O Fabrico Aditivo, popularmente conhecido como Impressão 3D, tem suscitado muito entusiasmo e expectativa na última década. Em 2013, o assunto teve direito a destaque no discurso do Estado da União dos EUA, proferido pelo então Presidente Obama. Segundo os media, esta tecnologia é “revolucionária”, “vai mudar o mundo”, e será usada, no futuro, para produzir quase tudo. É também o discurso mais frequentemente ventilado por quem não tem conhecimento científico na área.

Mas é isso que está a acontecer? Poderemos um dia “imprimir” praticamente tudo em nossa casa, como um computador ou um relógio? E na indústria, vai a Impressão 3D substituir a maioria dos processos de fabrico ditos tradicionais?

Para evitar uma resposta precipitada a estas questões convém lembrar, em primeiro lugar, que não é muito prudente fixar os limites da evolução tecnológica. Com efeito, ficou famoso o episódio ocorrido em 1835, quando o filósofo positivista Auguste Comte (1798-1857) afirmou categoricamente que nunca seria possível conhecer a composição química das estrelas… Na realidade, por essa altura, Joseph Fraunhofer (1787-1826) já tinha iniciado o estudo da espectroscopia, e, anos mais tarde, através do espectro de Fraunhofer, foram descobertos os elementos químicos que constituem as estrelas! Este episódio – para além de mostrar que o positivismo pode ser uma barreira inútil à razão humana – mostra também que aquilo que hoje não é tecnologicamente possível, amanhã poderá sê-lo.

Fig. 1 – Imagem espectral de 100,000 estrelas do interior da Omega Centauri, obtida pelo Telescópio Hubble em 2009. Cada cor corresponde a um comprimento de onda, que por sua vez está associado à temperatura da estrela, em função dos elementos que a compõem. Fonte: NASA, ESA, and the Hubble SM4 ERO Team.

Contudo, a par com o sonho deve estar o realismo: nem tudo será possível com a Impressão 3D. Esta tecnologia, como qualquer outra, é limitada pelas próprias leis da natureza. A Impressão 3D baseia-se em fenómenos físicos, químicos e mecânicos, e nas propriedades dos materiais, os quais, sendo intrínsecos à natureza das coisas, não podem, simplesmente, ser ignorados. Nesse sentido, muitas das expectativas atualmente depositadas na Impressão 3D serão, provavelmente, defraudadas.

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Ainda assim, continua a abordar-se a Impressão 3D quase sempre num registo romanceado, incompleto, e pouco realista. Talvez isso explique, por sua vez, um certo discurso político sobre a Impressão 3D equivocado, ou documentos com propostas estratégicas para Portugal igualmente baseados no desconhecimento desta tecnologia, das suas potencialidades e limitações técnicas.

O objetivo deste texto é apresentar com rigor técnico alguns aspetos essenciais sobre a tão badalada Impressão 3D, sobretudo na perspetiva do seu enquadramento e impacto enquanto processo de fabrico. O tema é propício a outro tipo de análises e considerações, como por exemplo ao nível dos serviços, modelos de negócio, filosofias industriais ou impactos sociais. Contudo, convém notar que a Impressão 3D é essencialmente um processo de fabrico, embora por vezes não seja devidamente enquadrada como tal. Por isso, frequentemente, esse tipo de análise de carácter mais social e futurologista parte de pressupostos errados. Também por isso, é fundamental ter uma imagem mais realista e menos fantasiada da Impressão 3D.

1 Afinal, o que é a Impressão 3D?

O termo técnico é Fabrico Aditivo, definido por normas internacionais, como o processo de produção de peças, a partir de modelos geométricos criados em computador, depositando sucessivas camadas de material, umas sobre as outras, por oposição ao fabrico subtrativo, de moldação ou de deformação, como veremos adiante.

Provavelmente, a utilização do termo “Impressão 3D”, impreciso, mas sugestivo, terá contribuído para a sua popularidade, já que as pessoas reagem a estímulos. No entanto, algumas variantes da Impressão 3D afastam-se consideravelmente da imagem de uma “impressora a imprimir”, como a variante directed energy deposition, que é semelhante a um processo de soldadura. Do ponto de vista conceptual, o tear mecânico do séc. XVIII também se enquadra na classificação de Fabrico Aditivo, embora não seja incluído neste contexto.

Como funciona afinal a Impressão 3D? De um modo geral, envolve 4 passos principais, tal como se encontra ilustrado na Fig. 2. Note-se que a modelação tridimensional (1º passo) é independente da Impressão 3D, sendo uma ferramenta de Engenharia usada há décadas. O acabamento (4º passo) é frequentemente necessário, o que reduz a competitividade da Impressão 3D.

Fig. 2 – Representação esquemática dos 4 passos principais da Impressão 3D. Os 3º e 4º passos são ilustrados, concretamente, para a produção de uma peça metálica através da variante WAAM.

Do ponto de vista histórico, é interessante notar que, apesar da sua popularidade recente, a Impressão 3D é uma tecnologia com cerca de 40 anos. Em 1981, Hideo Kodama introduziu o conceito de Impressão 3D, numa variante semelhante à atual Estereolitografia (que se baseia na solidificação de um líquido polimérico fotossensível), embora na perspetiva e com a designação de Prototipagem Rápida. A Estereolitografia foi desenvolvida em 1983 por Charles Hull, com pedido de patente em 1984 (US4575330A), e a sua comercialização iniciou-se em 1987. Mas já antes, em 1979, Ross Housholder tinha submetido uma patente (US4247508B1) de um sistema de ligação de pó metálico, com alguma semelhança ao que hoje é designado Impressão 3D na variante Selective Laser Sintering (SLS), o qual foi posteriormente desenvolvido e patenteado (US4863538A) por Carl Deckard em 1986.

A variante de Impressão 3D mais popular foi inventada em 1989 (US5121329A) por Scott Crump, com a designação comercial Fused Deposition Modeling (FDM). A patente expirou em 30 de outubro de 2009, e esse facto tem sido apontado como um dos fatores que potenciou a disseminação da Impressão 3D nos últimos anos.

É interessante notar que muitos dos fundamentos físicos da Impressão 3D são conhecidos há décadas, no âmbito de outras tecnologias de fabrico, nomeadamente da soldadura por fusão multipasse, que é a base tecnológica para algumas variantes da Impressão 3D de materiais metálicos.

2 Só há uma forma de Impressão 3D?

Na realidade, existem dezenas de tecnologias diferentes de Impressão 3D, baseadas em diferentes fenómenos de ligação (reação química, fusão+solidificação, sinterização, etc), que utilizam diferentes tipos de materiais (polímeros, cerâmicos, metais), os quais se apresentam sob diferentes formas (filamento, arame, pó ou líquido), e usam diferentes fontes de energia de ativação (calor, radiação laser ou ultravioleta, arco elétrico, plasma, feixe de eletrões, etc). São as diferentes combinações de todas estas variáveis que resultam nas múltiplas variantes da Impressão 3D.

Contudo, nem todas as combinações são possíveis, por limitações físicas impossíveis de contornar pela tecnologia, e nem todas as variantes têm a mesma relevância ou interesse industrial, pelo que, atualmente, haverá 5 ou 6 variantes que representam a grande maioria das aplicações industriais.

Apesar desta enorme variedade, é possível agrupar as diferentes variantes da Impressão 3D em grandes famílias ou categorias, de acordo, por exemplo, com as funcionalidades essenciais dos equipamentos envolvidos. Segundo este critério, a norma ISO 17296 estabelece 7 grandes categorias.

  1. Material extrusion, a mais popular e polimérica (vídeo);
  2. Vat photopolymerization, do líquido ao sólido através do ultravioleta (vídeo);
  3. Material jetting, a alma gémea da impressão 2D de jato de tinta (vídeo);
  4. Binder jetting, do pó à vida metálica, cerâmica ou polimérica (vídeo);
  5. Powder bed fusion, do pó ao sólido com o rigor do laser (vídeo);
  6. Directed energy deposition, grande e resistente para estruturas (vídeo);
  7. Sheet lamination, a variante perdida que não chega a ser (vídeo).

Fig. 3 – Exemplo de Impressora 3D de grande dimensão (3×2×2 m) para produção de peças metálicas com a variante directed energy deposition. Desenvolvida no DEMI da FCT NOVA para I&DT.

3 Quais são as alternativas à Impressão 3D?

É importante lembrar que antes de haver Impressão 3D já existiam muitos outros processos de fabrico, alguns desde a pré-história. O progresso e o bem-estar da Humanidade sempre dependeram muito dos processos de fabrico, cuja atividade económica representa cerca de 17% do PIB mundial. Por isso, mantém-se sempre atual a pergunta: como se fabrica algo? Ou seja, como se transformam os materiais em produtos? E sobretudo: como se fabrica algo mais rápido, com melhor qualidade, e mais barato? Será com a Impressão 3D? Umas vezes sim; outras não!

Os produtos necessários às sociedades atuais são produzidos com mais de 100,000 materiais de engenharia. Por isso, são necessários muitos processos de fabrico. Quantos existem? Certamente mais de 300 processos, que podem ser agrupados em 4 grandes categorias, de acordo com um critério simples: o que se faz para chegar à geometria final do produto? (Fig. 4).

Fig. 4 – Representação esquemática das 4 categorias dos processos de fabrico. A Impressão 3D enquadra-se nos processos aditivos.

De entre tantas possibilidades para o fabrico, existem boas alternativas à Impressão 3D? Para ser alternativa, um processo de fabrico deve cumprir duas condições básicas:

  1. Ser compatível com o material do produto: a fundição, a deformação ou o corte, por exemplo, não se aplicam adequadamente aos materiais cerâmicos, porque a sua temperatura de fusão é muito elevada, e porque fraturam sem deformação.
  2. Permitir realizar a geometria e dimensão do produto: por exemplo, os processo de extrusão ou laminagem só permitem produtos do tipo perfis, ou seja, com a secção transversal constante ao longo do comprimento, tal como um tubo.

Mas normalmente há vários processos de fabrico elegíveis (e concorrentes) para um determinado produto, pois satisfazem estas duas condições. Por isso, a questão é saber qual é o mais adequado. A avaliação de qualquer processo de fabrico, incluindo a Impressão 3D, faz-se de acordo com 4 critérios fundamentais, conforme representado na Fig. 5. O processo que conjugar melhor estes critérios é o processo vencedor. Neste contexto, torna-se claro que a Impressão 3D nem sempre é a melhor opção para fabricar um determinado produto.

Fig. 5 – Os quatro critérios fundamentais para a avaliação dos processes de fabrico. A Impressão 3D tem elevada flexibilidade, mas, de um modo geral, nem sempre é o processo com melhor desempenho nos outros critérios.

4 Afinal, nem tudo será produzido com Impressão 3D?

Será que a Impressão 3D vai substituir os processos de fabrico tradicionais? Certamente que não, independentemente do seu progresso. Apesar da sua flexibilidade, a Impressão 3D, tipicamente, não oferece vantagens, por exemplo, para a produção de peças de geometria relativamente simples, como se ilustra na Fig 6.

Fig. 6 – Representação esquemática de algumas geometrias de peças para as quais, tipicamente, a Impressão 3D não oferece vantagens.

É interessante notar que, quando aparecem novas tecnologias de fabrico, criam-se por vezes expectativas exageradas, ou prognósticos de que essas tecnologias vão substituir as anteriores. Mas ao contrário da eletrónica de consumo, em que umas tecnologias substituem outras, no fabrico isso não acontece da mesma forma. Frequentemente, as novas tecnologias de fabrico complementam as anteriores, sem as substituir.

Há também algumas áreas em que o papel da Impressão 3D parece ser sobrestimado. Em 2013 houve um grande sobressalto com a notícia de um individuo que “imprimiu” uma arma de fogo e fez alguns disparos bem-sucedidos nos EUA. Gerou-se uma espécie de pânico, com a possibilidade de a Impressão 3D provocar o caos no mundo… Contudo, desde 2013 morreram muitas pessoas em ataques com facas, atropelamentos coletivos e armas de fogo convencionais. Mas quantas pessoas foram mortas com uma arma de Impressão 3D? Porquê?

Parece que, neste caso particular, a Impressão 3D arrombou, com grande estrondo, uma porta que já estava aberta: há formas mais simples de fazer armas de fogo! Há muito que se faziam armas de fogo artesanais, as quais, de resto, com ou sem Impressão 3D, podem ser um perigo maior para o atirador do que para o alvo. A arma em causa não aparece com um simples clique: é uma montagem com cerca de 15 peças, incluindo algumas de metal, que não são impressas. Quem consegue fazer uma arma funcional com Impressão 3D também consegue fazê-la com outros meios, por isso a Impressão 3D não mudou radicalmente as coisas.

Outro exemplo de confusão associado à Impressão 3D é a notícia de que “uma impressora imprimiu um computador”. Na realidade, o que a impressora fez foi apenas o chassis do dito computador. A afirmação de que foi “completamente” produzido por impressora 3D, é, no mínimo, “enganadora”, para usar a terminologia do Fact Check. Neste caso, a tecnologia usada foi a material extrusion (FDM), mas qualquer outra tecnologia de Impressão 3D atual está muito longe de imprimir qualquer coisa parecida com um computador. Não há qualquer hipótese, atualmente,

de “imprimir” de forma integrada algo tão complexo e com tantos materiais com propriedades tão diferentes como um computador, tal como o conhecemos hoje.

5 Quando é que a Impressão 3D é a melhor opção?

Em termos industriais, alguns dos maiores interesses da Impressão 3D são a produção de:

  • Protótipos funcionais: para demonstração ou para testes experimentais de produtos em fase de desenvolvimento, o que permite acelerar o ciclo de desenvolvimento do produto. No início, esta era a aplicação central da Impressão 3D, que por isso se designava “Prototipagem Rápida”;
  • Ferramentas para outros processos: a Impressão 3D pode ser usada não para produzir peças, mas para produzir as ferramentas ou moldes que os outros processos necessitam. Este foi um segundo estágio de desenvolvimento da Impressão 3D;
  • Peças finais personalizadas: peças à medida de uma aplicação específica, ou peças únicas, ou produção de poucas unidades de cada peça. Frequentemente, os outros processos de fabrico, com baixa flexibilidade, não são adequados;
  • Peças finais com elevada complexidade geométrica: por exemplo, peças com cavidades e estruturas internas complexas, as quais são difíceis ou impossíveis de produzir com os processos tradicionais.

Outras áreas de elevado interesse são:

  • Operações finais em peças iniciadas por outros processos: A Impressão 3D pode ser usada em articulação com outros processos, por exemplo, para adicionar detalhes complexos ou funcionalidades específicas em pré-formas de geometria mais simples, provenientes dos processos tradicionais (Fig 6);
  • Operações de reparação: por exemplo, para reconstruir uma peça fraturada ou desgastada, sem ter de a substituir por uma nova. Este é o cenário típico em operações militares ou no espaço, onde há condicionantes logísticas;
  • Situações de emergência: por vezes, num contexto de escassez ou rutura das cadeias de abastecimento, a Impressão 3D pode ser uma solução expedita para a produção de emergência. Foi o que aconteceu recentemente no contexto da Covid-19: o processo de injeção de plásticos é o ideal para a produção de viseiras de proteção individual, porque tem cadência e qualidade elevadas e custos muito reduzidos. Mas enquanto os moldes de injeção não foram produzidos, nem a cadeia de abastecimento estabelecida, várias universidades, empresas e utilizadores individuais produziram de imediato viseiras com Impressão 3D, um pouco por todo o país, e forneceram vários hospitais, centros de saúde e corporações de bombeiros, logo no mês de março.

6 Onde se usa atualmente a Impressão 3D?

As aplicações da Impressão 3D têm sido amplamente divulgadas, e não se pretende aqui replicar esses exemplos avulso. Apresentam-se alguns casos para ilustrar os diferentes âmbitos de aplicação.

Na indústria aeronáutica, a Impressão 3D permitiu redesenhar um injetor de combustível monobloco, que substituiu 21 componentes soldados, permitindo uma redução de peso de 25%, e um aumento da eficiência do consumo de combustível. Na área automóvel, estão a ser testados pistões de alumínio, com geometrias complexas otimizadas, e com cavidades internas para refrigeração, cuja produção com outros processos seria muito complicada. Nos dois casos foi usada a variante Selective laser melting (SLM). Por cá, a fábrica da VW Autoeuropa foi pioneira, dentro do Grupo VW, no desenvolvimento de ferramentas e acessórios personalizados para as linhas de montagem, o que permitiu reduzir drasticamente o custo destes acessórios. Na metalomecânica estão a produzir-se moldes para fundição que permitem peças de geometria ainda mais complexa, de forma rápida e a baixo custo. Com a produção de estruturas reticuladas, inspiradas nas estruturas biológicas, está a ser possível otimizar e reduzir consideravelmente a massa e o peso das estruturas (Fig. 7).

Fig. 7 – Exemplo de uma estrutura reticulada. Fonte: https://www.pinterest.pt/pin/157344580718658814/

Na indústria dos moldes de injeção de plásticos, a Impressão 3D permite testar a geometria final dos moldes de aço ou a produção de pequenas séries. Entretanto, a variante material extrusion foi escalada para permitir a produção de peças com vários metros de comprimento, como por exemplo um molde para cascos de barcos.

Para além das aplicações de caracter industrial há outras aplicações muito interessantes e com potencial. Na construção civil, a Impressão 3D já foi usada para a construção de edifícios, substituindo as técnicas tradicionais, e para a construção de outras estruturas, como pontes. Há restaurantes que servem comida produzida com Impressão 3D, a qual também pode ser usada para a preparação de refeições para crianças ou idosos, a partir de pastas com a composição adequada. Na joalharia, a Impressão 3D permite a produção de peças únicas e de formas complexas. Na medicina dentária, a Stereolithography Apparatus (SLA) é usada para a produção de implantes dentários em materiais cerâmicos, e, na área da biomédica, o desenvolvimento e produção de ortóteses ou próteses personalizadas é facilitado com a Impressão 3D.

7 Quais são os grandes desafios e as perspetivas de futuro?

  • Aumento da velocidade do processo: é fundamental para reduzir o tempo de produção das peças. Já estão a ser dados alguns passos nesse sentido, por exemplo, para metais e polímeros, mas a velocidade reduzida continua a limitar a produção e a customização em massa, e, consequentemente, o custo.
  • Aumento da qualidade: nomeadamente, melhoria da rugosidade superficial e da precisão geométrica. Uma simples rosca metálica é produzida com melhor qualidade usando um torno mecânico do início do século passado. Tipicamente, as peças produzidas por Impressão 3D necessitam de pós-processamento, ou seja, operações de acabamento. Isto faz com que, na prática, a Impressão 3D não dispense os outros processos de fabrico, o que reduz a sua competitividade.
  • Os defeitos e a sua deteção: A Impressão 3D não é isenta de defeitos, o que pode ter consequências graves, e por isso implica a inspeção das peças. Isso faz-se com Ensaios Não Destrutivos (END), por exemplo, com ultrassons, raios-X, correntes induzidas ou termografia. Contudo, algumas destas técnicas não se aplicam diretamente à Impressão 3D, porque foram desenvolvidas para outros cenários de inspeção.
  • Certificação: a falta de sistemas de certificação e de controlo de qualidade é também um aspeto que limita o uso mais generalizado da Impressão 3D, já que os componentes de elevada responsabilidade têm de ser certificados.
  • Literacia para a Impressão 3D: atualmente, a maioria dos alunos de Engenharia Mecânica, e de outros cursos, já têm alguma formação nesta área e conhecem a tecnologia. Mas é importante que os potenciais utilizadores e decisores também a conheçam e estejam despertos para as suas potencialidades.

Alguns destes desafios podem ser mitigados no futuro, com a continuação da investigação científica e desenvolvimento tecnológico. Entretanto, surgem sempre novas áreas para a aplicação da Impressão 3D, algumas com enorme potencial, deixando em aberto o futuro desta tecnologia. São elas:

  • Impressão multimaterial: a utilização combinada e simultânea de diferentes materiais, com diferentes propriedades, já está a ser desenvolvida e poderá aumentar consideravelmente a complexidade e a funcionalidade das estruturas.
  • Impressão 4D: o que significa mais um “D”? Significa que a própria geometria tridimensional da peça pode variar com o tempo, mediante a aplicação de estímulos, como por exemplo, a temperatura ou força. Estruturas deste tipo existem há décadas, como por exemplo, os materiais com memória de forma. Contudo, a Impressão 3D abre novas perspetivas para este tipo de aplicações, já que permite não só a personalização da geometria 3D, mas também a variação contínua da composição química do material ao longo do volume da peça. Ou seja, é virtualmente possível construir geometrias com variação de propriedades ao longo das 3 dimensões. Esta possibilidade pode contribuir para a sofisticação do conceito Impressão 4D, nomeadamente para aplicações em sensores ou atuadores.
  • Bioprinting: Consiste na deposição seletiva de biomateriais, tais como células e meios de crescimento, para a produção de estruturas tridimensionais, mimetizando os tecidos vivos naturais. Nos últimos anos têm sido realizados progressos nesta área, com a criação de estruturas mais simples, não vascularizadas, do tipo cartilagem ou osso.
  • Circuitos eletrónicos: a possibilidade de criar componentes com circuitos eletrónicos integrados poderá ser um passo significativo para as aplicações da Impressão 3D. O problema é que os materiais com boa condutividade elétrica (ex. prata, cobre, alumínio) têm temperaturas de fusão elevadas (ex. 700-1000ºC), muito superiores às dos polímeros (ex. 100-200ºC), o que torna incompatível a impressão multimaterial com materiais com propriedades tão diferentes. Contudo, o que podia parecer uma limitação física inultrapassável, poderá ser contornado com a utilização de materiais em forma de nano partículas, já que neste caso a sua temperatura de fusão desce consideravelmente. Por exemplo, a prata funde a cerca de 960ºC, mas nano partículas de prata, com dimensões inferiores a 3.5 nanómetros, fundem a cerca de 100ºC, o que abre a porta para a impressão de circuitos elétricos embutidos em materiais poliméricos.

8 Notas finais e avanços em Portugal

Apresentaram-se até aqui alguns aspetos essenciais sobre a Impressão 3D, sobretudo na perspetiva do seu enquadramento e impacto enquanto processo de fabrico. Esta abordagem deve preceder a análise dos aspetos relacionados com os serviços, os modelos de negócio, as filosofias industriais ou os aspetos sociais, os quais não foram propositadamente abordados.

A Impressão 3D é um processo de fabrico relevante e com muito potencial por explorar. Mas, por enquanto, com o estado atual da tecnologia, ainda não se vislumbra “um novo mundo”, por mais que se proclame iminente. Os desafios atuais da Impressão 3D ainda exigem muita investigação científica e desenvolvimentos tecnológicos para um maior impacto industrial e económico.

A Impressão 3D deve ser enquadrada, enquanto processo de fabrico, no âmbito de largas dezenas de outros processos de fabrico, e como tal não é uma panaceia tecnológica para o sector da fabricação, nem mesmo no contexto da chamada Indústria 4.0. Nem é algo que permita, por si, alavancar a reindustrialização de um país.

O mercado global atual da Impressão 3D será cerca de dez mil milhões de Euros, o que representa apenas uma ínfima parte de todo o setor da fabricação, mas há estimativas que apontam para um impacto 10 vezes superior até ao final da década. Para isso, é fundamental que a Impressão 3D seja implementada industrialmente, de forma inteligente, numa lógica de complementaridade e de articulação com os atuais sistemas de fabrico. Isso permitirá explorar o seu verdadeiro potencial e enriquecer as atuais cadeias de valor, evitando o erro de insistir na sua utilização isolada ou individual em algumas áreas que podem não trazer competitividade relativamente aos processos de fabrico tradicionais.

Nesse sentido, a palavra chave para a implementação industrial da Impressão 3D não é “revolução”, mas integração, reforço, articulação ou sinergia. Nestas condições, a Impressão 3D poderá ser uma ferramenta tecnológica muito relevante para a indústria, em particular para o setor do fabrico, contribuindo para a competitividade da economia e para a dita “resiliência económica” que a Europa ambiciona.

Em Portugal, a investigação académica nesta área já é significativa. Pesquisando as palavras chave “Additive Manufacturing” ou “3D Printing” numa das principais bases de dados bibliográficas, a Scopus, encontram-se 90 artigos científicos em revistas internacionais com revisão por pares. Várias destas publicações resultam de projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT-MCTES), Agência Nacional de Inovação (ANI), IAPMEI, ou financiados por fundos europeus no âmbito no programa H2020.

No mercado interno também já se observam sinais de dinamismo, nomeadamente, com algumas empresas a desenvolver software, hardware e consumíveis para Impressão 3D. Para além disso, já existem dezenas de empresas a utilizar a Impressão 3D de metal, e centenas a utilizar Impressão 3D de polímeros, com um crescimento cada vez maior. Outro exemplo de dinamismo é a realização da 3D ADDITIVE EXPO, a primeira feira em Portugal exclusivamente dedicada à Impressão 3D, que decorrerá na ExpoSalão, Batalha, no primeiro semestre de 2021, depois de dois adiamentos devido à Covid-19.

O autor não tem qualquer interesse de natureza comercial na área da Impressão 3D. O seu interesse limita-se ao domínio científico e pedagógico, enquanto investigador e professor universitário. Nesse sentido, a escolha dos vídeos que envolvem marcas comerciais é contingente: de entre as inúmeras possibilidades, escolheu-se simplesmente algumas que demonstram o que se pretendia, sem qualquer outro critério.