Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) emergiu como uma das ferramentas mais transformadoras da era digital, com potencial para revolucionar muitos setores, inclusive a Medicina. No entanto, uma questão permanece: será que a Medicina está realmente preparadas para a IA? A resposta não pode ser dada de forma linear pois é indubitavelmente complexa. Se não vejamos: as tecnologias de IA já demonstraram um enorme potencial em várias áreas da Medicina, mas há sempre um senão, isto porque o investimento nesse campo envolve custos demasiado elevados e, adicionalmente, existem desafios significativos a serem superados, desde a infraestrutura à formação do pessoal clínico até às questões éticas e de regulamentação.
Quando revemos a história do diagnóstico médico, constatamos que ela é fortemente marcada por observações minuciosas. Os médicos medievais para diagnosticarem doenças cardíacas e pulmonares recorriam ao exame físico: pulso, palpação, entre outros. No século XX adicionaram-se os estudos laboratoriais e o século XXI foi prolifero no desenvolvimento de tecnologias de aquisição de imagem e sinal médico de elevada resolução que permitiram avanços clínicos substanciais ao nível do diagnóstico. Não obstante os avanços, o diagnóstico permaneceu até aos nossos dias uma tarefa amplamente humana, com os médicos a apoiarem-se em protocolos clínicos para diagnóstico de doenças – sinais, sintomas e resultados de diagnósticos prévios característicos de uma determinada doença. Todavia, e porque “errar é humano”, algumas vezes o erro de diagnóstico ocorre porque os padrões da doença se encaixam no protocolo de diagnóstico, contudo, o protocolo não é interpretado corretamente. Outras vezes, o erro acontece porque a doença apresenta características que não correspondem aos padrões conhecidos, ou seja, não se encaixam no protocolo de diagnóstico.
Indiscutivelmente, a IA pode ajudar a resolver esses problemas se houver investimento suficiente para a seu treino e implementação correta com dados suficientemente normalizados, bem catalogados e padronizados. Veja-se as vantagens daí decorrentes: a IA é menos suscetível a fatores comuns que levam os médicos a cometer erros de diagnóstico tais como fadiga, pequenas falhas na interpretação de imagens e sinais, etc. Mesmo quando os diagnósticos das doenças se compatibilizam com os protocolos, os computadores identificam detalhes e padrões de uma forma mais expedita e eficaz do que o médico. Usar a IA para aumentar a precisão e a rapidez com que os médicos reconhecem doenças pode significar a diferença entre a vida e a morte!
No entanto, para que a IA se torne uma parte integrante do sistema de saúde é necessária uma infraestrutura robusta. Muitas instituições de saúde ainda dependem de sistemas legado (ultrapassados!) que são incompatíveis com as tecnologias de IA modernas. Além disso, a digitalização dos registos de saúde é desigual, com muitos hospitais e clínicas ainda a efetuarem registos em papel. A falta de dados digitalizados, a sua não padronização e uniformização entre os diversos sistemas de saúde e hospitais/clinicas é uma barreira significativa, uma vez que a IA precisa de grandes volumes de dados da mesma natureza e de estruturas padronizadas para aprender a funcionar de maneira eficaz e precisa.
Outro ponto crítico é a capacitação dos profissionais de saúde. Os médicos e enfermeiros precisam de ser treinados para usar as ferramentas de IA e, mais importante, para interpretar corretamente os dados e recomendações fornecidos por esses sistemas. A integração da IA na prática clínica não significa apenas adicionar uma nova ferramenta, mas também transformar a maneira como os cuidados de saúde são prestados. Os profissionais precisam conhecer as limitações da IA e estar preparados para intervir quando necessário. A IA é uma ferramenta, suporta a decisão, mas não substitui o pessoal clínico! Aqui as Universidades têm o papel fundamental na mudança deste paradigma através da Educação/Formação Contínua e Desenvolvimento Profissional destes clínicos oferecendo cursos pós-graduados focados em IA. A atualização destes profissionais para o uso destas novas tecnologias promoverá a integração plena destas ferramentas na atividade clínica nos próximos anos!
A introdução da IA na Medicina também levanta questões éticas significativas. A privacidade dos pacientes é uma preocupação central, especialmente quando se trata do uso de dados de saúde para treinar algoritmos de IA. Além disso, nenhum sistema é 100% fiável (!), há o risco de viés nos algoritmos levando à perpetuação de erros na sua aplicabilidade em sistema de saúde. Outra questão que se levanta consiste em saber quem é o responsável quando um algoritmo comete um erro que afeta negativamente a saúde de um paciente. É essencial que existam diretrizes claras para garantir que a IA seja usada de maneira ética e responsável salvaguardando todos os intervenientes durante o seu uso.
Não menos importante, está a aceitação dos pacientes. A confiança é um fator crucial para a adoção da IA na medicina. Os pacientes precisam sentir que as suas informações estão seguras e que as tecnologias de IA são usadas para melhorar, e não substituir, a decisão clínica dos médicos. A transparência é chave para construir essa confiança, com os pacientes a serem informados sobre como os seus dados estão a ser usados e como a IA está a contribuir para os seus cuidados de saúde!
O futuro do diagnóstico médico não significa usar exclusivamente a IA, mas, não deveremos fazer uso do que ela pode fazer por nós e nós não?