O trabalho remoto e o modelo de trabalho híbrido não são realidades incríveis e inovadoras impostas pelo pacote pandémico e pós-pandémico. Já existiam antes de tudo isto. Já faziam parte do dia a dia da generalidade das empresas com uma estratégia digital no mundo global.
Mas é inegável que a pandemia empurrou estes e outros modelos de trabalho para a ribalta, e acelerou a sua normalização, aceitação e adoção.
Num mercado tecnológico que cada vez mais se digladia pela atenção e retenção do talento tecnológico, esta “tendência” representa um novo mundo de oportunidades, mas também de muitos desafios.
Quem quiser acelerar (e quem não quiser pode ter problemas) a transformação digital, tem hoje acesso facilitado a um mercado internacional totalmente aberto, cheio de potenciais profissionais altamente qualificados, com propostas de valor competitivas. Pessoas totalmente motivadas para trabalhar em projetos fantásticos em qualquer parte do mundo.
Por exemplo, vivemos uma guerra que obrigou centenas de milhares de programadores a deslocalizarem-se, mas a verdade é que continuaram o seu trabalho, pois estamos num mundo digital e descentralizado.
O lado mais difícil é que as empresas têm hoje de incluir na sua estratégia de captação e retenção de talento esta nova realidade, pois o mercado nunca esteve tão aberto e nunca foi tão global.
O que é que isto tem de mal? É que este mercado está aberto e disponível para todo o tipo de empresas. Já ninguém concorre apenas com os players locais, e há muito que o tamanho já não importa. O conforto e a segurança que as grandes empresas tinham, promovido pela forte capacidade financeira, pela notoriedade da marca ou mesmo pela grandeza da sua carteira de clientes, pode não ser suficiente. Atualmente “as grandes” perdem facilmente recursos para as empresas mais ágeis ou até de menor dimensão. Porquê? Porque as prioridades das pessoas mudaram, o mercado de talento é global, mas o de contratação também o é, e flexibilidade é a palavra de ordem.
Não vamos ser politicamente corretos e fingir que o dinheiro não importa. A remuneração é importante e, neste campo, as empresas nacionais estão quase sempre em “maus lençóis”, porque o conceito de “pequena e média empresa” (e respetiva capacidade financeira) lá fora não é igual ao nosso conceito de PME. Ou seja, a probabilidade de perdermos recursos para uma pequena empresa fora de Portugal é uma realidade, também em virtude dos pesados impostos a que as empresas e as pessoas estão sujeitas, e que têm aumentado ao longo dos anos.
Além disso, existem inúmeros incentivos financeiros que conferem a estas startups uma almofada que muitas empresas, com anos de mercado, não têm, como por exemplo, employee stock option. Isso desequilibra o jogo da conquista de recursos.
Mas também temos de admitir que o dinheiro não é tudo atualmente, e até neste campo as grandes empresas têm de ter muito jogo de cintura para conquistarem os melhores. As empresas que nascem no digital, ou que se adaptaram, e até muitas pequenas empresas, tendem a ser mais dinâmicas, modernas e flexíveis. Nem sempre é fácil uma grande empresa “mover” todo o seu legado para uma nova Era e ser sexy para o talento tecnológico.
O isco até pode ser bem lançado, mas a retenção continua a ser o grande desafio. Como mantemos a permanente motivação? Como combatemos as constantes investidas de furto por parte de concorrentes de todo o mundo? Como mantemos tudo apetecível, desafiante e equilibrado? Escondemos o nosso talento ou tornamo-nos irresistíveis? Como asseguramos que a comunicação, a partilha, o trabalho e a gestão de equipas multiculturais, que trabalham em fusos horários diferentes e que nunca se conheceram presencialmente funcionam de forma perfeita?
Admitimos que a batalha pelo talento é demasiado avassaladora, e preocupamo-nos exclusivamente em arranjar uma equipa com as hard-skills necessárias? Ou não queremos comprometer a qualidade de serviço e vamos atrás dos melhores/mais ajustados à nossa realidade?
Atualmente a concorrência já não chega só dos concorrentes diretos, dos Unicórnios da vida, ou dos pares do mercado. Vem também da pequena startup “da esquina”, que nasce já no domínio de um negócio forjado nesta nova Era e que facilmente enche o olho aos melhores dos melhores.
Existe um trunfo? Não! Existe respeito por toda a concorrência. Porque quando subestimamos os nossos adversários, e achamos que estamos num patamar superior – mais confortável e inatingível – o resultado pode revelar-se surpreendente… no mau sentido.