Nas últimas duas semanas, Portugal assistiu a uma greve dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) às horas extraordinárias. Este movimento revelou dois factos determinantes: a falta de organização hierárquica no Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) é de tal forma grave que foi impossível garantir o cumprimento dos serviços mínimos. Adicionalmente, as falhas no socorro verificadas durante este período e que a investigação do Ministério Público ainda irá apurar se teve influência direta na morte de 11 portugueses. Mais importante, expôs a fragilidade de um sistema de emergência que não tem investido no seu ativo mais diferenciado, enfermeiros e médicos.

O Sindicato dos Enfermeiros – SE vê com grande preocupação a atual situação do INEM, a qual não só prejudica o seu funcionamento, mas também coloca em risco a vida de milhares de cidadãos que dependem deste serviço essencial e único.

A carreira de TEPH foi criada a propósito do Euro 2004, para aumentar a capacidade resposta em casos de emergência. Mas para isso acontecer de imediato, era necessário formar rapidamente um conjunto de profissionais que pudessem servir esse propósito nos Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU). No entanto, a realidade é que estes profissionais, apesar da sua importância e necessidade, são responsáveis pela triagem telefónica de emergência – uma função de enorme responsabilidade, desproporcionada à formação de apenas seis meses que têm. Este modelo coloca nas mãos destes profissionais uma função altamente diferenciadora, onde a tomada de decisões pode fazer a diferença na hora de salvar uma vida.

É uma realidade que um país como Portugal, onde existem profissionais altamente qualificados na área da saúde, se veja dependente de um modelo de triagem minimalista, que visa apenas uma maior contenção de custos e onde mais uma vez, a retirada no passado dos enfermeiros do CODU, veio provar o quanto errado têm sido estas políticas economicistas. E o como continuamos a pressionar os serviços de urgência, pela sua ineficaz resposta no atendimento a doentes urgentes.

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Dizer que a Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, é a principal culpada deste desinvestimento que leva décadas, é imoral. Estão sucessivos governos e respetivos ministros da saúde a esconder a mão, de uma pedra que foi atirada. E que destruiu modelos organizativos diferenciados e assentes no mais basilar modelo de intervenção onde competências técnicas e científicas são apreendidas ao longo de vários anos de formação e geram conhecimento, evitando danos colaterais como os que hoje estamos a assistir.

É preciso falar a verdade, e deixarmos de fazer politiquice. Ana Paula Martins e a sua equipa não são culpadas do que encontraram e já estava mal há décadas.

É preciso dizer aos portugueses, que os problemas no INEM são estruturais, que tem resultado da contenção de despesas e na ausência de diferenciação de recurso humanos nos CODU. Ainda por estes dias, um órgão de comunicação social deixava claro este aspeto: O investimento público, que foi orçamentado e nunca chegou a ser executado perfez, nos últimos cinco anos, um total de 10 mil milhões de euros, com piores resultados em 2022 e 2023. No setor da Saúde então, a execução orçamental ficou abaixo dos 50% em 2022 e em 2023. O valor é ainda maior se olharmos de forma mais alargada para os orçamentos anteriores: o Estado deixou por investir 793 milhões de euros na Saúde em cinco anos. Como podemos querer serviços de primeira linha de qualidade quando sucessivamente cortamos no investimento?

Ana Paula Martins e a sua equipa tem sim a responsabilidade de colocar o INEM no rumo certo. E tomou de imediato a medida correta, colocar novamente os Enfermeiros nos CODU. A sua competência na avaliação rápida e precisa de situações urgentes permitirá uma triagem mais eficaz e segura, garantindo que as prioridades de atendimento sejam corretamente avaliadas e encaminhadas. Tal como já acontece na Triagem de Manchester nos hospitais, na linha SNS 24 e SNS Grávida, os enfermeiros desempenham um papel central. Onde a sua vasta diferenciação técnica e científica, assenta numa formação académica superior que permite melhorar processos e minimizar riscos e danos.

Enquanto presidente do Sindicato dos Enfermeiros – SE, defendo que o caminho para garantir uma triagem eficaz e segura passa pela integração total dos Enfermeiros no CODU e nos processos de triagem telefónica de emergência do INEM. Não é razoável, nem digno, colocar em causa a vida dos cidadãos quando temos ao nosso dispor um conjunto de profissionais com formação adequada para estas funções. A saúde dos portugueses não pode ser sujeita a compromissos que ignorem a competência e a experiência acumulada dos enfermeiros, colocando em risco vidas humanas.

Se o nosso objetivo é assegurar uma resposta rápida e eficaz do INEM, urge repensar o modelo de atendimento e dotá-lo dos recursos humanos mais capacitados. A mudança é urgente. A integração de enfermeiros na linha da frente da triagem telefónica do INEM não deve ser vista como uma opção, mas como uma necessidade imediata. Não podemos continuar a adiar uma reforma vital que assegure uma resposta rápida e eficaz, em que a vida dos cidadãos esteja em primeiro lugar.

Temos de libertar os Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (TEPH), para executarem as funções que os Bombeiros voluntários fazem como Tripulantes de Ambulâncias de Socorro (TAS). Isso sim, reforçaria a nossa capacidade de resposta no transporte de doentes urgentes e permitiria mais ambulâncias e meios nas ruas.

É incompreensível estas dicotomias. Ainda mais quando são os Bombeiros que asseguram 90% dos transportes urgentes, têm cerca de 400 ambulâncias INEM e lhes negamos uma especialização merecida, bem como uma carreira.

O tempo de espera terminou. A saúde dos cidadãos e a segurança de todos exigem uma resposta eficaz e responsável.

Vale a pena refletir sobre isso: cada minuto conta quando se trata de salvar vidas. O INEM não pode continuar a funcionar à custa de sacrifícios que podem tirar vidas. A saúde dos portugueses não deve ser um jogo de riscos, e a mudança é agora!