Hoje em dia as pessoas vivem mais, é um facto, mas muitas pessoas também vivem mais com as doenças para as quais antigamente os tratamentos eram pouco eficazes.
Há muitos anos, quando surgiram os tratamentos para o cancro, os doentes tinham poucas hipóteses de cura, viviam em sofrimento e por períodos muito curtos. Foi com o propósito de ajudar estes doentes que os cuidados paliativos começaram — primeiro no Reino Unido, nos anos 60, e depois espalhando-se por todo o mundo — inicialmente vocacionados para doentes em fim de vida. Mas esta já não é a realidade atual. A medicina foi evoluindo e a cura para o cancro passou a ser uma realidade para muitos doentes.
Passando o cancro a ser considerado uma doença crónica, houve necessidade de se redefinir o que são os cuidados paliativos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde “são uma abordagem que visa melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença grave e/ou avançada e progressiva, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento da dor e outros problemas, físicos, psicossociais e espirituais.”
Portanto, o âmbito de atuação dos cuidados paliativos deixou de estar focado nos doentes em fim de vida e passou a abranger outras doenças que, apesar de terem tratamentos disponíveis para prolongar a vida, têm prognóstico incerto e os doentes têm necessidades de cuidados específicos. São exemplo: doenças respiratórias, insuficiência cardíaca, insuficiência renal e outras falências de órgão; doenças neurológicas incuráveis, como a esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença de Parkinson, demências, idosos frágeis, entre outras, em que o tratamento é paliativo desde o diagnóstico; doentes com sequelas de AVC, com paralisia cerebral e outras com necessidades complexas de cuidados.
No que se refere a idades, tanto adultos como crianças podem usufruir destes cuidados e os doentes podem ser tratados tanto em casa como em regime de internamento, dependendo da complexidade da situação clínica e das técnicas e fármacos disponíveis para cada situação.
É importante salientar que os cuidados paliativos, para além de atenderem às necessidades dos doentes, também oferecem um sistema de suporte para ajudar a família a cooperar durante o percurso da doença e durante o processo do seu próprio luto (fase que se segue à morte do seu ente querido) onde se inclui o suporte psicológico.
Um outro aspeto relevante é que os cuidados paliativos devem ser incluídos cedo no curso da doença, mesmo que os doentes se encontrem a realizar tratamentos cujo objetivo é o de prolongar a vida. Tratar um doente numa fase mais precoce pode ser fundamental. Há situações em que, numa fase ainda inicial da doença, os doentes já se encontram tão queixosos (por exemplo, com dores, ansiedade, falta de ar) que é fundamental o controlo destes sintomas para se poderem iniciar ou continuar os tratamentos. Por outro lado, em fases mais avançadas, os sintomas podem sobrepor-se aos efeitos da terapêutica e é necessário um controlo da situação a que só uma equipa especializada em cuidados paliativos pode dar resposta.
A abordagem destes doentes só é possível com uma equipa interdisciplinar, que envolve médicos, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, capelão ou mentor espiritual e assistentes sociais, com vocação, dedicação e formação específica nesta área. Estes profissionais atuam em áreas distintas que vão desde o tratamento da dor e outros sintomas físicos, ao suporte psicológico e espiritual, sempre em articulação permanente com as outras especialidades que acompanham o doente desde o início da doença.
Hoje comemora-se o Dia Mundial dos Cuidados Paliativos. Pode-se dizer que Portugal conta com uma longa história de cuidados paliativos — mais de 25 anos. Contudo, verifica-se que os doentes ainda chegam muito tarde a este cuidados. É fundamental que os doentes sejam referenciados para cuidados paliativos numa fase precoce da doença para que ainda haja oportunidade de diminuir o seu sofrimento e contrariar a crença de que os cuidados paliativos são apenas para quem está a morrer.
Os cuidados paliativos são prestados por profissionais com formação específica, cujo objectivo é dar vida aos dias, melhorar a qualidade de vida dos doentes e seus cuidadores, não esquecendo que estes também precisam de ser cuidados.