Os avós são o colo que todas as crianças deviam ter
Os avós não são só pessoas, não são só familiares mais velhos, não são só aquelas boas almas que dão mimo (e doces) sem terem de dar educação (porque para isso estão lá os pais). Os avós são, na verdade, instituições. São enciclopédias vivas, poços de sabedoria (mesmo que seja popular e não científica, embora por vezes, ambas tenham a alegria de coincidir), são amor em estado puro. Falamos, claro, dos avós que prestam, que também existem os que nunca foram boa gente em novos, e não é em velhos que se transformam em unicórnios de bondade. |
Dia 26 de Julho (a próxima quarta-feira) celebra-se o Dia dos Avós. Tirando o Natal, em que faço questão de cumprir a tradição toda à risca, ligo pouco a “dias de”. Acho que se não ligamos à mãe, ao pai, ao namorado, às pessoas com deficiência, às crianças, à mulher nos dias todos da nossa vida, então não é um dia que vai resolver o assunto. Ainda assim, dá-me jeito como “gancho” para esta newsletter. Aproveito o Dia dos Avós para falar sobre essas entidades mágicas que, quem tem a sorte de ter, deve estimar como quem estima uma preciosidade, e aproveitar cada história, cada ensinamento, cada partilha, porque – acreditem – vos vão ficar para a vida. |
Tive dois avós muito presentes na minha infância: os pais da minha mãe. O meu avô morreu quando eu tinha uns 10 ou 11 anos, a minha avó partiu na minha pior fase, quando era uma adolescente insolente, malcriada e autocentrada, o que me deixou, durante algum tempo, com um sentimento de culpa valente pelo tempo que não lhe dediquei. Depois, apaziguei-me. Afinal, eu estava só a viver uma fase muito particular da vida, e não podia imaginar que ela não vivesse para acompanhar outros períodos bem menos umbiguistas da minha existência, em que teria seguramente usufruído bem mais e melhor da sua presença. É o que é. |
Os meus avós viviam em Campolide e era para lá que eu ia depois da escola e também, por vezes, nas férias. É engraçado porque, apesar de Campolide ser uma zona central de Lisboa, naquele tempo os meus avós tinham um quintal com galinhas e coelhos e uma horta enorme de onde tiravam os hortícolas que consumíamos. Assim, fui uma criança da cidade, mas também, de certo modo, uma miúda do campo, não se contando as vezes em que ajudei a retirar favas e ervilhas das vagens, em que dei milho às galinhas e talos de couve aos coelhos, e em que fui com o meu avô regar a horta e vê-lo a semear e a colher. |
A minha avó não sabia ler nem escrever, mas isso não a impediu de me ensinar muitas coisas. Como a minha mãe costuma dizer, a avó era um excelente “ministro das finanças”. O meu avô ganhava o seu ordenado, dava-lhe todo o dinheiro para a mão, e era ela quem o fazia esticar até ao impossível. O meu avô, com bom olho para o negócio, conseguiu comprar uns terrenos para aumentar o património, e foi assim que a família melhorou de vida e a minha mãe, filha única, pôde estudar alemão e tornar-se tradutora. |
Eu e a minha avó tínhamos uma cumplicidade boa. Quando a minha mãe vinha com mau feitio do trabalho, e disparava farpas em várias direções, eu e a avó revirávamos os olhos ao mesmo tempo, o que me dava o conforto de sentir que tinha alguém (um adulto, ainda para mais) do meu lado da barricada. A minha avó perguntava-me todos os dias o que queria almoçar, e todos os dias eu respondia a mesmíssima coisa: bife com batatas fritas. Vinha o bife, vinham as batatas, e quando o bife já tinha terminado, as batatas continuavam a vir, como se fossem uma cascata interminável que me saciavam a alma, ainda mais do que o estômago. Nunca mais comi batatas como as da minha avó, até ter comprado o monte em São Cristóvão (Montemor-o-Novo) e a Bia, do restaurante com o nome da aldeia, ter pousado à minha frente uma travessa que me fez recuar de forma esmagadoramente comovente à minha infância, e às deliciosas batatas fritas da minha avó. |
Os avós enriquecem a vida dos netos porque, quando cumprem o suposto, são colo, são mimo, e até se diz que “estragam” o trabalho que os pais fazem. É falso. Os pais são por vezes muito exigentes, apostados que estão em criar super-humanos. Os avós, pela experiência que já levam de vida, sabem de cor que não há cá super-humanos e que o que conta, mais do que tudo, é o amor. Seja o amor traduzido em açúcar a mais, uma nota passada para a mão escondida dos pais (quase como se fosse droga), um sim dado quando os pais tinham dito que não, ou uma piscadela de olhos conivente. Vale a pena ver este vídeo da UNICEF sobre a importância dos avós na vida dos netos. |
Quando sei de histórias de pais que odeiam os sogros e que afastam os filhos da convivência com os avós, sinto sempre que essa é também uma forma de mau-trato. Os avós acrescentam (repito: a menos que sejam pérfidos ou psicopatas ou más reses em geral) e privar as crianças da sua companhia, dos seus abraços e da sua doçura é cortar uma parte importante da sua infância. Já para não falar do bem que os netos fazem aos avós – a alegria e rejuvenescimento que lhes trazem, o facto de terem, por vezes, uma segunda oportunidade de fazerem melhor tudo aquilo em que sentem que falharam quando foram pais. |
Eu já privei os meus dois filhos mais velhos da convivência com o meu pai, não por uma maldade consertada, mas porque estivemos anos sem nos falar. Se ele me tivesse pedido para conviver com os miúdos, tenho a certeza de que o permitiria, mesmo continuando nós os dois de costas voltadas. Mas, como a zanga dele se estendeu aos meus filhos, assim ficámos, muito mais tempo do que gostaria que tivesse acontecido. |
Ainda assim, decidi inventar uma história para aquele avô ausente. Numa idade tão precoce, não quis mostrar aos meus filhos o lado escuro dos seres humanos ou virá-los contra o avô por contas que não eram deles, eram nossas. Então, inventei que o avô andava a viajar pelo mundo, que era um excêntrico que queria conhecer todos os lugares. Assim, de quando em vez, eles perguntavam-me onde andava o avô que não conheciam e eu enumerava lugares recônditos do planeta: agora está em Luang Prabang, esta semana andará pelo Malauí, no mês passado subiu ao Kilimanjaro. E eles sorriam a imaginar o avô na muralha da China, a ver a desova das tartarugas em São Tomé, a caminhar ao lado de cangurus na Austrália. Às vezes perguntavam quando o veriam, e eu respondia a verdade: não sei, talvez ele volte, um dia, talvez não. |
Quando a minha irmã se casou e avisou a família com uma semana de antecedência (foi a sua maneira de resolver um tema que nos consumia a todos – à bruta, sem paninhos quentes, e agora descalcem a bota como quiserem), reuni os meus rapazes no quarto e expliquei tudo. O Martim tinha 5 anos, o Manel teria 8 ou 9, e eu só pensava que efeito teria neles aquela revelação. Acabou por ser mais ou menos como dizer que o Pai Natal não existe, com um twist mais agradável: o avô podia não ser um explorador incrível mas, ao contrário do Pai Natal, existia, e eles iam finalmente conhecê-lo. E assim se resolveu tudo, e desde então é um avô presente na vida de todos os netos, como deviam ser todos os avós. |
Na próxima quarta-feira, é Dia dos Avós. É dia dessas entidades mágicas que contam histórias divertidas, assustadoras, místicas, sábias, que falam de tempos que parecem só existir em livros, mas que eles viveram para contar. Para contar aos netos, sentados no seu colo, extasiados e protegidos, comendo bolachas mergulhadas em leite morno. Façam um favor aos vossos filhos e aos vossos pais ou sogros: não os privem uns dos outros. |
Vale a Pena… |
… … Ver Symphony of Sorrows Cantata, no Funchal (Madeira)
Mesmo que eles torçam o nariz, é sempre bom treinar-lhes os ouvidos e o olhar para a arte. A Companhia Nacional de Bailado apresenta um programa que combina abordagens e ambientes num espetáculo para crianças a partir dos 6 anos.
Symphony os Sorrows tem um ambiente denso, soturno, em que o coletivo revela ser a força da superação dos caminhos, por vezes complexos, da Humanidade. Dito assim parece demasiado hermético, mas os miúdos acabam por apanhar mais do que nós imaginamos. Cantata reflete tradições populares e musicais italianas, uma espécie de festa comunitária italiana onde a música é o elemento inspirador, contagiando bailarinos e público.
Dias 22 e 23 de Julho, às 18h00. Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal. Bilhetes por 15,30 euros
… Assistir à opera Carmen, de Bizet, no Porto
É uma das óperas mais celebradas e apresentadas no mundo, devido à qualidade excecional da música, da riqueza das personagens — ciganos, contrabandistas, toureiros, soldados — e de uma história que envolve amor, rebelião, liberdade e tragédia. Tive a sorte de ver esta ópera na arena de Verona, Italia, e veria com gosto de novo, agora no Coliseu do Porto Ageas.
Sábado, 22 julho, às 21h. Bilhetes entre 15 e 40 euros |
… Ler o livro Desista, vai tudo ficar péssimoVou ser honesta: ainda não li. Mas o título já me ganhou, assim como o subtítulo: “Um livro de auto-desajuda para nos rirmos da desgraça que é estarmos vivos”. O autor, Henrique Costa Santos, debruça-se sobre as principais dimensões da nossa existência, como o amor, as finanças, a família, a saúde, o sexo, ou a autoestima. “Um livro para os profissionais na arte de estragar tudo no momento em que a vida parecia finalmente compor-se. Só que não: vai ficar tudo péssimo.”
Excelente. Tipicamente o meu género de humor e de “coach”.
(ed. Oficina do Livro)
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Sónia Morais Santos é autora do blogue “Cocó na Fralda“. Ex-jornalista, tem quatro filhos e dois cães, já passou por vários jornais e revistas em Portugal e publicou quatro livros [ver o perfil completo]. |
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