“The early days were fun. We were fast, competition was furious.”
Não estive na apresentação do iPhone original. Há dez anos não tive a noção do arrependimento que viria a acumular, mas tinha boas razões para isso, fossem pessoais ou profissionais. Apesar de profissionalmente ligado à marca, conhecia bem o secretismo que então era apanágio da gestão de Cupertino, um manto que me deixava saber muito pouco sobre os produtos em véspera de lançamento, não tive a capacidade de antever que a icónica frase de Steve Jobs se tornasse tão verdadeira nas nossas vidas. “De quando em vez chega um produto revolucionário que muda o nosso mundo”, disse ele em pleno palco. “Hoje a Apple vai reinventar o telefone”. A sério, Steve? Com um telefone?
Sejamos honestos: eu era um Gestor de Produto e consumidor ao mesmo tempo. Passei anos a usar a tecnologia disponível e muita dela vinha embrulhada em promessas de velocidade e novos caminhos para trilhar. No dia da apresentação do iPhone, eu tinha no bolso um dos mais avançados telefones que o dinheiro podia então comprar. O que é que podia correr mal? Tudo. Tudo o que me tinham “vendido” como futuro estaria enterrado uns míseros noventa minutos depois. O futuro, diziam-me, estava em écrãs grandes e vistosas canetas de plástico pagas a bom preço. Em aplicações que ainda nem sequer existiam. E nas quais aqui o céptico consumidor tinha muito pouca fé.
Mas não. Da mesma forma que a Apple reinventara o Mac, o iPod e algumas outras coisas e sem que nenhum de nós ousasse sequer sonhar com isso, baralhava-se e dava-se de novo. Baralhava-se a indústria, o mercado, o próprio consumidor. Nunca me senti tão positivamente enganado a respeito de tecnologia como então. Com a agravante de saber que o anúncio do iPhone não diria respeito à Europa, ao meu mercado e ao meu bolso. E que teria de aguardar longos meses de luto tecnológico até poder ter um ao meu serviço. Gestos em vez de clicks, dedos em vez de canetas. Pfft!
Dez anos depois o iPhone tornou-se o mais lucrativo produto da multinacional americana. Esqueçam tudo o resto. Ou deixemos o assunto para os gestores, analistas e fazedores de opinião tecnológica. Olhemos apenas para as razões que levam uma boa dose de vidro, metal e sílica a entranhar-se por completo nas nossas vidas.
Interrogo-me muitas vezes sobre o meu grau de dependência de um smartphone. Tantas vezes que até me custa aceitar que é o único gadget do meu arsenal sem o qual a minha vida se torna tremendamente mais complexa. E se me questionarem quando foi a última vez que saí de casa sem ele a resposta é “nunca”. O iPhone que trago comigo tem vindo a dinamitar os meus hábitos de décadas. Não é ele a razão direta dessas alterações, mas passam sempre por eles. Leitura em papel? Ligações ao mundo profissional? Trabalhar em andamento? Socialização virtual? Tudo passa por um smartphone. No meu caso, por um iPhone. A escrita deste texto passou pelo mais versátil computador que uso. Sim, o meu outro computador é outro iPhone…
Dez anos não são nada e são tanta coisa em simultâneo. Depois de nos primeiros cinco se ter convergido de forma marcante em volume e forma, começa agora a divergir-se. O que foi grande em termos físicos está lentamente a regressar a tamanhos mais confortáveis. A matriz porém, continua a mesma. Gestos naturais, sistemas pensados pela simplicidade, produção efetiva. Ainda assim aceito discutir questões de qualidade de hardware. Sim, alguns equipamentos deixaram de ser eternos. Mas teríamos de chamar de novo os analistas, os engenheiros e os controladores de custos. A obsolescência (programada ou não) é hoje a maior ameaça do consumidor de tecnologia. Mas enquanto essa mesma obsolescência for razoável e não me assombrar frequentemente, até nisso estou disposto a pensar “Levem-me o dinheiro e calem-se!”.
E percebo que quem não utilize a marca se revolte aqui e não partilhe do fervor que mantenho por uma família de produtos. Tenham a devida paciência. Não foi apenas o telefone que foi reinventado naquele dia num palco de São Francisco. Até quem usa um aparelho com sistema operativo concorrente deve à Apple e àquele dia de há dez anos o turbilhão de novidades que daí advieram. Com ou sem guerras de patentes, com mais ou menos milhões de lucro. Foi ali que a palavra reinventar se reinventou ela mesma. De forma serena, tranquila e ignorada por mim. Aquele dia mostrou-me algo que estava farto de saber: “não julgar um livro pelo ecrã”.
Pedro Aniceto é consultor na área das Tecnologias de Informação.