Há poucos dias, junto à praia de Espinho, era fácil encontrar alguém que tivesse assistido à gala de entrega dos Óscares em Hollywood. Não como mero convidado, mas sim como um dos grandes nomeados do ano. Especificamente pelo filme “A Favorita”, de Yorgos Lanthimos. Como nenhum filme se faz sozinho, Lanthimos, realizador grego que se tornou num fenómeno em Hollywood com uma obra bizarra e humana, foi buscar outro grego e outro homem com o mesmo primeiro nome: Yorgos Mavropsaridis, um dos seus fiéis parceiros e editor favorito.
A propósito da edição deste ano do Fest — Novos Realizadores, Novo Cinema, Mavropsaridis rumou a Espinho para dar uma masterclass sobre montagem, na qual desvendou um pouco do seu método, o mesmo que aplicou em filmes como “A Lagosta”, “A Favorita” ou “Pobres Coisas” (este último é o novo de Lanthimos, com estreia marcada para este ano). Em entrevista ao Observador, desvendou pequenos segredos e tantas outras histórias de bastidores que rodearam a já sua longa carreira na indústria do cinema. Mavropsaridis é um estudioso deste ofício, daqueles que procuram explicação, através da neurociência, da filosofia e da psicologia, para o porquê de conseguirmos compreender o que está na grande tela. Mas gosta tanto ou mais do seu espaço privado e de andar, andar e andar.
Aos 68 anos, e a viver em Atenas, mesmo já dizendo-se “velho”, não faz nenhuma questão de se reformar. Por vir de um país pequeno, e por ser um dos melhores, cinco das dez comédias de maior sucesso do país têm o seu nome inscrito nos créditos. Nada disso muda uma linha do seu processo, quer o filme custe 20 mil euros, como aconteceu com o primeiro da parceria com Lanthimos (“Kinetta”), 15 milhões (“A Favorita”) ou mesmo 50 milhões (“Poor Things”). Na Grécia, por não existir sistema de produção, qualquer um pode fazer o que bem lhe apetecer. O que é uma vantagem e um problema: se só há espaço para experimentar, onde fica a indústria que gera dinheiro? Só se as plataformas de streaming se interessarem. “Não sei se têm muito interesse. Somos cerca de dez milhões no país e outros dez no mundo. Acho que não é mau. Uma das boas coisas que a Grécia tem é que cada um pode fazer o que quiser. Não há sistema de produção. Pode-se experimentar, há muita liberdade para o criador. Só que depois é preciso ser auto-controlado na criação. Esquecemo-nos de que cinema é dinheiro.”
E para fazer dinheiro e prosseguir os estudos, Yorgos esteve na London Film School sem cumprir um dos requisitos — ter um guião ou obra já feita — para entrar. Salvou-o John Fletcher, professor e um dos participantes do Free Cinema Movement, movimento de contra cultura cinematográfica britânica mais ligado ao documentário, que o ajudou a ajustar-se a uma realidade em que um estrangeiro tem de se integrar numa indústria em que o acolhimento não é a especialidade. Quis ser ator, tornou-se professor, tocou violino durante 15 anos — mas só a partir dos 38 é que começou a aprender — e, para sobreviver a trabalhar em mais de 40 curtas-metragens, fez dinheiro na publicidade, uma das poucas formas de aumentar as finanças ao mesmo tempo que se experimentava outro tipo de linguagem cinematográfica. Talvez tenham sido os filmes de Alain Resnais, que tanto o mudaram, a dizer-lhe que tinha mesmo de ser este o seu caminho. Difícil, mas viciante. Duro, mas recompensador. “Demorei muito tempo para fazer a primeira longa-metragem. Ficámos sem dinheiro, duas semanas de rodagem desapareceram. Tivemos de inventar e salvar o filme na edição. Foi difícil para o Lanthimos aceitar-me, gozava comigo porque fazia comédias de sexo. Ser editor é uma forma de estar na vida”, confessa.
[o trailer oficial do filme “Poor Things”, filme que se estreará em Portugal ainda este ano:]
Diz a tradição que um filme começa com o guião e termina na edição. Mas a edição pode ser também o início?
Quando falo de edição refiro-me mais à montagem, há diferenças. Começa quando o criador compõe o primeiro frame. Isso é edição. Do todo, tiramos uma parte. Já é uma seleção. Começa muito cedo. A minha masterclass é também sobre isso, tenho um interesse especial em como a mente absorve e cria realidades, de como funciona todo esse processo e onde entra a montagem.
As lógicas da mente humana fascinam-no. Quando é que começou esse interesse? E tem reflexo no cinema?
A primeira vez foi na London Film School. Percebi como o cérebro forma os códigos para vermos as cores, a dimensão, o espaço. É uma construção. Estudei muito, comecei a trabalhar e depois, mais tarde, há um ano, comecei a olhar e a ler sobre neurociência, que tem avançado muito. A grande questão era: porque é que cortar para um plano ou fazer close up faz sentido? Faz, de facto, sentido. Funciona para toda a gente no mundo. E funciona por causa da maneira como a mente funciona.
Mas nessa busca mais científica não se pode perder um pouco o fascínio pela arte da montagem? Onde está o mistério?
Sou uma parte do processo de edição. Começa muito cedo, com a ideia do criador que depois combina com outras partes mais pequenas. O que a arte faz, não só no cinema mas também na pintura ou na literatura, é quebrar a realidade em fragmentos e depois a composição tem de acontecer no cérebro. Tenho de tirar e inserir os códigos. É um processo. O mistério nunca se perde porque nunca conhecemos a realidade. O acesso é limitado pelos nossos sentidos. O cinema pode dar-nos pistas sobre outras realidades.
Através da neurociência, fez alguma descoberta que o impressionou e que usa no seu trabalho?
Visualmente há duas categorias de realização: uma é a representação de certas realidades. Podemos falar do estilo clássico americano, mais objetivo, os planos longos, por exemplo. Depois há quem crie novos ambientes, como o Jean Luc-Godard Godard ou o Alain Resnais. Apresentam outra visão da realidade. O mistério, lá está, nunca se perde. Temos pouco conhecimento do que se passa, na verdade. A arte e a ciência dão-nos certas opções. É contido. No filme “Blow Up”, do Michelangelo Antonioni, a fotografia dissolve-se em graça para nós, no fim. Discuti estes temas há duas semanas, em Atenas, num evento da Rolex, se seria possível codificar a edição, como o pantograma. Até certo ponto, sim. Mas tudo tem de criar a sua própria linguagem.
Como olha para a Inteligência Artificial?
Não sabemos o que vai acontecer. Mas os exemplos anteriores dizem-nos que o que importa é a forma como a vamos usar. A tecnologia pode ser usada, mas temos de estar em controlo do processo. Há uma grande diferença. Não sei se a Inteligência Artificial pode ser intuitiva. O nosso entendimento não é só emocional, é uma combinação. A intuição também está lá. Há diferentes pessoas que experienciam a realidade de diferentes formas.
A sua colaboração com Yorgo Lanthimos tem conseguido “furar” o mainstream com um estilo muito particular. Consegue perceber porque é que a audiência e a atenção mediática sobre os vossos filmes tem crescido?
Acho que apareceram na altura certa. Para mim, foi um grande salto. Com o Lanthimos fiz muitos anúncios. Vi que estava perante um criador que queria ter uma linguagem pessoal. Vários dias a filmar, 50 a 70 ao ano, tínhamos controlo e uma ideia para fazer dinheiro e experimentar. Quando fazíamos anúncios, estávamos também a experimentar, na verdade. Depois fizemos o “Kinetta”, tinha outro estilo, foi um grande oportunidade e depois veio o “Dogtooth”, à semelhança do filme “Dreamers”, do Bernardo Bertolucci. Tive de abandonar algumas ideias, o Lanthimos não é um grande conversador, eu também não. Antes de começarmos a filmar, o Lanthimos enviou-me o guião e a ordem das cenas era quase aleatória. Podíamos filmar três cenas diferentes que podiam não jogar umas com as outras e só uma delas ser usada.
Como um puzzle.
Exato. Estávamos a tentar encontrar diferentes formas de expressão. Não o fizemos para evitar a fórmula tradicional de continuidade na edição. Era também para preservar a sua visão do que significava ser humano. É um filme muito existencial.
A forma como trabalham juntos tem mudado ao longo do tempo e dos filmes?
Foi sendo construída. Seguimos o mesmo processo. O “Kinetta” custou 20 mil euros. Não era nada. “Dogtooth” não foi muito mais: 150 mil euros, mas tínhamos controlo e tempo. Não foi preciso dar a um produtor, ter a sua aprovação. Não reavemos dinheiro. Acho que continuamos a trabalhar da mesma forma. Ele gosta de ter total controlo. Tem o chamado final cut. E mais importante, protege o processo de edição de todas as influências exteriores. O processo criativo tem a ver com proximidade física, funciona, por vezes, através do subconsciente, por isso é preciso ser-se um pouco psicólogo para perceber o outro. Dou os meus conhecimentos para chegar ao que o realizador quer. Por vezes, comparo este processo à música tradicional grega: há várias formas de a apresentar, mas podemos ir de código em código no mesmo caminho. Percebo, hoje em dia, o que o Lanthimos quer. O que gosto mesmo nele é que gosta de experimentar.
Houve algo que o Lanthimos lhe tenha pedido e que lhe tenha parecido impossível?
Não, não. Nada é impossível. Seria uma derrota se dissesse que não conseguia fazer.
Também trabalhou no “Poor Things”?
Sim.
Esta é a primeira vez que vocês entram no mundo fantástico. Trabalharam de forma diferente? Ou também é o mesmo processo?
Não gostamos de nos repetir. “Poor Things” era um dos projetos que ele adorou logo no início. Foi para a Escócia depois de terminarmos o “Lobster”. Encontrou-se com o autor do livro, Alasdair Gray, ainda estava vivo. Pediu-lhe que lhe desse os direitos e deu. Claro que agora não está vivo para ver o filme, mas Lanthimos sempre quis fazer este projeto. Foi muito caro. A primeira vez que foi tudo filmado num estúdio. Todos o sets foram construídos.
Para si é sempre o mesmo, independentemente do orçamento?
Sim. É o mesmo processo, é indiferente que filme é, desde que seja verdadeiro em relação à visão do Lanthimos. Com tecnologia não é preciso ir para os cenários, recebo o material à distância. No “Lobster”, sim. O “Killing of a Sacreed Deer”, estava a ser feito nos Estados Unidos da América e editei o filme em Atenas através de Londres. O “Poor Things” foi filmado na Hungria num grande estúdio, mas hoje em dia, é fácil transferir materiais. Os grandes estúdios têm esses mecanismos para que chegue tudo de forma rápida.
Mudemos a agulha da conversa. Com a “Favorita” houve um grande buzz à volta do Lanthimos e da sua equipa. Sentiu-se estranho por estar dentro do star system?
Não é o meu ambiente. Tem a ver com a mentalidade e a psicologia de cada um. Sou dos poucos que decidiu, desde o primeiro ano da escola de cinema, que queria ser editor. Não conseguia lidar com muitas pessoas. Era preciso realizar, era preciso fazer a fotografia, mas sabia que queria ser editor. Tinha talento, um dos meus professores apoiou-me muito. Para ele era importante que conseguíssemos confrontar os outros. Escreveu-me uma carta num diploma e disse que finalmente conseguia olhá-lo nos olhos. Percebi-o, não fiquei surpreendido. Sentia-me…
…um outsider
Não é isso. Gosto da minha privacidade, tenho dificuldades em comunicar com muita gente. Admiro o trabalho dos realizadores porque não o conseguiria fazer. Nunca percebi também a fotografia, não era bom. Percebia de edição.
Antes disso, como é que descobriu o gosto pelo cinema?
Não comecei como editor. Por mais louco que pareça, queria ser ator. Fui para a escola de drama, mas logo no primeiro ano decidi que não ia escolher esta profissão. Mas a experiência foi incrível, acabei o curso em Atenas. Depois tive de encontrar uma forma de me sustentar. Sai da Grécia porque a minha mãe casou e foi para os EUA. Decidi ir para Londres. Queria continuar os estudos porque não sabia que havia a abordagem técnica e profissional. Fui aceite na Escola de Cinema de Londres. Tive um professor que me aceitou e que participou no Free Cinema Movement, o John Fletcher, com uma mente mais aberta. Eu não tinha um guião nem nada, não tinha feito um filme, o que tipicamente é preciso para entrar, mas falei com ele, disse-lhe que trabalhei durante os meus estudos, na área da pós-produção e como assistente de editor para fazer dinheiro. Acabei por entrar. Foi assim que comecei.
Depois de Londres foi para onde?
Foi muito difícil. Comecei em Londres, a London Film School não era subsidiada, estava quase a fechar. Os professores decidiram ficar com a London International Film School. Não era lucrativo, mas era suficiente para pagar as instalações, os negativos, etc. Foi uma experiência muito boa, muito prática. Tornei-me professor em Atenas, o que me deu a oportunidade de explorar os estudos sobre cinema. Uma abordagem mais teórica.
Também trabalhou com realizadores gregos.
Sim. Estou entre gerações. Todos nos conhecemos no mercado dos anúncios. O objetivo de trabalhar nessa área era fazer dinheiro e experimentar.
Muita gente em Portugal que está em cinema começou em televisão.
Sim. A televisão na Grécia não era tão criativa. Os anúncios eram uma boa escolha, queriam que tentássemos algo novo. Claro que agora mudou. Tem tudo a ver com a profissionalização e não com o lado artístico, como era antes.
Acha que com o sucesso dos filmes em que tem trabalhado, o mundo está interessado no cinema grego?
Há um foco maior, sim. Trouxe mais dinheiro, há produções estrangeiras a vir para o país. Não sei se usámos bem esta oportunidade, infelizmente.
Porquê?
Porque o Estado grego não foi forte o suficiente para fazer exigências. Em França, a Netflix paga uma taxa alta para o Instituto de Cinema Francês. Na Grécia não se paga nada. Infelizmente. Mais gente trabalha, claro. É melhor assim, mas não sei até quando pode mudar se o dinheiro acabar.
Tem medo que as plataformas de streaming capturem o cinema grego?
Não sei se têm muito interesse. Somos cerca de dez milhões no país e outros dez no mundo. Acho que não é mau. Uma das boas coisas que a Grécia tem é que cada um pode fazer o que quiser. Não há sistema de produção. Pode-se experimentar, há muita liberdade para o criador. Só que depois é preciso ser auto-controlado na criação. Esquecemo-nos de que cinema é dinheiro. Há um interesse comum entre nós e o produtor: ele quer ter o seu dinheiro, nós queremos continuar a trabalhar.
Voltando ao tema da neurociência. O editor pode ser um terapeuta? É preciso controlar o ego do realizador?
Não é sobre o ego. Quando era novo, podia perceber o que está a perguntar, mas ao ficar mais velho, a edição ajudou a manter a plasticidade do meu cérebro. É mais fácil perceber a outra pessoa. Temos uma palavra em grego para ofício e arte. Somos artesãos. Estou a tocar a música de alguém. O criador é quem concebe a ideia. Temos de seguir a sua visão, qualquer que seja. Não aceito fazer um determinado projeto porque é melhor para mim, é porque acredito na visão, acredito que estamos a ir no caminho certo.
Tem de se ser diplomático.
Houve uma pessoa que me disse que tinha o sonho de fazer um filme. No fim, percebi que o meu nome não estava nos créditos. Claro que pergunto se queremos mesmo ir por determinados caminhos. Só peço que, passado dez anos, não me venham dizer que não gostaram do que fizemos. Ninguém sabe qual será o resultado. Temos de deixar que o realizador siga o seu sonho até ao fim.
Foi difícil ser um jovem grego que queria ser editor?
No início, sim. Fiz cerca de 40 ou 50 curtas-metragens sem ser pago só para conhecer a indústria. Não havia dinheiro. Dava-me experiência. Demorou muito tempo para fazer a primeira longa-metragem. Ficámos sem dinheiro, duas semanas de rodagem desapareceram. Tivemos de inventar na edição.
Qual era o filme?
“The Enchantress” [“I Skiahtra” em grego]. Felizmente ganhei o prémio de edição com o meu primeiro filme. Foi fantástico, uma rara oportunidade porque precisavam de uma pessoa como eu. Tenho a habilidade de construir algo com o que falta. Fiz comédias, também. Das dez com mais sucesso na Grécia, fiz para aí umas cinco. Foi difícil para o Lanthimos aceitar-me. Gozava comigo porque fazia estas comédias de sexo. É engraçado.
A comédia é um género que se dá bem em países pobres como Portugal e na Grécia.
Em todo o lado. O cinema pode brincar com as expectativas da mente, de dar o que o espectador quer ou pode ser desafiador. Daí falar do tempo certo para o Lanthimos. Na Grécia não aceitaram bem o “Dogtooth”.
Porquê?
Não sei. O “Kinetta” e o “Dogtooth” não foram bem aceites. Se não tivéssemos feito um bom trajeto em Cannes ou nos Óscares, não acredito que resultasse. Era muito diferente. Acharam que era um ataque à família cristã. Houve gregos mais velhos que viram o filme, tinham uma relação diferente com a nostalgia e diziam: “Isto não é a Grécia, o que foram fazer?”. Estavam hesitantes.
A mentalidade grega mudou muito?
Ainda é conservadora. Houve mudanças, sim. O cinema também mudou. Antes, toda a gente queria imitar os filmes do Theo Angelopoulos. Ele era Deus. Os mais jovens imitavam-no. Com o Lanthimos foi o mesmo. Não acho isso bom, devemos ter a nossa abordagem.
Mas copiavam deliberadamente?
Não. Mas a influência estava lá. A única forma de um cinema como o português ou grego de ter sucesso é chegar aos festivais e ganhar um prémio. Se tiver sorte, pode ser que encontre um realizador com uma mente mais aberta. Depois do “Dogtooth”, recebemos 100 mil euros para o filme seguinte, o “Alps”. Só que a seguir, através de fundos europeus, fizemos o “Lobster”, que tinha um grande guião. Deram-nos 600 mil euros, o máximo. Ainda não estava terminado, porque os ingleses não queriam apoiar: não havia nenhum ator conhecido. Encontramo-nos com o Colin Farrell, adorou a história e decidiu fazê-lo, e aí deram-nos mais um milhão de euros. Se tiverem uma estrela, o dinheiro consegue-se. Quando estávamos em Cork e fomos para Dublin, o Colin estava num centro comercial e muitas pessoas apareceram. Tinham um grande estrela do país, é irlandês mas vive nos EUA.
Como é que se vivia só a fazer curtas-metragens?
Lá está: com o dinheiro dos anúncios. No início, durante dois anos, estive numa empresa de pós-produção.
Nunca pensou em ir para a América?
Estive cinco anos em Londres. Tentei também trabalhar nos EUA. Percebi o difícil que era ser um estrangeiro. De ser aceite na indústria do cinema. Era mais fácil nos EUA, possivelmente. Mas não fui. Não me tornei editor no panorama anglosaxónico. Tive de provar o meu valor. No “Lobster”, os meus assistentes não me respeitavam muito porque não era um nome grande. É estranho, mas acontece. Só que nos EUA pode-se ser o que se quiser, porque estão lá pessoas de todo o mundo. Uma nomeação aos Óscares funciona também assim: é aceite, mas depois há filmes que não podem ser feitos se o editor não estiver no top dos dez melhores. Apoiam o talento que lhe traz dinheiro [ri-se]. Claro que assumem riscos. Dou-lhe o exemplo do “A Favorita”, teve muito sucesso a nível comercial, mas o “The Kill of a Sacreed Deer”, que considero um melhor trabalho a nível de edição, não foi tanto.
Porque é que considera melhor?
Não é bem melhor. Porque tentámos fazer algo que não era um género, mas ter os resultados do género de terror, mas com significados diferentes. No “A Favorita” mudámos muito a estrutura clássica, as diferenças são visíveis, mas é guionado, um pouco como o “All About Eve”. O “Killing of a Sacred Deer” achei que era mais original, nunca tinha visto algo assim. Nos EUA dizem que é “entre géneros”.
Algo fluído.
Sim. Vimos isso com os filmes do Godard, por exemplo.
Que filmes é que o influenciaram?
Maioritariamente, os filmes do Alain Resnais. Mudou-me completamente. Depois interessei-me pela psicologia, o que significa ser humano, porque é que as pessoas tomam decisões.
Descobriu-os sozinho?
Sim. Comecei a interessar-me pela construção do filme em si mesmo. Na altura em que era estudante, quase todos os meus amigos eram atores. Víamos o filme dessa perspetiva. Comecei a ver também Robert Bresson, onde o ator não é o principal, é um manequim, é um elemento numa estrutura maior.
Prefere ver os clássicos?
Não é bem assim. Fiquei impressionado com o “Under The Skin”, do Jonathan Glazer, por exemplo. Temos o mesmo designer de som. Não gosto dessa ideia das plataformas de streaming comprimirem a criação. É como ir ao supermercado. Um catálogo de produtos. Fazer as mesmas coisas.
Acha que essa forma de produzir e realizar vai mudar o público?
Sente-se falta do poder do cinema em mudar as mentes.
Também estamos na era da nostalgia. Muitos remakes a serem feitos.
É uma forma segura. Há segredos dentro da indústria. De explorar ao máximo uma forma de fazer. Essa nostalgia existe, sim. Falamos sempre da era dourada, da era de prata, é normal o ser humano ser nostálgico por algo.
Se se fartar de edição, não gostava de tirar um curso sobre neurociência ou psicologia?
Acho que estou velho para isso. Não acredito que me vou fartar. A edição é uma forma de estar na vida. Estive muito tempo ausente de quem me era próximo. Primeiro o trabalho, depois as minhas filhas e a seguir, eu. O propósito da minha existência é ser bom em algo. Concentrar-me. É uma forma de estar na vida.
As filhas também trabalham em cinema?
Sim. A mais velha está a estudar em Drama, que é uma cidade na Grécia. A mais nova terminou o curso de violino. Também estudei violino durante 15 anos. Agora vai fazer um mestrado.
Não lhes disse que seria muito complicado?
Falo mais com a mais velha. Porque na Grécia é difícil ser realizador. Aliás, na Europa. É um trabalho duro. Não a vou parar de escolher o que quer e ajudarei no que puder. Nunca se sabe. Não é fácil dizer a alguém para não seguir os seus interesses. E é preciso ser responsável pelos seus atos.
Fale-me do violino.
Comecei a estudar violino com 38 anos. Tinha curiosidade em perceber como se fazia. Era um desafio, durou 15 anos. Só que depois percebi as limitações. Por onde ia a seguir? Tinha de me dedicar a 100%? Tinha de tocar em grupo? Ajudou-me muito, ainda assim.
Deu concertos?
Não tinha um grande nível para isso. Mas podia tocar Bach ou Vivaldi. Também toquei música tradicional grega. Na Grécia é preciso ter alguém com experiência para ensinar. Não há um conservatório de música grega no país.
Tem de estar muito tempo dentro de uma sala. Quando pára, o que é que escolhe fazer?
Ando muito. Gosto de ler. Por aí. Coisas pequenas.
As pessoas reconhecem-no onde vive?
Não muito. Posso ter uma vida privada. Algumas, sim. Sou só um editor, não sou nenhuma estrela.
Já alguma vez viu algum filme português?
Oliveira! E o “Tabu” do Miguel Gomes.
Gosta da montagem nos filmes do Manoel de Oliveira?
Sim, acho muito interessante.