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Alexandre Farto, a.k.a. Vhils, tem como referência e inspiração o misterioso street artist britânico Banksy
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Alexandre Farto, a.k.a. Vhils, tem como referência e inspiração o misterioso street artist britânico Banksy

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Alexandre Farto, a.k.a. Vhils, tem como referência e inspiração o misterioso street artist britânico Banksy

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Vhils: "Cheguei a pintar golfinhos em bares para poder pagar as contas e os estudos"

Vhils vai ter a primeira exposição nos EUA. Em entrevista, conta que fazer uma peça lado a lado com Banksy que foi capa da Time o lançou e comenta a polémica com a escultura de Pedro Cabrita Reis.

Não é só a timidez assumida que leva Vhils a falar poucas vezes à comunicação social. Ele insiste muitas vezes num ponto que se pode resumir assim: a fama não serve para nada se não servir para revelar o trabalho do artista e os problemas sociais que o preocupam. E Vhils só fala quando há novidades profissionais.

Em entrevista ao Observador, num fim de tarde em Marvila, a zona ribeirinha de Lisboa em que abriu a galeria Underdogs, o artista fez há dias um balanço da carreira e refletiu sobre o preço da fama e o preço da arte. Revelou detalhes sobre a sua primeira exposição em nome próprio num museu americano, que abre na sexta-feira, dia 21, no Cincinnati Contemporary Arts Center, no estado do Ohio. E comentou a polémica da escultura de Pedro Cabrita Reis que custou 300 mil euros e foi já duas vezes vandalizada em Matosinhos.

Alexandre Farto, nascido há 32 anos no Seixal, na margem sul do Tejo, é um dos principais artistas portugueses contemporâneos, reconhecido por utilizar as ruas das cidades como espaço de criação e exibição. Há uma década, raramente era falado na imprensa portuguesa, mas a série “Scratching the Surface”, desenvolvida por Vhils desde 2007 e constituída por retratos esculpidos em paredes e fachadas de prédios devolutos, tornou-se entretanto uma das suas imagens de marca. Tem hoje uma popularidade comparável à da artista Joana Vasconcelos: se o trabalho e o percurso de ambos apresenta enormes diferenças, o reconhecimento que alcançaram fora de Portugal é que os terá tornado relevantes dentro de portas.

Antigo responsável pelos vídeos de palco (VJ) dos Buraka Som Sistema e da discoteca Lux, estudou na University of the Arts em Londres e começou a expor em 2005. É responsável pelo Festival Iminente e tem como referência e inspiração o misterioso street artist britânico Banksy. Vive em Lisboa, mas passa quase oito meses por ano em viagens de trabalho. Quando está em Portugal, vai quase todos os dias ao atelier que mantém no Barreiro. Mantém uma equipa que já tem 15 pessoas.

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Em Sydney, na Austrália

Silvia Lopes

Não gosta muito de dar entrevistas, pois não?
Não é muito a minha praia.

Porquê?
Gosto que o foco fique no trabalho. Sinto que às vezes a overexposure [exposição em excesso] se sobrepõe ao trabalho das pessoas.

Aparecer pouco é usado por alguns como estratégia de comunicação: quanto menos se aparece, mais a curiosidade das pessoas aumenta.
Não é uma coisa propositada, não é uma estratégia. Muitas vezes estou em viagem, por causa dos projetos todos em que me envolvo, e não sei se fazer entrevistas por fazer é a coisa mais certa. Além disso, muita da mensagem e do trabalho que tento fazer passa pela parte visual. Sou artista, nem sempre sou a pessoa mais clara a verbalizar. Acho que consigo expressar-me melhor através da imagem e do trabalho do que propriamente em entrevistas. Sou uma pessoa meio introvertida, sempre fui, e durante algum tempo nem mostrava a minha imagem, não dava a cara. Era uma coisa que vinha do graffiti.

Da cultura hip-hop?
Não necessariamente do hip-hop, mas do graffiti, do lado mais ilegal que acompanhava o graffiti. É a minha escola, foi o meu início, mas é uma coisa muito diferente do trabalho que faço hoje e essa divisão é clara.

"A ideia do artista a fugir do senhorio e a mendigar ajudas tem de continuar a mudar."

Banksy leva ao limite essa política de não dar a cara. Aparentemente, ninguém o conhece, se é que é uma só pessoa.
Há-de ter a sua equipa, mas à partida é uma só pessoa.

A atitude dele também vem da cultura do graffiti?
Sim, a escola dele foi essa. Não sei se foi uma decisão consciente no início, penso que pretendia resguardar-se e deixar o foco no trabalho.

Que relação tem com Banksy?
Vejo-o como uma referência e uma inspiração. Fui para Londres em 2007, trabalhei com a equipa dele em alguns dos projetos em que ele estava envolvido, e ajudou-me muito a dar visibilidade ao meu trabalho e ao de muitos outros artistas. Inspira-me pelo impacto político que consegue. Acho que para além do impacto que ele teve na cultura do graffiti e na arte em geral, mostrou um lado de disseminação de mensagens muito fortes e disruptivas.

Conhece-o pessoalmente?
Não.

Considera-se um artista visual? Disse agora que já se distanciou da cultura do graffiti.
Não me distanciei, continuo a dar-me com muitas pessoas que são referências do movimento em Portugal. Vejo o meu trabalho artístico como uma linguagem visual no espaço público e também indoor. O graffiti é outro universo, é quase um jogo que funciona dentro das cidades, com os seus próprios códigos, que deu muito à minha génese, à minha maneira de me valorizar, de participar no espaço público. Mas as coisas evoluem e hoje o que faço é arte, é isso que vou fazendo. Com o Festival Iminente tento colocar o graffiti ao lado da street art e da arte contemporânea.

Mas street art não é arte contemporânea?
Para mim, é. É uma grande questão. Usei estes termos agora porque são os tag names que se usam. Tenho um problema com as designações, com movimentos artísticos, porque isso empurra os artistas para um só canto. O facto de trabalhar no espaço público não define o artista, a arte que ele faz é que o define. Há muitos artistas de arte contemporânea, arte conceptual, que trabalham no espaço público e aí já não é preciso dizer que acima de tudo são artistas de atelier.

"Acho que o momento pivot foi quando fui convidado a fazer parte do Cans Festival, que o Banksy organizou [2008], em que basicamente fizemos uma peça lado a lado, que foi capa do Times. No dia a seguir, tinha uns 50 e-mails e as coisas começaram a acontecer."

Podemos dizer que é sobretudo um artista visual que também utiliza a rua como espaço de expressão artística?
Diria que sim.

Recebe muitas opiniões e reações ao que faz?
Sim, através das pessoas com quem trabalhamos, através das comunidades aonde vou, por email, social media.

Quem é que reconhece melhor o seu trabalho: colecionadores, galeristas, críticos, outros artistas?
É difícil definir. O público mais jovem se calhar relacionou-se sempre um pouco mais, mas há pessoas de todas as idades. Os colecionadores também… Sinto que o trabalho tem feedback e isso é de certa forma importante, mas nunca pensei muito sobre esta questão.

Não há uma incompreensão com o seu trabalho?
Não e nos últimos anos até houve um esforço. Vi uma abertura de uma série de instituições e surgiram novos projetos fora dos grandes centros urbanos, que estão a dar espaço a uma nova vaga de artistas, o que teve um impacto positivo no contexto urbano. Por exemplo, o Festival Muro, o Wool Festival que começou na Covilhã, o ESTAU em Estarreja, um projeto em Lagos numa antiga prisão… Durante muitos anos, estes artistas não eram reconhecidos, eram até perseguidos.

O seu papel foi importante nessa abertura?
Fui um dos intervenientes, mas houve outros. Quando comecei a fazer graffiti, com 13 anos, a história era muito diferente. Os artistas têm tido um papel nesta abertura, mas houve também uma série de curadores e outras pessoas que se envolveram, houve feedback das pessoas, que passaram a relacionar-se com esta nova estética e com este reolhar para o espaço público como espaço de cultura. A arte tem esse poder de conseguir ativar e mudar a leitura de um espaço.

Alunos da escola secundária José Afonso passam junto a uma criação do artiista português Alexandre Farto, que assina Vhils, do cantor Zeca Afonso

José Afonso: obra de Vhils numa escola secundária no Seixal

João Relvas/LUSA

Em última análise, o seu trabalho serve para quê?
Depende dos contextos, da intenção e do tipo de trabalho. Sem dúvida, a ideia primeira é humanizar o espaço da cidade e fazer com que as pessoas consigam relacionar-se com esse mesmo espaço de uma maneira diferente.

Para que não tenham medo de frequentar certas zonas mais inóspitas ou degradadas? Podemos pensar isso da série Scratching the Surface.
Talvez. É um rosto que olha para outro rosto, é uma pessoa anónima da cidade, e esse diálogo visual pode quebrar barreiras. Essa é uma intenção do meu trabalho e de muita arte feita no espaço público. Ao mesmo tempo, há um trabalho mais conceptual, todas aquelas razões por detrás da ideia de arqueologia urbana, em que tento ir à víscera da cidade ou dos sítios mais mal tratados. Tento ir às entranhas desses sítios e trabalhar com as camadas que se vão acumulando nas cidades e que, a meu ver, têm toda a mudança de tempo acumulada, como é o caso das paredes. Se calhar, isso vem de uma relação muito particular que tenho com as cidades, por ter crescido na margem sul e ser muito normal ver murais, já no final dos anos 80, já meio esquecidos.

Alusivos ao 25 de Abril?
Alguns, sim, mas ligados também a partidos e ao ativismo de esquerda e de direita. Eram murais já esquecidos sobre uma utopia. Isso confrontado com os graffiti, que começaram a surgir, mais o boom da entrada na União Europeia e da publicidade, que rebentou nessa altura. A própria cidade chegou à margem sul, que era uma zona quase rural e que passou a ter a ligação a Lisboa através do comboio da Fertagus. As paredes foram acumulando este patchwork. Tento encontrar o que há de humano depois de tudo isto. É esse o meu exercício: a procura de identidade. Com a globalização, esse é um dos grandes desafios. O Scratching the Surface vai muito nessa direção. Depois há projetos específicos, como o que fizemos no 6 de Maio [bairro da Amadora] ou na Providência [favela do Rio de Janeiro], em que existe uma situação de tensão entre a população e os processos de expropriação, muitas vezes violentos. Aí a arte consegue chamar a atenção, não para criar uma cisão, mas mais para elevar a opinião dessas pessoas.

Cantora cabo-verdiana Cesária Évora retratada por Vhils na cidade do Mindelo, Cabo Verde, num dos trabalhos da série "Scratching the Surface"

LUSA

É um artista ativista?
Se quisermos chamar ativismo ao ato de tentar dar visibilidade a situações menos positivas, sim. Não tenho problemas nisso. Tento que a atenção que a arte consegue gerar tenha um impacto positivo nas comunidades com que trabalho e nas cidades.

Está muito atento à atualidade, lê jornais todos os dias, passeia muito pela cidades? Ou as coisas já não funcionam assim e os estímulos vêm de encomendas específicas que lhe fazem?
Não é só por encomenda, há muitos projetos que partem de iniciativa própria ou através de associações. Há um trabalho de grande pesquisa, tento estar minimamente a par do que se passa e sempre fui uma pessoa bastante curiosa. Tento ter uma relação forte com os locais onde trabalho e estar lá o máximo de tempo possível.

A expectativa que hoje existe em torno do seu nome faz com que sinta menos liberdade artística do que quando começou?
Como é óbvio, as coisas mudaram. É natural que mudem.

O que é que mudou?
Não sei. Quando não se tem nada a perder, e no início eu não tinha nada a perder… Cheguei a pintar golfinhos em bares para poder pagar as contas e os estudos. Estava no meu percurso, sozinho. Depois comecei a trabalhar com uma pessoa e neste momento somos 15 no atelier. Há uma responsabilidade maior. As pessoas têm de ser bem tratadas, faço por dar segurança às pessoas no trabalho, está toda a gente a contrato. Há todo um lado que se profissionalizou, não só porque é importante para a minha carreira, mas para todos os trabalhadores terem condições e uma vida sustentável. Tenho uma responsabilidade acrescida que tento que não entre na ponderação dos projetos que vou fazendo, mas como é óbvio…

Tem pena de ter que jogar esse jogo?
Digamos que consegui criar espaço para mim e para outros artistas.

Olha para si como uma empresa?
Não. A maneira como as coisas estão organizadas, para que eu e os trabalhadores que estão comigo consigam ter vida, teve de ir por esse caminho, mas é natural, não tenho problemas com isso. Há sempre um equilíbrio entre projetos que são pagos e depois os projetos completamente pro bono. Às vezes, até doamos parte das vendas das obras. Faz parte da nossa missão.

Quantos projetos faz por ano?
Convites são uns 300 ou 400 de todo o mundo, ou até mais, mas tento que o atelier faça 20 ou 30 por ano. Pode ser arte no espaço público, exposições em museus e galerias, intervenções site specific em coleções, projetos com comunidades e associações. Há uma gestão de tudo isso. E depois há alguns projetos comerciais.

Como é que o seu nome ganhou escala mundial?
Acho que o momento pivot foi quando fui convidado a fazer parte do Cans Festival, que o Banksy organizou [2008], em que basicamente fizemos uma peça lado a lado, que foi capa do Times. No dia a seguir, tinha uns 50 e-mails e as coisas começaram a acontecer. Fui tendo projetos cada vez melhores.

Em que país mais gostam de si?
Portugal sempre me tratou bem. China, EUA e França também. Fomos agora convidados a fazer um projeto de três ou quatro anos para a estação de comboios que liga ao aeroporto de Orly [Paris].

Pensa voltar a viver fora de Portugal?
Por enquanto, não, sinto-me bem. Vivi em Londres, onde tinha atelier, e voltei em 2010, 2011. Nessa altura, fomos para uma garagem em Sete Rios [Lisboa] e depois decidimos voltar para o Barreiro, porque a ideia era levar um pouco da nossa energia para a margem sul.

"O valor é o que o mercado dá e corresponde também ao percurso que tenho vindo a fazer ao longo de 15 anos. Muitas vezes, as obras atingem valores muito altos em leilão, mas eu não ganho nada."

É fácil o diálogo com curadores de coleções e instituições de arte?
Depende do quadrante. O João Pinharanda, por exemplo, sempre foi um curador muito importante para mim e foi ele que me fez o primeiro convite para me apresentar numa instituição [Museu da Eletricidade, Lisboa, 2014]. Entendemo-nos muito bem. Cada vez o diálogo é mais fácil, porque também temos uma nova vaga de curadores, que têm um conhecimento mais amplo das expressões artísticas de rua, como o graffiti ou a street art.

Mais uma vez as designações: graffiti não é street art?
É a tal questão: eu acho que não. Gosto de lhe chamar pós-grafittistreet art]. Há a primeira fase do graffiti nos anos 70 em Nova Iorque, e há quem diga que foi Filadélfia e Los Angeles. Foi um período de convulsão urbana, havia o modelo da cidade central com as periferias-dormitórios, onde estava muita da workforce da cidade. O graffiti na sua génese tem muito mais a ligação com a tipografia, com o nome que expressas na rua, e depois é quase um jogo em que os teus pares te valorizam quanto mais pintas e mais técnica tens. O pós-graffiti, ou street art, surgiu no pós-2000, com o boom da internet, a fase do Banksy, do JR e de uma série de outros artistas. Aí já havia uma abertura para utilizar outras técnicas, desde os paste ups a posters, passando pelo stencil. Já não interessavam tanto as letras, mas sim a simbologia. Deixou de se escrever um tag, para passar a ser um ícone. O graffiti tinha-se tornado tão prolífico que a única maneira de te destacares era fazer um símbolo.

Tornou-se minimal.
De alguma forma, sim, mas com o objetivo de comunicação gráfica no espaço público. O pós-graffiti não tem uma cidade berço, está ligado à internet, é filho a hipercomunicação, é o primeiro movimento artístico que não surge de uma cidade. Eu conseguia fazer uma peça em Lisboa, postar num blogue e o meu público eram 500 pessoas que passavam naquele sítio mas também quem via na internet a partir de Nova Iorque ou de outra cidade no mundo, uma escala que não tem nada a ver com a divulgação em fanzines, como antigamente. Hoje, todas as subculturas se tornam globais. O que eram subculturas locais passam a subculturas globais, mas continuam a ser uma subcultura, porque não são mainstream e implicam uma nova maneira de pensar.

O Iminente - Festival Urbano de Arte e Música foi criado por Vhils em 2016 e depois de Oeiras para para o edifício Panorâmico de Monsanto, em Lisboa. (FILIPE AMORIM/OBSERVADOR)

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Há muitos colecionadores privados com trabalhos seus?
Sim, sim. Comecei muito cedo no circuito das galerias, com 16, 17 anos, e não foi fácil, mas tive uma pessoa muito importante, a galerista Vera Cortês, que acreditou em mim. Não era normal um artista tão novo trabalhar com uma galeria. Fui crescendo a partir daí e hoje as coisas funcionam bem.

Ganha muito dinheiro?
O valor é o que o mercado dá e corresponde também ao percurso que tenho vindo a fazer ao longo de 15 anos. Muitas vezes, as obras atingem valores muito altos em leilão, mas eu não ganho nada. Os valores dos leilões não são os valores a que vendo as obras.

Acompanhou a polémica com a escultura de Pedro Cabrita Reis em Leça da Palmeira? A peça foi grafitada ou vandalizada?
Foi vandalizada, o graffiti é uma coisa de códigos, é diferente. Quando trabalhamos no espaço público, estamos sempre sujeitos a coisas destas, porque há sempre apropriação e desapropriação do espaço. O Pedro Cabrita Reis trabalha muito no espaço público, já lhe tinha acontecido isto. Mas não me revejo nas motivações por detrás do que aconteceu.

Terão sido motivações políticas, como se disse?
Acho que sim e é um reflexo dos tempos modernos. As coisas mudaram e há um lado de participação no espaço público e ao mesmo tempo com motivações que me parece serem irrefletidas. Todo o trabalho que o Pedro fez até hoje consegue atrair para um espaço muita atenção e comunicação. Respeito muito a carreira dele. A ideia do artista a sofrer no atelier, a fugir do senhorio e a mendigar ajudas tem mudado e tem de continuar a mudar. É importante que a arte consiga ser sustentável, que os artistas mantenham a sua independência. Há muita pessoas envolvidas no processo de criação de uma obra daquelas e isso deve ser valorizado.

O que eventualmente foi criticado foi o investimento por parte de um município, ou seja, do Estado. Já teve críticas do mesmo género?
Muitas das obras que faço são em zonas em que não há investimento público sequer, são pro bono. Há outras que são pagas e não tenho problemas com isso, tento ser justo e encontrar um equilíbrio, para depois poder ter margem para fazer outras coisas. Tenho a certeza de que acontece o mesmo com o Pedro. É a velha história: o artista pede por um quadro um valor que o colecionador acha chocante, mas vira-se para ele e diz: “Vai ver aquelas 50 mil telas que fiz antes e perceberás o percurso que fiz para chegar aqui.” Isto muitas vezes não é valorizado. O artista pode passar uma vida até conseguir chegar a uma forma final e muito desse percurso é feito de dificuldades.

"Todo o trabalho que o Pedro [Cabrita Reis] fez até hoje consegue atrair para um espaço muita atenção e comunicação. Respeito muito a carreira dele. A ideia do artista a sofrer no atelier, a fugir do senhorio e a mendigar ajudas tem mudado e tem de continuar a mudar."

No dia 21 de fevereiro inaugura nos EUA uma nova exposição, intitulada Haze, descrita como a sua primeira individual num museu americano. O que é que vai mostrar?
É talvez o fechar de um ciclo que percorreu várias cidades e que mais ou menos teve início em Lisboa, com a exposição no Museu da Electricidade [“Dissecção”, de 2014, com 67 mil visitantes]. Passou por Pequim, Hong Kong, Paris, agora vai aos EUA. É uma reflexão sobre a condição humana nas cidades atuais, o impacto do modelo de desenvolvimento que tem sido globalizado, o distanciamento físico que temos uns dos outros e a proximidade que criamos através de um ecrã. E depois há a questão da identidade, o que significa eu ser deste país e ele do outro, quando as pessoas estão altamente interconectadas. São questões muito presentes na sociedade e na política e isso está a gerar uma polarização. O trabalho inicial da exposição tenta fazer um slowdown da vida das cidades. Foi filmado a dois mil frames por segundo, o que acalma todo o processo, e confronta ruas de Xangai ou de Lisboa com ruas de outras cidades. Sempre me interessei por vídeo e é uma cosia que estou a revisitar cada vez mais. Depois há uma série de peças inspiradas em várias cidades, que vejo quase como fotografias ou fósseis contemporâneos daquilo que são as cidades e as pessoas.

Quais são os materiais desses fósseis?
Desde billboards ilegais retirados das cidades, até portas abandonadas, pedaços de parede. Tento utilizar materiais que a cidade vai expelindo. E há algumas técnicas novas, mas prefiro deixar no ar para já.

Há algumas peças da exposição no Museu da Eletricidade?
São todas novas, mas podemos dizer que dão continuação.

O que é que faz quando não trabalha?
Passo algum tempo com a família, mas sobretudo viajo. Gosto de ler bastante, mais ensaio que ficção, e gosto de artigos de jornalistas que fazem uma investigação equilibrada das coisas e me dão pontos de vista novos. Tento sempre perceber os vários pontos de vista, é uma característica pessoal.

Qual foi o último filme que viu?
Por exemplo, vi o Parasitas [de Bong Joon-Ho] e o Irishman [de Martin Scorsese].

E o que anda a ouvir?
O [rapper] Halloween é uma inspiração muito grande, mas posso citar também o Chullagge, o Branko, o Dino d’Santiago, a Mayra Andrade. Oiço de tudo um pouco.

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