Afinal de contas, o que é desvalorizar a brincadeira? Brincar é só para as crianças? Não. Deve começar na infância. Tem de começar na infância!

Hoje em dia, de forma geral, a Escola faz das crianças pequenos prisioneiros, onde não lhes é permitido brincar, cair, magoar, lidar com todas as emoções relacionadas com a brincadeira… Brincar equilibra as crianças, faz com que elas se desenvolvam a nível motor, cerebral e emocional. Brincar ativa o lado direito do cérebro, lado esse associado à criatividade, às emoções, à imaginação… Retirando ou diminuindo o tempo de brincadeira na infância retiramos o direito que estas crianças têm de desenvolver uma parte tão importante do cérebro.

As crianças sempre brincaram… mas no fundo o que é brincar? Brincar é passar tempo de qualidade, sem pensar no que se está a viver e onde muitas vezes se dá asas à imaginação. As crianças veem muitos mundos diferentes, muito além do mundo que nós adultos vemos. Além desses mundos todos, brincar cria em cada criança o seu próprio mundo, ensinando-lhe a lidar com os seus próprios sentimentos, emoções e frustrações, no fundo a lidarem com eles mesmos, enquanto seres humanos.

Todos os seres humanos têm sentimentos, emoções e frustrações e se  tentarmos proteger as crianças ao ponto de não as deixar viver, sentir e ultrapassar frustrações, estamos a criar adultos muito menos capazes a estes níveis, o que pode levar a graves problemas de autoestima e psicológicos na vida adulta. Uma criança que desde cedo se sente capaz de lidar com os seus sentimentos e com o seu corpo, será um adulto muito mais consciente de si e dos seus atos. Brincar é liberdade, autonomia, risco e segurança.

Quantos de nós chegamos à idade adulta e nos sentimos presos, pouco autónomos, com medo de arriscar e muito pouco seguros de nós e do que nos rodeia? Brincar faz parte do desenvolvimento das pessoas, ou deveria fazer. Então porque é que as crianças deixaram de brincar? Devido à pandemia? Certo. A liberdade de ser e existir de todos os seres humanos foi comprometida, mas e antes da pandemia? As crianças brincavam no verdadeiro sentido da palavra? Como eram os recreios das escolas antigamente e como são, na sua grande maioria, os recreios das escolas atuais? No meu tempo (não há muito, pois só conto com 27 anos) tínhamos areia, árvores, jogávamos sem regras pré-definidas pelos adultos, pois nós fazíamos as nossas próprias regras de jogo, aumentando, assim, a capacidade de decisão, social e mental.

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Queremos proteger as crianças à força do mundo. A verdade é que as crianças, antes de o serem, são humanos, tal como cada adulto que já foi criança. Elas têm personalidades próprias, opiniões próprias, formas de brincar próprias e diferentes formas de ver o mundo. Temos muito a aprender com elas, se as deixarmos ser e se as ouvirmos.

A partir do momento que substituímos as caixas de areia por chão de borracha, a partir do momento que não deixamos as crianças subir às árvores, a partir do momento em que obrigamos as crianças a ter tardes a fio ocupadas com “tempos livres” que de livres não têm nada, o que estamos a fazer? Estamos a protegê-las? A areia é suja relativamente ao chão de borracha? Na praia também há areia, e o contacto com a natureza, por muito que seja no meio da cidade faz com que as crianças criem mais defesas, logo ficam muito menos vezes doentes. Não deixamos subir a uma árvore porque pode cair e magoar-se? Posso garantir que as crianças sobem a árvores com uma enorme facilidade e descem da mesma forma. Cair é raro. E se caírem? Se caírem levantam-se. Não é assim que temos de fazer na vida?

Estamos a tirar o direito à criatividade na idade onde o ser humano é mais criativo, protegemos tanto, que no fundo só prejudicamos. Não podemos retirar a liberdade de aprender a ser, de aprender a lidar com o seu corpo e sentimentos a ninguém, pois isto só leva a frustrações e muito pouca autonomia no seu dia a dia. Estamos a criar analfabetos motores, que chegam à vida adulta cheios de medos e sem noção alguma do próprio corpo e do que ele consegue fazer, e acreditem, se formos estimulados a brincar desde a infância, chegamos à idade adulta a fazer coisas incríveis.

Criámos uma cultura onde aprender se resume a manter uma criança 8 horas por dia na escola, onde o tempo de brincadeira é limitado e cheio de regras, cortando-lhes a imaginação que é tão necessária e além disso saem da escola para atividades extracurriculares, muitas vezes impostas pelos pais, que as crianças nem sequer gostam, ou os chamados “tempos livres” que de livres nada têm como já referi anteriormente. Nós adultos gostamos que nos obriguem a ir correr se nós gostamos é de fazer surf? As crianças são seres humanos, com muita capacidade de escolha. Deixem as crianças ser quem são, para não estarmos a educar adultos que se subjugam a tudo sem questionar o porquê das coisas. A idade dos porquês é chata? Chato é fazer desde o primeiro dia de vida, coisas que não queremos, nem sabemos bem porque é que as fazemos. Passem tempo com as crianças, expliquem o porquê das coisas, brinquem com elas se elas quiserem, deem-lhes liberdade de escolha, porque as crianças de hoje, vão ser os adultos de amanhã.