O Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), estabelecido em 2007, introduziu, na altura, um novo modelo de governação que foi positivo para o ensino superior. Mas os ritmos do progresso e da inovação são cada vez mais acelerados e as Instituições de Ensino Superior não podem ver o seu papel limitado, nem ficar para trás.

O país e o mundo estão a mudar muito rápido e a reforma do RJIES é imprescindível para que o sistema de ensino superior consiga responder, com maior agilidade, às necessidades da sociedade e do país.

Naturalmente que a reforma do RJIES só é pertinente se for para melhor, ou seja, um RJIES que proporcione mais democraticidade, mais autonomia e uma representação mais proporcional dos estudantes nos órgãos das instituições

Em termos globais, a proposta do governo é positiva, mas contém detalhes preocupantes e que podem revelar-se perigosos para o sistema.

A eleição do reitor ou presidente não podia mesmo continuar capturada por um grupo de 15 a 35 pessoas no conselho geral. O atual modelo de eleição do dirigente máximo de uma instituição alimenta clientelismos e caciques corporativos, colocando muitas vezes interesses de fações à frente do interesse da Instituição.

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Por isso, é pertinente o modelo proposto pelo ministério — uma eleição geral, aberta e plural, que fará voltar a democracia às Instituições de Ensino Superior. A proposta é que, pelo menos, os docentes tenham um peso de 30%, os estudantes 25%, os não docentes 10% e os antigos alunos 25%, representando uma abertura à sociedade, através de uma comunidade que conhece a instituição. Porém, é nestes últimos que se encontra a minha grande preocupação e a minha grande crítica.

É uma boa ideia colocar os antigos alunos a participar na eleição, ainda assim há que ser realista: em Portugal os alumni, em número suficientemente expressivo, não têm ligação à sua alma mater e não será poderem votar de 6 em 6 anos que a vai criar. Dar um peso de 25% aos antigos alunos, a esmagadora maioria desligada do dia-a-dia na instituição, parece-me desajustado. Se queremos um modelo anglo-saxónico, de proximidade entre as instituições e os alumni, precisamos de uma estratégia global e não apenas de uma medida avulsa. Uma solução seria reduzir o peso dos alumni para 15% e criar um programa de envolvimento progressivo, onde os ex-alunos participam de forma mais ativa, não apenas em eleições, mas também em projetos académicos. Nos EUA, universidades como Harvard e Stanford demonstram como associações fortes de ex-alunos podem contribuir não apenas financeiramente, mas também estrategicamente.

São as Instituições e os seus dirigentes quem sabe o que é melhor para si. Aliás, têm provado, ao longo dos últimos anos, serem bons exemplos de gestão financeira – são instituições dignas de confiança. Assim, num outro ponto presente na proposta, dar mais autonomia patrimonial às instituições é fundamental e a proposta do governo vai e bem nesse sentido, deixando de ser necessário, por exemplo, autorização do ministério para comprar ou alienar imóveis.

No que diz respeito à autonomia institucional permitir-se aos institutos politécnicos outorgar o grau de doutor foi um passo importante no sentido da flexibilização do sistema e do reforço da autonomia das instituições. Mas onde a proposta do Governo peca é na denominação das Instituições.

Hoje, uma Universidade para ser Universidade tem de lecionar um ciclo de estudos de doutoramento em 3 áreas diferentes, caso contrário é um instituto universitário. O que o governo propõe é que uma instituição politécnica se possa designar “universidade politécnica” lecionando apenas um doutoramento, numa só área do saber. Com esta proposta, estamos a criar desproporcionalidade nos critérios e a nivelar por baixo. Em vez disso, sugiro que o uso do termo “universidade politécnica” esteja vinculado à oferta de doutoramentos em pelo menos três áreas, garantindo padrões de qualidade sem comprometer a identidade.

A proposta de reforma do RJIES é também positiva ao aumentar a representação dos estudantes no conselho geral e a sua preponderância na eleição do líder da IES ou das unidades orgânicas. No entanto, é fundamental introduzir um estatuto universal de direitos e deveres para os estudantes do ensino superior, promovendo equidade entre instituições. Não podemos ter estudantes em situações iguais tratados de forma diferente no nosso sistema. Hoje dois trabalhadores na mesma entidade, inscritos no mesmo ciclo de estudo mas em instituições diferentes, podem ser tratados de forma desigual, não tendo os mesmos direitos. Esta reforma do RJIES é a oportunidade ideal para mudar isso.

Em suma, a proposta do governo é positiva, devolvendo a democracia às IES, promovendo a autonomia e dando mais voz aos estudantes, mas tem erros graves que podem pôr em risco uma reforma que tinha tudo para ser histórica pela positiva.