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Entrevista a Pedro Borges, Co-fundador e CEO da Criptoloja, a primeira corretora de Criptomoedas em Portugal. 2 de Maio de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Pedro Borges lidera a Criptoloja, uma das primeiras empresas de criptomoedas licenciadas pelo Banco de Portugal.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Pedro Borges lidera a Criptoloja, uma das primeiras empresas de criptomoedas licenciadas pelo Banco de Portugal.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Um hacker que peça um resgate em bitcoin é parvo". Entrevista ao presidente da Criptoloja

"Hackers"? Oligarcas russos a esconder fortunas em bitcoin? As criptomoedas são tudo menos anónimas, diz Pedro Borges, presidente da Criptoloja, a primeira corretora licenciada pelo Banco de Portugal.

Há quem diga que a bitcoin é “o ouro digital, o ouro do século XXI”. Mas, para Pedro Borges, “o ouro é que é a bitcoin analógica”. Pedro Borges é presidente da Criptoloja, uma das duas empresas que foram as primeiras a serem licenciadas pelo Banco de Portugal para a negociação de criptoativos, e fala da bitcoin como “a mais perfeita reserva de valor que alguma vez esteve à disposição do Homem“.

Na sua opinião, nunca servirá para pequenas transações no dia a dia (e no mundo real), substituindo as moedas tradicionais. Mas, sobretudo, a bitcoin não serve, defende, para que oligarcas russos fujam a sanções europeias nem serve para que piratas informáticos vejam resgates pagos em bitcoin – simplesmente porque, sublinha, a bitcoin é tudo menos anónima, é menos anónima até que o dinheiro tradicional.

Em entrevista ao Observador, o líder da empresa que já acumulou quase quatro mil clientes em menos de um ano – muito acima do que era previsto no cenário mais otimista do business plan – defende que as empresas deste setor têm obrigação de contribuir para a literacia das pessoas em relação ao mundo das criptomoedas, ensinando sobre as potencialidades mas, também, sobre os riscos. E, aí, “os youtubers desta vida não ajudam…“.

“Quando alguém compra uma bitcoin connosco, compra mesmo uma bitcoin”

O que faz a Criptoloja?
A Criptoloja é uma corretora mas, ao contrário das corretoras tradicionais, o que faz é intermediação de criptomoedas. Ou seja, trocar euros por criptomoedas, criptomoedas por euros e criptomoedas por outras criptomoedas. Temos licença do Banco de Portugal para fazer isso e, embora seja sempre possível no futuro vir a alargar um pouco o escopo da licença – nomeadamente para fazer custódia, por exemplo – o essencial do negócio é esse.

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Na prática, como funciona?
De forma simples: o cliente abre conta, dá-nos a ordem para comprar esta ou aquela criptomoeda, envia-nos euros, que alocamos à conta, executa-se a ordem e, a partir daí, o cliente decide se quer manter a criptomoeda na Criptoloja – em rigor, num custodiante terceiro que nós utilizamos – ou transferir, como aliás é recomendável, para uma carteira sobre a qual tenha 100% do controlo. Essa é a boa prática, até porque essa é uma das revoluções trazidas pelas criptomoedas: ter o controlo total sobre os nossos ativos.

Em que é que recorrer à Criptoloja é diferente de usar os serviços que nos últimos anos têm sido mais populares em Portugal, como a Binance, a Coinbase ou mesmo apps financeiras como o Revolut?
Antes de mais, a Criptoloja é uma empresa portuguesa, nós falamos português, temos um apoio ao cliente em português e a identificação cultural com o mercado é sempre uma vantagem – seja em criptomoedas, seja onde for. Além disso, muitas pessoas que investiram em criptomoedas já tiveram uma experiência de o banco recusar transferir para uma bolsa de criptomoedas, ou recusar receber o dinheiro vindo de bolsas de criptomoedas… Obviamente que connosco, sendo nós regulados, isso é um problema que não se põe. Nenhum banco cá em Portugal já nos vedou transferências, essa facilidade e este descanso com o fluxo das transferências são uma das principais vantagens.

E, no vosso caso, quem compra uma criptomoeda está realmente a comprar uma criptomoeda, certo? Ou seja, fica-se mesmo com a chave digital, não apenas uma indicação numa app de que temos esta ou aquela moeda, sem realmente ter acesso à moeda, como acontece com a Revolut, por exemplo.
Sim, a maior parte dessas apps o que vendem são, na verdade, produtos financeiros associados a criptomoedas, são réplicas. Nós não, quando compramos uma bitcoin é realmente uma bitcoin, não é um produto financeiro que acompanha a variação da bitcoin. Compra-se mesmo uma bitcoin, uma das 19 milhões que estão disponíveis atualmente [o máximo que algum dia atingirá é 21 milhões, pela conceção da criptomoeda].

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Quantos clientes já têm?
Neste momento estamos muito próximos dos quatro mil clientes, que é um número absolutamente arrasador, de todo inesperado – nem nas melhores projeções do plano de negócio estávamos à espera de ter tantos clientes nesta altura.

E que perfil têm esses clientes?
A faixa etária predominante situa-se entre os 30 e os 50 anos, mas temos clientes de todas as faixas etárias, até 65 para cima. Temos muitos clientes que, mal fazem 18 anos, abrem logo conta. Aliás, se fosse possível abrir contas a pessoas abaixo de 18 anos seguramente teríamos bastantes clientes nessa faixa etária.

Que montantes é que investem, em média?
Temos clientes que investem montantes altos, outros mais baixos. Nesta altura temos um depósito médio por cliente um pouco acima dos 2.000 euros, o que é um número bastante interessante – temos clientes que depositam várias dezenas de milhares de euros. O montante mínimo para abrir conta é 250 euros.

Como nasceu a Criptoloja, uma das duas primeiras empresas licenciadas pelo BdP

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A Criptoloja, enquanto empresa, foi criada em 2020, depois de cinco anos em que Pedro Borges viveu em São Paulo. Depois de lançar a empresa e quando estava prestes a iniciar a atividade, foi transposta a diretiva europeia que apanha na regulação as criptomoedas e que colocou a atividade debaixo da alçada do Banco de Portugal. Uma lei que foi aprovada sem período transitório, apesar de o empresário ter contactado o parlamento avisando que já existiam empresas no setor e que sem período transitório poderiam ficar em situação ilegal no próprio dia em que a lei fosse aprovada. Não tendo obtido resposta, a operação foi suspensa e iniciou-se o processo de pedir o licenciamento do Banco de Portuga. A licença chegou nove meses depois, a 15 de junho de 2021. A Criptoloja, que recebeu a licença ao mesmo tempo que a Mind the Coin, foi entretanto comprada pelos brasileiros da 2TM (que obteve financiamento do fundo japonês Softbank).

Depósitos suspeitos? “Já tivemos vários, sim, que foram reportados”

E qual é a vossa perceção sobre a intenção que tem quem investe? São pessoas que estão a investir numa ótica de curto prazo, de longo prazo…?
É investimento de longo prazo, pelo menos de médio prazo, até pelas características da nossa plataforma, que não está vocacionada – longe disso – para aquele investidor que compra e vende diariamente. Nós funcionamos numa lógica de conversão e não naquela lógica mais pura de bolsa, aproveitando as pequenas variações no preço.

Nos termos da regulação do supervisor, vocês têm de ter práticas de compliance apertadas, designadamente as práticas de know your customer. Vocês conhecem os vossos clientes?
Conhecemos todos os nossos clientes, logo na abertura de conta e conhecemos cada movimento que é feito dentro da Criptoloja, tudo passa pelo compliance. Quando o cliente abre conta, com base nas informações que nos presta e as evidências que oferece, estabelecem-se determinados limites… E, sempre que há um depósito numa criptomoeda, por exemplo a bitcoin, temos sistemas para ver aquele endereço e perceber onde é que aquela bitcoin andou e se passou na dark web ou se participou em alguma fraude.

E já tiveram alguma situação mais suspeita?
Já tivemos várias, sim. E, aí, seguimos o que manda a regulação. Reportamos o que temos a reportar.

“Bitcoin é 100% rastreável. Um hacker pedir resgate em bitcoin é parvo”

Falou na dark web, ainda se fala muito da bitcoin e das criptomoedas como ativos que servem para financiar atividades ilegais. O que é alimentado, em parte, por notícias que dizem que este ou aquele crime cibernético exige, por exemplo, que seja pago um resgate em bitcoins, talvez por haver uma perceção de anonimato.
Essa perceção é real, embora seja errada porque uma das características do blockchain é exatamente ser 100% transparente e 100% rastreável. Usando o exemplo de uma conta bancária, é como se toda a gente pudesse ir ver que montantes e que movimentos é que um determinado IBAN tem. No caso do IBAN, só o banco ou outras entidades é que podem ir ver os movimentos, no caso do blockchain qualquer pessoa com uma ligação à internet pode ir ver quanto é que tem um determinado endereço, de onde é que aquelas bitcoins vieram, para onde foram.

Então porque é que alguns hackers querem ser pagos em criptomoedas?
Isso aconteceu no passado, mas é uma parvoíce. Entidades com o FBI, a Interpol, têm milhões de endereços que estão em vigilância permanente. Houve casos de hackers que deram endereços de bitcoin [para ser feita uma transferência de um resgate] e esses endereços ainda hoje estão a ser monitorizados, sob vigilância. Se alguém tentar mexer naquilo… obviamente pode ir tentando passar de um endereço para outro mas se algum dia tentar utilizar aquilo no mundo real, ou passar nalguma ponte do mundo do blockchain para o mundo real será imediatamente detetado. É diferente do dinheiro tradicional, onde se pode ir atrás do dinheiro e, depois, chegar a determinadas jurisdições e perde-se-lhe o rasto. No caso do blockchain é impossível. Alguém pedir um resgate e dar um endereço de bitcoin é parvo, à falta de melhor palavra. Está em desuso a narrativa de que a bitcoin é um instrumento anónimo, usado para lavar dinheiro de droga, etc.

Entrevista a Pedro Borges, Co-fundador e CEO da Criptoloja, a primeira corretora de Criptomoedas em Portugal. 2 de Maio de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"A narrativa de que a bitcoin é um instrumento anónimo, usado para lavar dinheiro de droga etc, essa narrativa está em desuso", diz Pedro Borges.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mas, mesmo com essa evolução da perceção, quem navega na internet – seja em redes sociais ou outros sites – vai encontrar as criptomoedas muitas vezes associadas a esquemas fraudulentos, os chamados “fica rico rápido”.
Isso é outra coisa. Infelizmente, é uma realidade que este é um mundo onde há uma quantidade impressionante de esquemas e fraudes. É um pouco como nos anos 90 o forex, a negociação de moedas tradicionais. É verdade que as criptomoedas suscitam nas pessoas uma ideia de que se pode enriquecer rapidamente, o que é errado, mas colou-se, uma perceção que também é alimentada por parte da indústria. Mas há esquemas de suposto enriquecimento rápido que também existem com dinheiro normal, ou com ações. À medida que aumentar o conhecimento sobre criptomoedas, mais difíceis vão ser esses esquemas — mas vão sempre existir, como com tudo.

Como é que a Criptoloja fomenta esse conhecimento? Têm iniciativas de literacia?
Sim, todas as terças-feiras às 21h fazemos webinars abertos, todas as empresas desta indústria têm obrigação de contribuir para essa educação. E as pessoas têm de saber filtrar o que é educação como deve ser, e nisto os youtubers da vida não ajudam… Nestes cursos que fazemos, há dois ou três meses que nunca temos menos de 500 pessoas a assistir. Claro que muitas acabam por fazer aquelas perguntas normais, do preço, se a bitcoin vai subir, ou qual é a próxima criptomoeda que vai subir 1.000%… É isso que motiva as pessoas numa primeira fase, como é normal, depois começamos a entender o que está por trás e, aí, muda tudo.

"Todas as empresas desta indústria têm obrigação de contribuir para essa educação. E as pessoas têm de saber filtrar o que é educação como deve ser, e nisto os youtubes da vida não ajudam..."

“Bitcoin é a mais perfeita reserva de valor que o Homem já teve”

Já se referiu à bitcoin como uma “reserva de valor fortíssima”, ou seja, não a vê como algo que pode servir como dinheiro para usar no dia a dia?
Para mim, a bitcoin é a mais perfeita reserva de valor que alguma vez esteve à disposição do Homem. Um pouco comparável ao ouro. Há muita gente que diz que a bitcoin é o ouro digital – eu acho é que o ouro é o bitcoin analógico (risos). A grande reserva de valor da Humanidade, ao longo de milhares de anos, sempre foi o ouro. E não foi uma reserva de valor por decreto, foi porque foi percebida assim, devido a algumas características que o ouro tem: o facto de ser raro, de ser difícil de encontrar, de extrair, tinha uma lógica de posse fortíssima – porque se uma barra de ouro está no meu bolso é minha, se estava no seu, era sua – tudo isto tornou o ouro uma reserva de valor incrível. A bitcoin tem muitas dessas características, é cada vez mais difícil obter novas, a sua existência está limitada a 21 milhões de moedas. Quando estiverem “mineradas” as 21 milhões não haverá mais. Por definição, as reservas de valor não se gastam. Há empresas que aceitam pagamentos em bitcoin mas isso surge mais como marketing do que outra coisa. Se alguém me comprar alguma coisa e me pagar em bitcoin eu guardo essa bitcoin…

Mas pode ter-se a mesma certeza, tanta quanto se tem em relação ao ouro, de que a bitcoin irá mesmo continuar a ser, daqui a 50 ou 100 anos, aquilo que é hoje? Em termos técnicos, não existem riscos?
Há riscos, como em tudo. O risco maior é a computação quântica, porque a bitcoin e as criptomoedas vêm da criptografia. Obviamente se houver uma tecnologia que permita quebrar essa encriptação, toda a tecnologia do blockchain poderia estar em causa. Mas a computação quântica ainda está no início e, à medida que essa tecnologia evoluir as outras também irão evoluir.

E outras criptomoedas, além da bitcoin? Podem ter uma utilização mais quotidiana, menos como reserva de valor?
Os ativos digitais, que são tokens, são programáveis e cumprem determinadas funções. Isso faz com que as moedas digitais possam ser mais úteis em ecossistemas mais pequenos e não à escala global. Não há como termos uma moeda à escala global, porque as realidades políticas e económicas são muito diferentes – por isso é que há moedas mais fortes, moedas mais fracas, moedas que os governos desvalorizam com mais facilidade. Não vejo nunca a bitcoin como uma moeda, vejo é ecossistemas mais pequenos – que podem ser uma cidade ou, eventualmente, um país – terem moedas ou criarem ativos digitais com características próprias que se adaptem à função desejada.

“Instituições financeiras tradicionais têm sido engolidas pela realidade”

Mas, enquanto reserva de valor, a bitcoin tem tido muita volatilidade – cruzou os 40 mil dólares no início de 2021, chegou perto dos 70 mil dólares, entretanto voltou para a casa dos 30 mil dólares…
Sim, é extremamente volátil. Mas lembremo-nos que é um ativo que em 2009 valia cêntimos. Claro que isto não é uma linha reta. Já tivemos algumas subidas aceleradas e já tivemos “invernos” das criptomoedas. Na valorização anterior tinha chegado perto dos 20 mil e depois voltou a cair para 3 mil e pouco, no final de 2018. Quem tinha comprado a 20 mil, sofreu um pouco…

Se não vendeu, não perdeu. Pelo contrário. Alguns anos depois pôde vender pelo triplo…
Mas isso é a lógica de uma reserva de valor. No Nasdaq, este ano, 25% das empresas caíram cerca de 70% – acontece com todas, a Apple e a Amazon também caem. Agora, a bitcoin é muito volátil mas acredito que tenderá a tornar-se menos volátil, porque a qualidade do dinheiro que entra neste mercado começa a ser diferente. E quero dizer com isso que uma coisa é eu comprar e, por emoção, vender, fazendo cair o preço. Outra coisa é um fundo de investimento que entra com horizontes temporais alargados e estão mais imunes à volatilidade do preço. Cada vez mais dinheiro desse vai entrando, o que vai tornar o preço mais estável.

Várias instituições financeiras nos EUA já estão, cada vez mais, a entrar no mundo das criptomoedas, incluindo gestoras de pensões privadas. Esse trajeto vai ser feito também em Portugal? Quando é que acha que eu vou ter, na app do meu banco “tradicional”, uma conta de criptomoedas, como tenho uma conta de títulos (ações, por exemplo)?
As instituições financeiras tradicionais têm sido engolidas pela realidade. Simplesmente não podem ignorar um ativo que tem registado o desempenho que a bitcoin tem tido, só porque acham que é o fim do mundo ou o dinheiro dos barões da droga. Quanto à sua pergunta, em Portugal isso também vai acontecer, embora provavelmente vá ser uma coisa mais alargada do que simplesmente ter uma conta de criptomoedas.

Como assim?
Quando falamos em criptomoedas ou em blockchain, falamos em criar coisas numa lógica descentralizada, um pouco como a internet, que é descentralizada: não há um dono da internet, não tem um CEO, não tem um apoio ao cliente e funciona muito bem. A indústria que criou mais soluções dentro da lógica descentralizada foi a indústria financeira, que já oferece uma grande quantidade de serviços numa lógica de DeFi, de “decentralized finance“, desde empréstimos a seguros, etc. A banca, na minha perceção, de quem vê de fora, está a fazer um caminho de olhar, cada vez mais, para a DeFi não como um inimigo, um concorrente, mas olhar de outra maneira, ver que podem ser ali criados produtos interessantes, eficientes, baratos, que podem atrair novos clientes… Será nessa altura que poderá haver alguma integração.

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Invasão da Ucrânia? “Bitcoin foi parte da solução, não do problema”

A bitcoin e as criptomoedas também foram notícia recentemente a propósito da guerra na Ucrânia e de como as criptomoedas poderiam, de alguma forma, ser usadas para fugir às sanções… Como vê esse debate?
No caso concreto da invasão da Ucrânia pela Rússia, acho que a bitcoin foi mais uma parte da solução do que do problema. A bitcoin foi uma maneira simples de o governo e instituições ucranianas receberem donativos. Esses endereços foram públicos e foi fácil acompanhar os donativos que foram sendo feitos – lá está, com transparência total.

E do lado da Rússia, a quantidade de transações com bitcoin com rublos subiu muito…
Mas não foram os oligarcas nem ninguém a tentar esconder dinheiro – porque, como já expliquei, não há como esconder dinheiro na blockchain. Um oligarca russo não tenta proteger 100 ou 200 euros, como é lógico. Portanto, se houvesse quantidades grandes de dinheiro a ser colocado na blockchain elas lá estariam, toda a gente podia ir lá vê-las e um dia em que algum desses oligarcas quisesse transformar aquelas criptomoedas em euros ou noutra moeda qualquer, onde quer que fosse, seria imediatamente detetado.

Mas porque é que a Comissão Europeia fala nisso?
Talvez porque, do ponto de vista teórico, pode acontecer. Do ponto de vista prático, não faz sentido porque aqueles endereços estariam sempre sob monitorização permanente. Ninguém ia fazer isso porque seria como esconder uma nota de 100 euros numa caixa de vidro. Houve, sim, também como parte da solução, muitas pessoas normais, comuns, como nós, tanto na Ucrânia como na Rússia, onde a moeda local desvalorizou vertiginosamente ao princípio, e na tal lógica de reserva de valor, que pegaram nos seus rublos e nas suas grívnias e compraram bitcoin para fugir a essa desvalorização. O que me parece perfeitamente legítimo e ainda bem que aconteceu porque evitou que as pessoas ficassem, de repente, 30% ou 40% mais pobres, no início.

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Um dos grandes impulsionadores da bitcoin, sobretudo em 2021, foi Elon Musk, o líder da Tesla. Mas acabou por se “zangar” com a bitcoin alegando o consumo energético para a manutenção da rede. Faz sentido?
Elon Musk é, antes de mais, um empresário. E usa muito bem a comunicação. Mas, sobre o consumo de energia, parece haver uma obsessão por medir e quantificar o consumo energético da bitcoin. Tudo consome energia: fazer carros consome energia, os bancos também gastam energia. Com a bitcoin, estamos a gastar energia para mantermos as bitcoins seguras – como os bancos gastam energia para manterem os euros seguros. Só que, enquanto os bancos mantêm o dinheiro seguro nas melhores avenidas das capitais, a bitcoin consome energia que mais ninguém quer. É a energia que chega às fronteiras do Alaska, energia que chega ao Paraguai, a energia que chega aos confins da Islândia – os mineradores de bitcoin estão a aproveitar essa energia, que é a mais barata que há. E é a mais barata que há porque ninguém a quis comprar antes.

Mas houve estudos e reportagens sobre o consumo na China, a partir de fontes não renováveis como o carvão, etc…
Na China o tema da energia e da bitcoin é que os chineses, no tempo das vacas gordas no imobiliário chinês (que, agora, parece que são menos gordas), construíam por exemplo uma cidade no interior com capacidade para um milhão de habitantes sem haver lá ninguém – a contar que depois as pessoas iam para lá. Mas até as pessoas irem, já aí chegava energia. E os mineradores começaram a instalar-se lá, com o acordo das autoridades chinesas, para usar essa energia, e sempre pagavam alguma coisa por aquilo. Mais de 56% da energia que é consumida para minerar bitcoins é produzida de forma “verde”, pelos últimos números que li – e os mineradores de bitcoin têm sido muito inovadores no sentido de procurar novas fontes de energia como a utilização da energia dos vulcões na Islândia.

Na última campanha eleitoral, alguns partidos mostraram intenção de vir a taxar as mais-valias com criptomoedas, algo que existe em vários países mas não em Portugal. Concorda?
Os criptoativos são muito variados, se tiver um NFT é um criptoativo mas não faz sentido ser taxado – porque os bens materiais por regra não são taxados. Sobre taxar os ganhos em bitcoin, eu, por princípio, acho que devemos evitar taxar o maior número de coisas. Mas se vivemos num país onde são taxadas as ações, são taxados os CFD, são taxados os ganhos em cambial, o facto de não se taxar a bitcoin acaba por ser um estigma. Porque as pessoas olham para aquilo e pensam…”bem, aquilo não é taxado, deve ser uma coisa má, deve ser para fugir de alguma coisa”. Não ser taxado está a colocar um peso em cima da bitcoin que quase digo que devia ser taxado.

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