A Enfermagem é o pilar do sistema de saúde português, mas esse pilar está a desmoronar-se devido às condições insustentáveis enfrentadas diariamente pelos Enfermeiros. O preço pago por esta entrega é demasiado elevado. Em Portugal, os enfermeiros enfrentam diariamente condições que os colocam entre as profissões mais vulneráveis ao risco e ao desgaste. É uma realidade inquestionável, suportada por dados e pela experiência vivida de milhares de profissionais no seu dia a dia.
Os números falam por si. Estudos recentes mostram que mais de 65% dos enfermeiros sente exaustão física várias vezes por semana. Outros 71% admitem não conseguir descansar nas folgas. Quando estas existem. Esta profissão exige muito mais do que o corpo humano pode suportar. Seja pelas horas excessivas, pelos turnos noturnos, pela ausência de pausas adequadas ou pela manipulação de medicamentos e sua correta administração. E até pelas colheitas de fluídos biológicos, pela exposição a doenças e, sem dúvida, pela dificuldade de controlo das emoções no contexto de doença.
Os riscos que enfrentamos são múltiplos e, frequentemente, invisíveis para os utentes. É que não se trata apenas de lidar constantemente com a dor, a doença e a morte, quantas vezes solitária, que deixam marcas profundas.
Se esta é a realidade diária dos enfermeiros, por que razão estes riscos continuam desconhecidos para a maioria da população? E, mais grave, dos deputados da Nação, principais responsáveis pela criação de legislação que permita minimizar os efeitos nefastos de uma exposição sem controlo?
A verdade é que há um desconhecimento generalizado daquele que é o trabalho diário do enfermeiro. E muitos portugueses não imaginam sequer que os enfermeiros estão diariamente expostos a agentes biológicos perigosos. Basta olhar um pouco para trás e ver o que vírus SARS-CoV-2 nos deixou como legado. Para os enfermeiros, cada dia de trabalho é um desafio físico e psicológico, enfrentado com coragem e resiliência, mas que cobra o seu preço. Reforço: demasiado alto em muitos casos.
A pressão não vem apenas das exigências técnicas da profissão. A falta de recursos humanos, a ausência de reconhecimento e as remunerações inadequadas são fatores que agravam o cansaço e a desmotivação.
Em 2022 foi realizado um estudo sobre as condições de trabalho e vida dos Enfermeiros em Portugal. Este trabalho é da maior relevância, pois determina a fotografia exata do estado dos Enfermeiros no nosso País no período pós-pandémico. E o que se extrai desta radiografia à profissão? Que 65% dos enfermeiros já consideraram mudar de profissão; 67% não gostavam que um filho ou filha sua fosse enfermeiro; 1 em cada 2 enfermeiros não recomendaria a sua vida profissional como carreira de futuro a um amigo; e 1 em cada 3 enfermeiros considera a remuneração não satisfatória.
Além disso, a exposição à violência é uma realidade alarmante. Mais de 60% dos enfermeiros já sofreu agressões físicas ou verbais no local de trabalho. Alguns com danos graves para a sua saúde, como aconteceu com os colegas a 20 de fevereiro de 2022 no serviço de urgência do Hospital de Famalicão, integrado na Unidade Local de Saúde do Médio Ave. Estamos a menos de 30 dias do final de 2024 e as 12 pessoas acusadas de espancar os enfermeiros e um segurança com barras de metal, além de causarem estragos de 3 mil euros no hospital, ainda aguardam o início do julgamento. Profissão de alto risco? Esta evidência torna inegável a necessidade de agir.
Os enfermeiros estão numa posição de vulnerabilidade extrema. Muitas vezes sozinhos na linha da frente do atendimento aos utentes e suas famílias, em alguns dos momentos mais stressantes das suas vidas. A esta realidade soma-se o stress laboral e a ausência de apoios psicológicos.
Mas não podemos continuar a ser ignorados. Reconhecer oficialmente a profissão como sendo de Alto Risco e Desgaste Rápido é uma questão de justiça e de segurança, permitindo aos enfermeiros usufruírem, entre outros, de regimes especiais que os colocam a salvo de qualquer penalização por antecipação da idade de acesso à pensão de velhice.
Este estatuto protege os profissionais, mas também os utentes, porque reduz o risco de erro resultante do cansaço extremo. Porque o cansaço acumulado cedo ou tarde vai potenciar o erro profissional e, com isso, colocar em perigo a saúde, ou mesmo a vida, dos portugueses.
Em 2020, 2021 e 2022, mais do que alguma vez na história de Portugal, e do mundo, o país precisou dos enfermeiros para enfrentar uma pandemia sem precedentes. Hoje a pandemia é outra, mas mais silenciosa. Quem agora precisa verdadeiramente de auxílio são os Enfermeiros. É urgente que o Governo e as instituições protejam quem arrisca a própria vida para salvar outras. É tempo de dar aos enfermeiros o reconhecimento e as condições que merecem para exercer a sua profissão. Afinal, não há sistema de saúde sem enfermeiros. E não pode haver um sistema de saúde justo sem valorizar quem o sustenta.
Cabe aos deputados transformar este apelo numa ação concreta. Não queremos que se repita o fracasso da anterior legislatura, em que a maior petição da área da saúde, com mais de 32 mil assinaturas, foi ignorada pela maioria parlamentar. Não só os ensejos da petição, como também todas as iniciativas legislativas que a Oposição apresentou a propósito da referida petição.
O tempo para agir é agora. Em breve os deputados vão ser chamados, uma vez mais, a tomarem uma posição nesta causa dos Enfermeiros. O Sindicato dos Enfermeiros – SE voltou a reunir mais de 15 mil assinaturas numa nova petição, para que, finalmente, seja reconhecida a justeza da aplicação deste estatuto.
Aos deputados cabe a responsabilidade de transformar o apelo de mais de 15 mil portugueses que subscreveram esta nova petição numa ação concreta. Com uma responsabilidade acrescida para todos os deputados e deputadas que na anterior legislatura quiseram dar força de lei à justa reivindicação do SE. Aos portugueses lançamos um apelo de desespero: continuem a apoiar quem nunca virou costas à saúde do país, mesmo nos momentos mais difíceis dos tempos modernos, mesmo nas condições mais adversas. Assim saibam, também, os deputados reconhecer os louvores que nos teceram na fase pandémica, mas que rapidamente esqueceram quando o vírus desconhecido foi derrotado. É imperativo que o Governo e as instituições reconheçam e valorizem os enfermeiros.
Sem os enfermeiros, o sistema de saúde colapsará. Mas sem justiça para quem salva vidas, também não haverá profissionais que suportem o peso de cuidar. O momento de agir é agora. Que esta petição não seja apenas mais um apelo ignorado, mas sim um marco para a mudança necessária. Os portugueses e os seus enfermeiros merecem-no.