A saúde financeira de um negócio é, sem sombra de dúvida, a espinha dorsal de uma empresa. E é curioso observar como muitos empresários parecem ignorar esta realidade, concentrando-se quase exclusivamente em aumentar as vendas, descurando a verdadeira gestão do dinheiro.

Aumentar a faturação está longe de ser suficiente. Na verdade, sem uma gestão financeira robusta, qualquer empresa, por mais promissora que seja, está condenada a enfrentar graves dificuldades de tesouraria ou, no pior dos cenários, a falência. As crises que afetam o mercado, sejam elas económicas ou políticas, expõem as empresas que não cuidam das suas finanças de forma adequada, tornam-nas mais frágeis e sem capacidade de resistência às adversidades.

Quando se fala de que 90% das startup vão à falência ao final de dois anos nem sempre é porque a ideia é má ou que não tenha viabilidade. Muitas vezes é porque o desejo de expansão é tão grande que, na vontade de acelerar o processo, tomam decisões que as expõem a adversidades de atrasos de pagamentos, oscilações económicas ou pressão de faturação – uma exposição que vemos em muito do nosso tecido empresarial, independentemente do sector ou tamanho da empresa, e que cria um entrave estrutural no desenvolvimento económico do país.

Pouco se fala da folga de tesouraria das empresas portuguesas, da sua saúde financeira ou forma como gerem o dinheiro. Sempre pensei que o impacto que a pandemia teve na faturação de curto prazo, com quebras abruptas em milhares de empresas, levantasse a questão e levasse a uma profunda reflexão sobre o tema; infelizmente nunca chegou. Todos nos lembramos das ajudas do Estado, da incapacidade de aguentar o negócio face ao embate meteórico dos efeitos económicos da COVID-19, da corrida às linhas de crédito; mas, infelizmente, o debate nunca chegou.

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Quando por essa altura anunciei que a PHC não iria despedir ninguém por força da pandemia, que iríamos continuar a investir e que nos estávamos a preparar para o pós-crise, muitos me perguntaram como era possível ser tão optimista perante um cenário de incerteza iminente. A resposta não começou a ser construída quando rebentou a crise, mas muitos anos antes.

Quando a empresa da qual sou gestor estava no seu início houve um fatídico mês de janeiro em que não houve dinheiro para pagar todas as nossas obrigações. Chamei os colaboradores, um a um, expliquei a situação e perguntei-lhes que despesas tinham para o mês, e com o dinheiro que havia, pagou-se as despesas imediatas da empresa e dos colaboradores; e nada levei para casa nesse mês. A partir daí, não descansei enquanto a empresa não alcançou a sua autonomia financeira, que, na ideia de Bill Gates, corresponde à reserva de um ano de despesas e salários – uma folga financeira que permite gerir a empresa de outra forma.

A autonomia financeira permite à empresa pensar no longo prazo, tomar decisões estratégicas e não estar tão exposta aos efeitos adversos e imprevistos que, mais tarde ou mais cedo, aparecem. Com a PHC e a crise da pandemia esse efeito foi evidente. A autonomia financeira permitiu-nos pensar que durante um ano tínhamos capacidade para aguentar o embate e podíamos começar a planear a retoma do pós-crise. E assim foi. Porque as crises quando acontecem têm dois efeitos: o primeiro é que têm sempre um impacto negativo; o segundo é que, como são passageiras, são sucedidas de um período de recuperação. E quando a crise acaba, queremos sempre estar na máxima força e na linha da frente para agarrar a retoma.

A resposta à pandemia foi paradigmática, porque refletiu uma filosofia de gestão e de trabalhar a saúde financeira de uma empresa. E reflete-se no dia a dia. Questões pequenas como maior capacidade de negociação, menor exposição a atrasos de pagamento, decisões mais ponderadas, maior robustez nas linhas de crédito, entre tantos outros efeitos. Sei que muitas pessoas têm uma visão distinta da gestão do dinheiro, mas a verdade é que sem saúde financeira nenhuma empresa será capaz de ser bem gerida.

E qual é o papel da tecnologia? Simples: permitir aos gestores tomar melhores decisões, automatizar processos, prever situações de risco, reduzir a ambiguidade e cuidar do negócio. Obviamente que não substitui a gestão na empresa, mas coloca-a mais perto de uma vida longa e saudável.

É por isso que defendo, cada vez mais, que devemos falar abertamente sobre saúde financeira egestão do dinheiro das empresas. Isto não pode ser um tabu. É uma questão de literacia que vale a pena discutir e debater, pois Portugal pode dar um salto muito significativo se conseguirmos que as empresas possam pensar a longo prazo.