O surto de COVID-19 impôs uma nova realidade social a qual nos confronta com nossa fragilidade humana a par da interdependência das sociedades modernas num contexto de globalização.
As medidas restritivas da nossa liberdade individual e coletiva, nomeadamente no que respeita à livre circulação, à reposição das fronteiras, ao eventual risco de escassez, à escolha dramática pela vida nas unidades de saúde e por vezes a fenómenos de comportamentos irracionais face ao medo e ao receio perante a condição de saúde do outro, são circunstâncias sobre as quais tínhamos lido ou fantasiado, mas que nos pareciam distantes da realidade que agora experienciamos.
Na verdade, havia quem viesse alertando para os riscos de uma pandemia, de forma séria e factual, fosse através de artigos científicos, de Tedtalks ou de documentários no Netflix, mas a consciencialização sobre tal circunstância – para lá dos profissionais de saúde, da comunidade médica e poucos mais cidadãos – era muito reduzida.
Desde as primeiras referências à calamidade do vírus em Wuhan, na China, distante da nossa realidade, até sermos dominados por este, passaram-se poucas semanas, sendo que a perturbante rapidez do contágio apanhou desprevenidos Estados e sistemas de saúde, economias e mercados financeiros, empresas e o nosso convívio social. A perplexidade perante este fenómeno foi acompanhada por um misto de curiosidade e necessidade de respostas sobre o vírus, o risco que ele comporta e respostas simples para a forma de como lidar com ele, num desejo muito íntimo de salvaguarda dos males e condicionalismos que ele compreende.
Rapidamente as torrentes de mensagens e reações nas redes sociais trouxeram uma quantidade avassaladora de mensagens que variam entre a piada do meme a descrições de situações críticas nos hospitais em mensagens de voz de supostos médicos, vídeos de militares fardados e armados a impor quarentena, até às recomendações de cuidados a adotar.
Esta informação circula sem qualquer critério ou garantia da qualidade da informação partilhada, deixando ao discernimento de cada um a interpretação das mensagens recebidas.
O alarmismo que estas mensagens transmitem em tempos de pós-verdade aumentam a especulação e os nossos receios que ficam tenuemente (des)equilibrados entre as mensagens do WhatsApp ou Facebook e a informação jornalística transmitida pelos tradicionais canais de televisão, rádio ou jornais.
Outra circunstância ligeiramente diferente das mensagens de voz de supostos médicos e peritos em saúde pública, são as teorias da conspiração de estratégias supranacionais de regulação da população mundial através da criação de vírus em laboratório. Realidades alegadamente previstas em livros e relatórios de serviços secretos. Estas histórias alimentam o nosso imaginário e procuram dar um sentido e uma razão à circunstância absolutamente excecional que estamos a viver.
Estas duas situações, a partilha de mensagens falsas e a difusão de teorias da conspiração, revelam outro aspeto perturbador da nossa condição social: o descrédito nas instituições, e a busca por uma verdade suportada em “fatos alternativos” daqueles que as instituições nos proporcionam.
Este descrédito e a disponibilidade de largos grupos da sociedade em acreditar, partilhar e promover estas realidades, sem que a verdade das mesmas seja escrutinada, cria um potencial de manipulação da opinião pública, que ao mobilizar os receios das pessoas através destas ferramentas de manipulação da verdade, criam espaço para decisões que respondem aos receios gerais, mas que ao mesmo tempo fragilizam a democracia, a qualidade e a razoabilidade das decisões a tomar.
Esta realidade comprova e reforça as teorias que relacionam as decisões públicas com as mudanças socio-tecnológicas através da análise dos efeitos interpretativos onde a entrega de informações que mudam os padrões de cognição, compreensão e significado, criam ou alteram as visões e a expectativas dos cidadãos e dos atores políticos.
A distopia que este entendimento propõe, que nos salvaguarda de males aparentemente inevitáveis, é fértil a populismos e à mobilização em torno de ideias simples/simplórias para resolver problemas complexos.
Compreendemos agora melhor a utilização das redes sociais para mobilizar os medos e os receios de milhares de cidadãos e eleitores em países como o Brasil e os Estados Unidos e assim influenciar resultados de eleições. Num tempo de imediatismos, é mais fácil reencaminhar e partilhar mensagens, o que conforta o nosso sentimento de pertença a uma comunidade, do que refletir criticamente face ao permanente assédio de informação que recolhemos.
Por tudo isto é importante promovermos uma cultura de verdade e valorização dos factos, contribuindo para diminuir a poluição informativa a que estamos sujeitos, não partilhando mensagens sobre as quais não conhecemos a origem ou a motivação que elas comportam, renovando a nossa convicção no jornalismo sério e consultando bases de dados de informação fidedigna, como é o caso dos sites oficiais da Direção Geral de Saúde, Organização Mundial de Saúde, União Europeia, ou outros organismos oficiais.
Para lá do movimento #staythefuckhome, (que temos presenciado nas plataformas on-line) devíamos abraçar um outro movimento: o #saythefucktrue.