O tema da semana de trabalho de quatro dias entrou como um tsunami no espaço mediático em Portugal e fez estremecer algumas elites. A ideia foi caracterizada como fait divers, inqualificável, demagógica, loucura mansa, ou uma farsa política do pior – enfim, uma tentativa de distrair os portugueses dos assuntos verdadeiramente relevantes. Nada está mais longe da verdade! A discussão sobre a semana de quatro dias não tem caráter de urgência, mas é das mais importantes discussões que o país pode ter. Não só força a encarar a vida real dos portugueses, como obriga a uma reflexão profunda sobre a nossa economia e os seus principais problemas.
Discutir a semana de quatro dias é refletir sobre a baixa produtividade das empresas, em concreto e não em abstrato. É constatar que Portugal tem das mais altas incidências de acidentes de trabalho na Europa que condiciona todas as empresas a gastarem milhões em prémios de seguro, e descobrir que reduzir as horas de trabalho pode melhorar o problema. É verificar que o absentismo tem custos elevados – atualmente na indústria do vestuário 20 por cento da mão-de-obra falta diariamente – e que pode ser reduzido dando mais descanso aos trabalhadores. É calcular que o burnout e o stress custam 3.2 mil milhões de euros às empresas portuguesas e esclarecer que o problema não se soluciona com workshops de saúde mental. É notar que o valor de um emprego para um trabalhador não é apenas o salário, e que existem outras formas das empresas o valorizarem para superar os problemas de recrutamento, nomeadamente oferecendo horários mais curtos. É estudar como se podem melhorar os processos dentro da empresa e reduzir os erros na produção, erros que geram desperdício de matérias primas, queixas de clientes ou casos de litígio. É avaliar os elevados gastos com o transporte casa-trabalho-casa dos trabalhadores e com a fatura energética das empresas, bem como inventar formas de os reduzir. É sobretudo consciencializar que não existem varinhas mágicas e que estes problemas, que afundam os nossos índices de produtividade, não se resolvem com uma redução de impostos, mas sim com um esforço conjunto entre trabalhadores e gestores.
Mas debater a semana de quatro dias é ir mais longe. É expor a falta de empreendedorismo em Portugal, e descortinar que, antes do nascimento de uma empresa, tem de existir uma ideia e um projeto e que é necessário tempo para os desenvolver, tempo que nenhum banco vai financiar. É também observar as grandes mudanças estruturais que ocorreram na nossa economia e antecipar as que estão por chegar. É olhar para todo o progresso tecnológico das últimas décadas e testemunhar que a promessa de libertação do homem não tem sido cumprida. É assistir ao crescente uso de inteligência artificial e de robôs e averiguar como minimizar as consequências nefastas que podem ter no mercado de trabalho. É tomar consciência da mudança do papel da mulher na sociedade nos últimos 50 anos e das consequências que isso trouxe para as famílias cada vez mais esvaziadas de tempo. É raciocinar sobre como podemos aumentar a taxa de natalidade em Portugal e evitar a migração das gerações mais qualificadas para o estrangeiro, e compreender que, a par dos salários baixos, os horários excessivos e a crónica falta de tempo são duas das mais importantes causas do decréscimo populacional. É relacionar essa falta de tempo com o facto dos portugueses lerem poucos livros, praticarem pouco desporto, ou irem poucas vezes à missa. É assustarmo-nos com os impactos das alterações climáticas, e ponderar como podemos agir sem prejudicar a economia. É imaginar um sistema económico resiliente, sustentável e menos desigual. É procurar outras soluções para os mesmos problemas, como quem procura outros verbos para os mesmos raciocínios.
Filosofar sobre a semana de quatro dias não é perder tempo. É meditar sobre todos os problemas de Portugal e, acima de tudo, questionar como se reforma um país irreformável. Podemos ter todas as certezas sobre quais são as soluções de que o país precisa, mas depois de 15 anos trágicos, quem é que acha que conseguiremos mobilizar um povo para superar os seus ‘vícios’ em nome de algo tão abstrato como o “déficit, ” “o equilíbrio externo,” ou a “economia”? Eu tenho a minha proposta. Se no fundo do túnel estiver um fim-de-semana de três dias, eu acredito que os portugueses estarão dispostos a mudar, pois anseiam ser mais felizes.
Pensar a política económica em Portugal é sempre e só sobre dinheiro – subsídios, financiamento, apoios, impostos, “bazucas” – como se os incentivos financeiros fossem um remédio único para todos os males. A ciência económica estuda a importância dos incentivos, mas também das restrições, e nas sociedades modernas o tempo é o bem mais escasso. Ruminar sobre como utilizamos o nosso tempo é tudo menos um fait divers. Aliás, parece-me uma proposta ideal para um mês de Agosto, quando todos temos mais tempo e menos pressa.