por imitar uma galinha.

21:55. Jorge Gabriel tenta resumir a toada da noite: “Amores, desamores, jantares.” Faltou dizer “e amigos de Jean Paul Gaultier”.

21:59. Surma explica que a sua música sai-lhe de dentro. OK. OK, Surma.

22:02. Apostas: Mariana Bragada, Dan Riverman, Madrepaz, NBC

22:09. Júlio Isidro, um dos responsáveis pelo quarto lugar de Conan Osíris na votação do júri, volta a aparecer em público para dizer meia dúzia de coisas que em nada ajudam a compreender o sucedido.

22:12. A franja da Isaura continua a crescer.

22:13. Maria João diz dá sempre o mesmo conselho: “amar a música”, “a música é que tem de valer”, “a música exige tudo e dá de volta”, “quando é assim nós ficamos mais bonitos e mais altos”, um comentário algo deselegante à canção do baixinho Dan Riverman.

22:18. Rita Redshoes diz qualquer coisa, mas o país ignora e limita-se a admirar a presença elegante do Wandson no background. Sei lá. Googlem.

22:40. É feita uma homenagem a Simone de Oliveira, para surpresa de todos.

22:46. “Senhoras e senhores, os Kumpania Algazarra.” Porquê?

22:47. Carlos Mendes surge em palco para acompanhar os Kumpania Algazarra numa espécie de ska cigano. Vivemos tempos fascinantes.

22:48. Quer a banda quer Carlos Mendes parecem divertidíssimos mostrando como se atiram os foguetes e apanham as canas. O tema termina e o ex-treinador do Arouca dá os parabéns aos intervenientes, mas esquece-se de pedir desculpa aos espectadores.

22:57. Inês Lopes Gonçalves pergunta a André Tentúgal, compositor do primeiro tema da noite — O Lugar — quanto tempo têm para compor, e este responde “um mês e meio”. 45 dias e foi aqui que chegámos. O Conan deve ter escrito aquilo em meia hora.

22:57. Os Kumpania Algazarra juntam-se a Manuela Bravo e transformam “Sobe, sobe, balão sobe” numa festa cigana. De repente sinto-me num programa da tarde transmitido em direto da Ovibeja. Ligo para o 760 200 100 na esperança de ganhar os 15.000€ em cartão. A inscrição é aceite, para surpresa minha.

23:00. O público ovaciona de pé mais esta demonstração de que o conceito “canção com nova roupagem” merece um debate amplo na sociedade portuguesa.

23:03. José Carlos Malato resume a ambição dos artistas esta noite — “Primeiro Portimão, depois Israel” — no que terá sido uma alusão pouco feliz a “First we take Manahattan” de Leonard Cohen.

23:08. NBC interrompe Inês Lopes Gonçalves para assinalar os 32 anos da morte de Zeca Afonso. Felizmente os Kumpania Algazarra já arrumaram os instrumentos.

23:10. Alguém achou que era boa ideia rever os melhores momentos das filmagens daquelas rábulas de introdução de cada atuação. Se à primeira foi desinteressante, imaginem à segunda.

23:13. Júlio Isidro coloca a amiga de Jean Paul Gaultier em último lugar. Terá sempre Paris.

23:14. Mila Dores é penúltima, mas no fundo é um último lugar ex-aequo.

23:15. O júri escolheu Surma, NBC, Mariana Bragada e Dan Riverman. SURMA?!

23:20. O público escolhe NBC, Madrepaz, Dan Riverman e Mariana Bragada.

23:22. Os oito finalistas são anunciados e José Carlos Malato parece dizer “Cónanósiris” como se fosse uma só palavra. O #teamconan terá rido porque já sabe como é que isto vai acabar. Quanto a José Carlos Malato, é bom que vá treinando. First we take Portimão, then we take Israel.

Vasco Mendonça é publicitário e co-CEO da associação recreativa Um Azar do Kralj