A partir do dia 1 de julho do corrente ano é aplicada a Taxa de Carbono aos passageiros de voos internacionais e navios cruzeiro, no montante de dois euros por passageiro. As receitas das taxas cobradas nos aeroportos reverterão na sua totalidade para o Fundo Ambiental e as receitas das taxas cobradas nos terminais de cruzeiro reverterão em 50% para o Fundo Ambiental e os restantes 50% para a entidade portuária e para o respetivo município, em partes iguais.

O propósito do Fundo Ambiental é da mais elevada importância, contribuindo em grande medida para o cumprimento dos objetivos e compromissos nacionais e internacionais, designadamente os relativos às alterações climáticas, aos recursos hídricos, aos resíduos e à conservação da natureza e biodiversidade.

Os navios e os aviões, meios de transporte associados à futura taxa, são grandes responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa (GGE), onde se inclui o dióxido de carbono (CO2). Mas são também responsáveis pela emissão de gases poluentes, entre os quais o dióxido de azoto (NO2) e dióxido de enxofre (SO2), assim como partículas finas (PM2.5 e PM10) que comprovadamente afetam a qualidade do ar1, o ambiente e prejudicam a saúde pública2. As partículas finas estão também diretamente relacionadas com o encurtamento da esperança média de vida da população3.

A Diretiva europeia (UE) 2016/802 — Redução do teor de enxofre de determinados combustíveis líquidos descreve a importância da necessidade de regulamentar a emissão de gases poluentes, em particular as emissões de dióxido de enxofre (SO2) no sector naval, de forma a “reduzir significativamente o impacto das emissões dos navios na saúde humana”, assim como reconhece o seu impacto no ambiente: As emissões dos navios resultantes da queima de combustíveis navais com teor de enxofre elevado contribuem para a poluição do ar sob a forma de dióxido de enxofre e de partículas, que prejudicam a saúde humana e o ambiente e contribuem para as chuvas ácidas.”

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Sobre esta matéria, a Agência Europeia do Ambiente através do seu relatório TERM (Through the Transport and Environment Reporting Mechanism) de 2018, também é explícita relativamente aos impactos de ambos os sectores: “As atividades da aviação, incluindo os voos, mas também os próprios aeroportos, exercem várias pressões negativas sobre o ambiente, nomeadamente emissões de gases com efeito de estufa, poluentes atmosféricos, poluição sonora, consumo de água e produção de resíduos. […] As atividades do transporte marítimo também são responsáveis por níveis significativos de emissões de gases com efeito de estufa e de poluentes atmosféricos, bem como de poluição sonora e da água.”

Comparação da emissão de SOx (Óxidos de Enxofre) entre Navios de Cruzeiro e Automóveis. Fonte: https://www.statista.com/chart/18351/emissions-from-cruise-ships-and-cars-in-european-port-cities/

Neste contexto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o excesso de mortalidade em zonas poluídas: “Increased mortality from cardiovascular and respiratory diseases and from lung cancer has been observed in residents of more polluted areas. This reduces the life expectancy of inhabitants of the European region by about 8.6 months.”

A nossa proposta: aplicação local dos fundos em projetos de mitigação e compensação.

A Taxa de Carbono é inspirada nos trabalhos do economista Arthur Cecil Pigou, o qual propôs a criação de uma taxa sobre atividades com externalidades negativas, tais como a poluição, como forma de mitigar esse impacto ao nível local. Independentemente das necessárias compensações em termos de emissões de CO2, as quais são de natureza global, existem externalidades negativas de nível local que apenas podem ser mitigadas mediante medidas também elas locais, e em direta proporção aos impactos sofridos nas áreas de instalação dos equipamentos poluentes.

Acreditamos no adágio “Think Global, Act Local”. A mitigação dos impactos ambientais a uma escala local (metropolitana ou intermunicipal) contribuirá de forma significativa para o quadro global da promoção da sustentabilidade ambiental, garantindo um elevado grau de eficiência face aos objetivos propostos.

Tendo em atenção que as regras que regulamentam o financiamento de projetos por parte do Fundo Ambiental (Decreto-Lei n.º 42-A/2016) são omissas quanto aos locais onde os fundos deverão ser aplicados, escrevemos este texto como forma de alertar o poder político para que essas regras sejam melhoradas, no sentido de valorizar os investimentos na proximidade das entidades emissoras de poluição. Apelamos aos nossos deputados para que revejam a lei nesse sentido.

Assim, propomos que na regulamentação do Fundo Ambiental, nomeadamente no anexo ao Decreto-Lei n.º 42-A/2016 onde são definidas as tipologias e orientações para a atribuição de apoios, sejam incluídas as seguintes propostas:

  1. 50% do montante anual recebido pelo Fundo Ambiental a título de taxas de carbono cobradas por operadores portuários ou aeroportuários, seja obrigatoriamente aplicado em projetos localizados nas áreas metropolitanas ou comunidades intermunicipais onde estão localizados os terminais de passageiros;
  2. Sejam privilegiados projetos destinados ao alargamento da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional, de forma a viabilizar a produção agrícola de proximidade, reduzindo o impacto dos transportes em termos de poluição e alterações climáticas; a criação de cinturas verdes em torno dos centros urbanos é uma tendência europeia que Portugal deverá seguir, mas que acarreta elevados custos, nomeadamente com a compra de terrenos e com indemnizações a proprietários detentores de direitos construtivos.
  3. Sejam privilegiados projetos de criação de corredores verdes inseridos em áreas urbanas, os quais permitirão preservar a biodiversidade local, bem como aumentar a retenção de carbono por força do aumento da área florestal, ao mesmo tempo que combate o efeito “ilha de calor” em contexto urbano.

[1] “Ambient air pollution is a major environmental cause of morbidity and mortality worldwide. (Fonte: https://www.thelancet.com/journals/lanplh/article/PIIS2542-5196(20)30272-2/fulltext)

[2] “Os navios de passageiros operam sobretudo nos portos ou próximo da costa e o seu impacto na saúde humana e no ambiente é significativo.” (Fonte: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=celex%3A32016L0802)

[3] “Long-term exposure to ambient particulate matter (PM) with diameter less than or equal to 2·5 μm (PM2·5) was estimated to cause between 4 and 9 million premature deaths in 2015 globally, ranking PM2·5 as the fifth greatest risk factor for global mortality (…)” (Fonte: https://www.thelancet.com/journals/lanplh/article/PIIS2542-5196(20)30272-2/fulltext)