O aumento da longevidade é uma das maiores conquistas do último século, representando um desafio significativo para países com populações envelhecidas como Portugal. Um dos desafios mais complexos é a gestão da saúde desta população, onde a multimorbilidade e a polimedicação são cada vez mais prevalecentes.
A polimedicação, ou polifarmácia, definida como o consumo de cinco ou mais medicamentos por dia, embora possa ser apropriada em casos de multimorbilidade, está associada a resultados negativos em saúde, tais como o aumento do risco de quedas, fragilidade, comprometimento cognitivo, declínio funcional, hospitalizações e morte.
A Organização Mundial da Saúde, ciente desta problemática, identificou a redução da polifarmácia inadequada como um objetivo prioritário de saúde pública no seu Terceiro Desafio Global para a Segurança do Paciente em 2017. Em 2024, publicou um relatório delineando uma estratégia global para promover a segurança medicamentosa, instando os países a desenvolverem planos de ação nacionais.
Neste contexto, a desprescrição surge como um processo essencial na prática clínica, especialmente em populações envelhecidas e com polimedicação. A desprescrição é um processo sistemático de identificar e descontinuar medicamentos em que os danos reais ou potenciais superam os benefícios, no contexto dos objetivos de cuidados individuais do doente, do seu nível atual de funcionamento, da sua expectativa de vida, valores e preferências. É uma estratégia crucial para a otimização da medicação e deve ser encarada com a mesma seriedade que o ato de prescrever, promovendo a segurança e qualidade na gestão medicação.
Cientes da crescente importância da desprescrição nos cuidados de saúde à população geriátrica, um estudo recentemente publicado na Acta Médica Portuguesa com a coautoria de Manuel Veríssimo, da Universidade de Coimbra, e avaliou as atitudes, o conhecimento, a formação e a prática clínica dos médicos portugueses relativamente à desprescrição.
Verificou-se que existe uma elevada consciencialização sobre a desprescrição entre os médicos portugueses: 81,2% conheciam o termo “desprescrição”, quase todos (98,9%) concordavam com o seu potencial benefício para o idoso, e 92% dos médicos já praticavam a desprescrição na sua atividade clínica. No entanto, apenas cerca de 40% utilizavam um método específico para desprescrever, bem como critérios (ou listas) para identificar medicamentos potencialmente inapropriados. Esta discrepância poderá dever-se ao facto de a desprescrição ser um conceito relativamente recente, que apenas nos últimos anos tem ganho visibilidade e evidência científica que a sustenta.
Estes resultados indicam que a formação específica em desprescrição é determinante para moldar as práticas de desprescrição. Idealmente, esta formação deverá ser adequada às necessidades de cada especialidade e fase da carreira médica, sendo enquadrada numa política mais robusta de educação pré e pós-graduada na área da geriatria. Mesmo na ausência de políticas específicas para a educação na otimização da medicação no idoso, na qual a desprescrição se insere, quase metade dos médicos portugueses já possui alguma formação nesta área, o que pode ser um indicador promissor para o sucesso da implementação de futuras estratégias.