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A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE), Catarina Martins, fala no final da "Contra-cimeira da resistência, do inconformismo e da solidariedade: 'STOP Precariedade, STOP Pobreza'", no Porto, 07 de maio de 2021. Esta contra-cimeira ocorre por oposição à Cimeira Social do Porto organizada pela Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), neste dia. TIAGO PETINGA/LUSA
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Direção do partido diz não temer que o caso Luís Monteiro venha a fragilizar politicamente o BE. O deputado vai avançar com queixa na Justiça

TIAGO PETINGA/LUSA

Direção do partido diz não temer que o caso Luís Monteiro venha a fragilizar politicamente o BE. O deputado vai avançar com queixa na Justiça

TIAGO PETINGA/LUSA

Uma queixa interna, uma suposta onda de desfiliações e o caso Luís Monteiro. Os dias agitados do Bloco de Esquerda

BE assume que se sabia "informalmente" do caso de Luís Monteiro e que a ex-namorada terá sido reencaminhada para associações específicas. Uma outra queixa lançou confusão nos Jovens do Bloco.

“Bom dia, acabei de me desvincular do Bloco de Esquerda”. Os membros da direção dos Jovens do Bloco estavam a voltar das comemorações do 25 de Abril quando as notificações e mensagens começaram a aparecer. No Twitter, parecia crescer uma aparente onda — alimentada por páginas que admitiam estar a parodiar o assunto — de desfiliações e insatisfação no Bloco, sobretudo de membros mais novos. Pouco a pouco, começavam a surgir tweets com insinuações, embora raramente concretizadas. Num aspeto, quase todos confluíam: o partido estaria a “encobrir” casos graves. As queixas, depois, variavam. Há referências a “abusos” entre membros do partido, “assédio” de vários tipos e transfobia, por exemplo.

Quando, na madrugada de dia 5 de maio, surgiu também no Twitter uma denúncia de uma ex-militante do Bloco, Catarina Alves, contra o deputado Luís Monteiro por violência doméstica, o ‘buzz’ nas redes sociais adensou-se. Algumas das mesmas contas que garantiam ter-se desvinculado apontavam para um alegado encobrimento da situação como um dos motivos para a desilusão do partido. A vaga de contestação interna, que misturava referências a temas que são bandeiras do Bloco, começou a crescer.

Nos últimos dias, a direção do partido teve de trabalhar para descodificar o assunto e perceber de onde vinham os vários focos de incêndio. Por um lado, explicando se houve ou não, afinal, um “encobrimento” do caso Luís Monteiro — uma resposta que a direção do partido dá ao Observador, detalhando qual foi o acompanhamento que fez do caso que efetivamente conhecia.

Por outro, a direção teve de lidar com denúncias internas graves: um grupo de militantes e ex-militantes (vários saíram por causa desta situação) apresentou uma queixa em que acusa outra militante de cometer assédio moral, transfobia, ameaças físicas e psicológicas. Este grupo acusa a linha oficial do partido de ser conivente com estas práticas.

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BE sabia do caso Luís Monteiro, mas não houve queixa formal

Ao Observador, o partido responde oficialmente que não existem quaisquer queixas internas por motivos de assédio ou de violência idênticas à que envolve Luís Monteiro. O que não significa que não se soubesse dentro do partido do caso de Luís Monteiro, que entretanto disse ser ele próprio vítima de Catarina Alves e anunciou que vai avançar com uma queixa na Justiça contra a ex-namorada e ex-colega de partido.

Luís Monteiro discursa durante a apresentação da sua candidatura pelo Bloco de Esquerda à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, 18 abril 2021. ESTELA SILVA/LUSA

ESTELA SILVA/LUSA

O caso, como o Observador pôde confirmar cruzando diversos testemunhos, era conhecido há anos — os dois namoraram de fevereiro a outubro de 2015 –, mas “nunca foi apresentada a qualquer instância do Bloco sobre os atos agora relatados”. Mesmo sem queixa formal, o partido admite “ter conhecimento de que Catarina Alves foi ouvida informalmente por membros do Bloco”.

De acordo com a resposta oficial do partido, estes membros “fizeram o que deve ser feito”: “Face a uma denúncia relativa a factos exteriores à vida do partido, envolvendo aderentes ou não aderentes, as vítimas devem ser encaminhadas para organizações específicas que as podem apoiar.”

No caso de Catarina Alves, apurou o Observador, terá havido um reencaminhamento para a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) e para a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), mas não terá chegado a concretizar-se nenhuma queixa.

Temos conhecimento de que Catarina Alves foi ouvida informalmente por membros do Bloco, os quais, tanto quanto sabemos, fizeram o que deve ser feito: face a uma denúncia relativa a factos exteriores à vida do partido, envolvendo aderentes ou não aderentes, as vítimas devem ser encaminhadas para organizações específicas que as podem apoiar. O Bloco pratica a tolerância zero com a violência. É à justiça que cabe apurar factos e punir abusos.
Resposta oficial do Bloco de Esquerda

Esta é a política geral bloquista para alegações de violência ou assédio entre pessoas do Bloco, justifica o partido. “O Bloco pratica a tolerância zero com a violência. É à justiça que cabe apurar factos e punir abusos”, lê-se na mesma resposta, onde se garante que “as vítimas devem ser encaminhadas para organizações que as podem ajudar e a denúncia às autoridades deve ser encorajada”. Isso, garantem os responsáveis do Bloco, terá acontecido neste caso.

Ameaças e ofensas entre os jovens do Bloco

Mas esta questão acaba por cruzar-se com outro caso que, não estando diretamente relacionado com o de Luís Monteiro, faz parte dos argumentos usados para alimentar a contestação interna. Conforme o Observador apurou, uma parte das desfiliações de que se falava no Twitter por estes dias estará relacionada com uma queixa formal interna que foi enviada a 28 de abril para a Comissão de Direitos do partido e que deverá resultar numa expulsão.

Na carta, um grupo de militantes, que a linha oficial do partido diz ser inexpressivo em número e responsável por querer “criar o caos” no partido, apresentam uma queixa contra uma outra militante. Na origem dessa denúncia, estão ameaças a colegas de partido, acusações de assédio psicológico e de práticas transfóbicas.

Num “grupo de trabalho informal” de Whatsapp composto por aderentes do Bloco, a militante em causa terá feito ameaças físicas, assumiu que estaria a tentar hackear a conta de Instagram de Leonor Rosas, que faz parte da direção dos Jovens do Bloco, e terá sido sido ofensiva com uma pessoa transgénero — referindo-se de forma premeditada pelo nome anterior com que a pessoa era conhecida, algo que configura um gesto de violência dirigido contra as pessoas transgénero, e insistindo nas insinuações.

Ao Observador, Leonor Rosas, uma das visadas pelo ataque da militante entretanto denunciada, pede que o tema seja tratado com a “seriedade” devida. “Estou certa que as alegações terão a averiguação devida dada a seriedade do que é relatado”, diz, preferindo não fazer mais comentários.

A direção do partido confirma a existência desta carta: “Foi apresentada recentemente uma queixa à Comissão de Direitos sobre alegados comentários ofensivos num grupo de WhatsApp exterior ao Bloco. O assunto ainda não foi analisado pela Comissão de Direitos”, lê-se numa resposta enviada por fonte oficial do partido.

O processo não será finalizado para já, uma vez que o Bloco de Esquerda tem convenção marcada para os dias 22 e 23 de maio, em Matosinhos, e só depois de a direção ser eleita e tomar posse nesse momento é que se poderá dar continuidade à queixa.

No entanto, é provável a expulsão da militante em causa após a constituição de uma Comissão de Inquérito interna. O texto enviado à Comissão de Direitos aponta esta situação como a causa de algumas desfiliações, mas não só: como o Observador apurou, algumas das pessoas que saíram apontaram também insatisfação com a forma como o partido lidou com o caso de Luís Monteiro e com a organização interna do Bloco.

Direção desmente desfiliação em massa

Todos estes casos terão ajudado a alimentar a ideia de uma suposta onda de desfiliações — umas relacionadas com a referida queixa apresentada à Comissão de Direitos, outras justificadas com o caso de Monteiro e outras ainda relacionadas com organização interna do partido que estes militantes descontentes descrevem como “centralista”.

Ora, de acordo com a resposta oficial do partido, este conjunto de desfiliações existe mas não será numericamente significativa. “Desde o início do ano, o Bloco recebeu 632 novos aderentes”. No mesmo período, as desvinculações foram 117, “em linha com os números homólogos de anos anteriores”.

Em maio, quando os estilhaços do caso Monteiro começaram a ser mais evidentes, houve oito desfiliações. O Observador pediu os números de abril, o mês em que se registou a primeira vaga de críticas ao partido nas redes sociais, mas não foi possível obtê-los em tempo útil.

Depois das críticas internas e do caso Luís Monteiro, que terá agora sequência na Justiça, o Bloco ficou numa situação politicamente delicada. Quando confrontada com as possíveis repercussões na credibilidade do partido, sobretudo tendo em conta a importância que bandeiras como a luta contra a violência doméstica, a direção bloquista limita-se a dizer que “não” teme qualquer impacto. Os dias têm envolvido muito controlo de danos para o Bloco, mas o partido acredita que o assunto não trará feridas políticas.

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