Da sazonalidade ao ambiente, passando pelo trabalho é importante relembrar  que o Algarve não é apenas o sol, as praias e o glamour que se veem nos  postais.

Por detrás de uma plástica muito bem elaborada está uma Albufeira feia, e cheia  de complexos. Dos filmes promocionais aos discursos pomposos, Albufeira  revela-se um falso destino idílico para as classes médias do Norte desesperadas  por um solzinho, daqueles que se vê nos postais. Da magnificência que os media  exibem estão ocultas as desigualdades económicas, os negócios sem sentido, a  construção desequilibrada, a fingida sustentabilidade, a escravatura moderna e a  dissimulada integração dos imigrantes abastados.

Segundo o relatório Algarve Conjuntura Turística #38, que compara os anos de  2022 e 2023, é notória a sazonalidade em toda a região. Em 2023, na época baixa  (Inverno) registou-se um volume de 200 mil passageiros no aeroporto de Faro,  enquanto que no Verão este valor multiplicou-se por 6. O número de hóspedes  aumentou de 100 mil para 800 mil da época baixa para a alta. A mesma realidade  também se denota nas dormidas, havendo uma variação de 3 milhões. Ou seja, os  hóspedes permanecem por mais tempo no período balnear. Daí a taxa de  ocupação líquida ter variado entre os 28 e os 92%.

No Município de Albufeira esta realidade também se faz notar. Mas a realidade vai  além disso. De acordo com o 3.º relatório anual do Observatório do Turismo  Sustentável do Algarve, que apresenta valores anteriores à crise pandémica, o  concelho concentra o maior número de dormidas (8 milhões), bastante à frente de  Loulé que apresenta apenas 3 milhões. Um número pequeno do ponto de vista  comparativo. Não obstante, as diferenças entre concelhos agravam-se quando  nos apercebemos de que há concelhos sem mar, em que o turismo é (quase)  inexistente, como São Brás de Alportel. Mas regressando a Albufeira, a Estratégia  2024/2030 promovida pelo município dá conta de um total de 128  empreendimentos turísticos da mais variada dimensão e um número assustador  de 9800 alojamentos locais; capazes de albergar quase ⅘ da população residente.  A acrescentar 949 empresas de restauração e similares, que feitas as contas em  períodos de menor afluência turística permanecem (quase) vazias.

Conhecido como um dos destinos mais populares do Algarve tanto para famílias,  como para jovens, a população deste município insurge-se em relação aos  impactos negativos. A mesma estratégia aponta uma descontínua envolvência  dos turistas na cultura local. Tendência que suponho agravar-se. Atente-se, por  isso, ao que a estratégia defende: três níveis de valorização turística, do maior  mercado ao nicho; sendo a primeira focada no Sol e Mar; a segunda na vida  noturna, desporto e congressos; e a terceira na cultura e enogastronomia.

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Portanto, o município parece querer reforçar a sazonalidade e os desacatos que  nesta antiga vila piscatória se dão em detrimento de uma valorização da história e  cultura de Albufeira. Não deixa de ser curioso que sejam os turistas que mais se  envolvem em problemas, como os holandeses, que consideram haver um elevado  índice de violência. Contudo, a população local mostra-se mais preocupada com  o desrespeito por parte das massas turísticas, a precariedade laboral, o aumento  dos mais variados tipos de poluição e os problemas gerados pelo excesso de  veículos ou a desfiguração e privatização da paisagem; tal como aponta o  segundo relatório acima citado. Vejamos, pois, em detalhe alguns destes  impactos.

De modo geral, os indicadores de âmbito socioeconómico revelam valores bem  mais elevados do que aqueles verificados na média nacional. Um relatório da  comunidade intermunicipal (Plano de Desenvolvimento Social 2023-2030)  refere que “a facilidade, até agora existente, de encontrar emprego, ainda que  precário, terá facilitado uma integração precoce no mercado de trabalho, em  detrimento de um percurso escolar mais longo”, um dos indícios de uma taxa de  abandono escolar ser elevada. A realidade é que esta situação afeta ⅕ dos alunos,  o dobro do país. No entanto, a situação não se fica por aqui, pois a precariedade  por si só é grave e afeta toda uma cadeia social e económica.

Tal como o anterior relatório indica, a população em risco de pobreza é superior à  nacional, assinalando-se ¼ nesta situação e que inclui 11 mil jovens.  Naturalmente que a precariedade contribui para esta situação, não só pelo facto  de os trabalhos serem mal pagos, como também pelo aumento do desemprego no  período da época baixa. Estima-se que 85% dos empregos estão nesta condição,  valores sempre a aumentar. Contudo, o mercado habitacional agudiza esta  realidade. Os números do relatório apontam os valores da renda como um dos  mais elevados do país, e a aumentar continuamente. Metade das habitações  encontra-se desocupada parcial ou na sua totalidade, sendo quase 40%  correspondente a residências secundárias e 11,9% a vagas. Neste sentido,  regista-se nesta região a maior taxa de despesas em habitação (9,1%) e de  sobrelotação (13,5%). Em Albufeira, quase ⅕ da população ativa encontra-se  desempregada e ¼ dos alojamentos sobrelotados.

A população estrangeira residente tem vindo a aumentar, embora esta continue a  não representar a maioria (17,7%), como revela a apresentação da CCDR  “Números em destaque – capítulo 5: população estrangeira residente”. Mas tal  como o turismo, isso não serve de impedimento para que esta população assinale  aumentos em determinadas alturas do ano. Como evidenciado anteriormente, ⅖  da habitação é secundária. As nacionalidades com maior expressão são o Reino  Unido (com mais de 14 mil residentes), seguido do Brasil (com metade), Roménia, Ucrânia e França. Só os concelhos de Loulé e Albufeira (por esta ordem) acolhem  35% dos imigrantes que residem na região. Este último concelho tem ⅓ de  população estrangeira como sua residente do total populacional. Mas apesar  desta região assinalar um aumento populacional de 18,3% (a mais alta do país)  entre 2001 e 2021, 24% dos seus imigrantes são reformados, com dinheiro e  provenientes de países do Norte da Europa, sendo 50% franceses; contrastando  com aqueles que são mais pobres e oriundos de países em desenvolvimento e  que vêm trabalhar, sofrendo em particular com a pobreza e a sobrelotação  habitacional, como acrescenta o relatório Plano de Desenvolvimento Social.

É de notar ainda que o relatório “Perfil do Turista e Perspetivas de  Desenvolvimento/Turismo Cultural no Algarve” realça uma forte diluição das  categorias “turista” e “residente”; ou seja, uma recusa em quererem integrar-se na  comunidade local. Vivem os portugueses e os residentes mais pobres com o  coração nas mãos; uma ansiedade para conseguirem subsistir, a trabalhar para os  estrangeiros com maiores posses económicas, enquanto que os estrangeiros  reformados e ricos vivem à sombra de uma palmeira. Mas não será isto uma forma  de colonialismo, quando estão segregados e a ter uma vida bem melhor que a dos  locais?

Por fim, o ambiente demonstra ser outra preocupação. Pese embora ter sido fácil  encontrar dados relativos à componente Humana, no ambiente a situação foi a  oposta. É possível, no entanto, referir alguns aspetos de carácter hídrico,  disponibilizados no relatório “Bases do plano regional de eficiência hídrica” da  Agência Portuguesa do Ambiente. O agravamento dos períodos de seca têm-se  dado com maior frequência, tendo-se registado o 3.º pior período de seca extrema  entre maio de 2019 e junho de 2020 em 60 anos; e não é de surpreender que  haja concelhos com valores de precipitação negativos de 6 anos consecutivos.  Quanto à disponibilidade hídrica nas massas de água subterrâneas, só as da  Quinta do Lago e o Vale do Lobo estão em tão mau estado. A terminar, a maioria  do consumo de água tem como destino a agricultura (+ de 55%), o que nos deve  obrigar a refletir que tipos de cultura abrange e qual a sua verdadeira necessidade.  Mesmo com a instalação de uma dessalinizadora a sustentabilidade levanta as  suas dúvidas. Não se estará à procura de certificados de sustentabilidade? Talvez.  Já para não falar da destruição das zonas húmidas, como a dos Salgados, para  fins turístico-agrícolas. Práticas que de sustentabilidade nada têm.

Deste modo, importa não esquecer os mais variados problemas da região, em  particular como se viu, em Albufeira. O facto de haver uma monocultura turística e  uma inexistente oferta no ensino superior em quase todos os municípios permite  o aumento de fenómenos preocupantes, como é o caso da precariedade, da débil  diversidade laboral e das fracas expectativas da população local, em particular os mais jovens. Não é de estranhar que a abstenção regional, seja por isso mesmo,  superior à nacional, e em franco aumento. Apesar da falta de muitos elementos  estatísticos acessíveis ao público em geral, os indicadores revelam o desespero  da população algarvia. Do mesmo modo que muitos destes indicadores são usados para eufemizar os impactos negativos. Não vale a pena, por isso, continuar  a pensar no turismo como solução para a população local. É claro que é  necessário inovar neste setor já existente, mas acima de tudo diversificar as áreas  profissionais. Assim, como lutar pela preservação dos recursos hídricos,  paisagens e sua biodiversidade, e culturas agrícolas locais.