Certo dia, o Sr. José vai à farmácia da sua aldeia à procura do seu medicamento para o coração. Não têm disponível nem sabem quando irão receber, pois os fornecedores indicam o medicamento como esgotado. No mesmo dia pede à sua prima, a D. Maria, que se desloque a uma das farmácias da sua cidade à procura do medicamento para o coração. Apesar de não o terem disponível, contactam o fornecedor e conseguem encomendar para o dia seguinte.

Esta é a história de muitos Josés e muitas Marias cujos medicamentos vão escasseando e estando indisponíveis no mercado nacional. A história de muitos doentes que procuram o seu medicamento dias e dias a fio, sem nunca o encontrarem na sua farmácia. Ou a história dos doentes dos grandes centros, que mais facilmente encontram os medicamentos escassos ou esgotados do que os doentes das pequenas localidades.

Na realidade atual, em que o acesso ao medicamento devia ser generalizado, universal e equitativo, parece ser muito mais difícil ao Sr. José encontrar o seu medicamento na farmácia da sua aldeia do que à D. Maria numa qualquer farmácia da sua cidade. Desta forma fica comprometido o acesso às terapêuticas e consequentemente o tratamento, muitas vezes crónico e essencial, dos doentes.

Num tempo em que há dificuldade em criar soluções nos centros de saúde, onde escasseiam recursos para atender às necessidades das populações, e num país com uma mortalidade acima do expectável, não seria importante definir estratégias que ajudem a aliviar a pressão sobre o nosso sistema de saúde? Não seria importante discutir e ajustar o sistema existente, por forma a diminuir as assimetrias e a escassez, trabalhando em conjunto para resolver um problema essencial das populações?

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A cada dia que passa aumenta a lista de medicamentos indisponíveis e de medicamentos rateados, com seleção, por parte dos armazenistas, das farmácias que recebem os medicamentos escassos em função do volume de compras ou dimensão da farmácia. Significa que as farmácias tendencialmente mais pequenas, e que servem zonas mais despovoadas ou remotas, com população tendencialmente mais envelhecida e vulnerável, são aquelas que os recebem em último lugar. Deste modo cria-se uma assimetria ainda maior entre litoral e interior, com mais iniquidades no acesso a cuidados, ficando a Saúde comprometida em nome de outros interesses.

Note-se que este problema foi identificado pela primeira vez em 2008 pela Comissão Europeia. Desde então, foram dados alguns passos e criadas algumas estratégias, como a limitação da exportação e gestão da disponibilidade de alguns medicamentos, para atenuar este problema. Apesar da sua implementação, pouco parecem contribuir para atenuar este problema, sendo mais uma formalidade burocrática do que uma verdadeira solução para inverter esta tendência de escassez crescente.

No final do dia, temos o sr. José à espera de uma solução que tarda em chegar. Mais um doente em risco de descompensação que, mais dia, menos dia, chegará às urgências hospitalares. Tudo isto porque o seu medicamento não chegou a tempo. Tudo isto porque os interesses económicos se sobrepuseram às necessidades do sr. José.