Um crime paisagístico está a ser viabilizado em Sintra, com o beneplácito da Câmara, do Ministério da Cultura e do Ministério Público. A aprovação, em 2005, da construção de um hotel na Quinta da Gandarinha foi um erro e uma ilegalidade. Erro, porque ignora o enorme impacto da obra em pleno centro histórico, na zona de protecção do Castelo dos Mouros e da Igreja de Santa Maria, monumentos nacionais, e atropela as características que justificaram a inscrição da Paisagem Cultural de Sintra como Património Mundial. Ilegalidade, porque viola o regulamento municipal aplicável. Mas os responsáveis das entidades que devem zelar pelo cumprimento da lei e pela preservação do património não querem emendar o erro nem repor a legalidade. Antes, preferem satisfazer pressões de um turismo de massas sem futuro e deixar que ali se instale uma ferida na paisagem.
Este é um último apelo a esses responsáveis: todos têm, se quiserem, razões de interesse público para travar o monstro. Podem e devem, todos, viabilizar uma solução que defenda o bem comum e garanta a demolição de tudo o que é intolerável no mono já construído, que reabilite os jardins e todos os valores de paisagem e obedeça às melhores práticas de recuperação e gestão do património.
A iniciativa devia partir da Câmara Municipal de Sintra. Reverter os erros cometidos exige um investimento público significativo, mas, em vez do prejuízo incalculável causado pelo impacto da obra, dará dividendos ao território e a quem o habita e visita.
Basílio Horta sairia prestigiado se anulasse a aprovação que Fernando Seara deu ao projecto de 2005, à revelia do Plano de Urbanização de Sintra, e as licenças seguintes. Salvaguardaria a Paisagem Cultural de Sintra. Daria coerência à estratégia camarária de condicionamento do trânsito no centro histórico, contraditória com um silo de estacionamento para 137 automóveis na Gandarinha – literalmente “em cima” do caminho para a Vila Velha ou para a Pena. Estaria a promover a tão necessária reflexão sobre o turismo que se quer para Sintra. E daria uma excelente aplicação ao dinheiro dos contribuintes e ao folgado orçamento municipal. Que melhor forma de acabar o actual mandato poderia o senhor Presidente da Câmara encontrar?
Se a CMS não reverter o licenciamento, compete ao Ministério Público, nomeadamente à Procuradora-Geral da República, concluir urgentemente a investigação sobre a ilegalidade do projecto, iniciada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 2007 e incompreensivelmente arquivada. Facilmente comprovará que o projecto viola de forma ostensiva o Plano de Urbanização de Sintra a que estava sujeito. Segundo o regulamento, o terreno, de 5843m2, não poderia ter uma ocupação superior a 291,15 m2 nem área bruta de construção superior a 700,86 m2. Ora, o projecto excede imensamente esses limites: a área de ocupação é de 2595 m2 e a construção ultrapassa os 12 mil m2. E a nova construção, em vez do máximo estipulado de dois pisos, incluindo rés-do-chão, tem quatro. Ou seja, o licenciamento dado por Seara e renovado por Basílio Horta é ilegal.
Por outro lado, a DGPC vai deixando cair exigências, nunca questiona verdadeiramente a volumetria da obra e o impacto do silo automóvel, não põe em causa a aprovação condicionada do IPPAR em 2005 nem os licenciamentos passados pela CMS sem que a condicionante do estudo hidrogeológico estivesse satisfeita. Só em 2019, depois de sucessivas denúncias na comunicação social, já com a encosta escavada e o terreno praticamente todo impermeabilizado, é que um estudo foi apresentado… e aceite como válido.
Apelamos aqui à Câmara, ao Ministério Público e ao Governo, na pessoa da Ministra da Cultura, para evitarem este atentado ao bem de valor universal que lhes compete defender.
Apelamos a que seja encontrada uma solução equilibrada, repondo no que ainda é possível as características e o espírito do lugar, no respeito ao estatuto da Paisagem Cultural de Sintra e à Carta Europeia do Património Arquitectónico do Conselho da Europa.
Só uma decisão política corajosa e concertada pode travar o monstro na Gandarinha. Só uma tomada de posição urgente das entidades envolvidas pode evitar este crime contra o património.
Que melhor forma haveria de comemorar os 25 anos da inscrição de Sintra como Património da Humanidade?
Pelo QSintra – Em defesa de um sítio único,
Carlos Borges Teixeira
Carlos Sarmento de Matos
Francisco Caldeira Cabral
Isabel Caldeira Cabral
Isabel Vasconcelos Abreu
João Diniz
João Faria dos Santos
Luiza Almeida Braga
Madalena Martins
Maria José Stock
Maria Manuel Stocker
Nuno Agostinho
Paulo Ferrero
Ricardo Duarte
Salvador Reis
O QSintra é um movimento de cidadãos independente e apartidário, aberto a todos os sintrenses e amantes de Sintra interessados em contribuir com a sua voz e com a sua actuação para a preservação da autenticidade e das características únicas que justificaram a inscrição da Paisagem Cultural de Sintra como Património Mundial da Humanidade. Queremos ser uma voz activa e colaborante na defesa do património que é de todos.