Há um dito popular que sentencia “Quem paga adiantado, é sempre mal servido”! Este parece ser aliás aplicável às empresas que se encontrem em situação de insolvência. Na verdade, o nosso país está tristemente povoado por unidades industriais abandonadas, que ferem não só a nossa visão como também a economia no seu todo, fruto de processos de insolvência em que os ativos agonizam anos a fio até serem vendidos e reestruturados para outro fim.

Lembrei-me desta tipicidade da nossa ordem jurídica e económica por causa da agonia insolvencial em que se encontra a Dielmar. Esta empresa é detentora de uma marca de referência e de alta qualidade no setor em que se insere. Ora, uma marca é um ser económico vivo, que tem de aparecer, que tem de estar no mercado para que possa manter o seu valor. É assim um ativo que tem de ser cuidado, mantido, divulgado, para manter ou mesmo aumentar o seu valor.

A insolvência, sendo um processo de extrema complexidade, pode ser resumido a duas linhas essenciais: por um lado é preciso verificar o passivo, ou seja, perceber quem são os credores e qual a qualidade desses créditos (podem ser comuns, garantidos, detentores de privilégio, entre outras qualificações) e, por outro, há que realizar o ativo, ou seja, pegar nos bens e direitos da empresa insolvente e convertê-los em dinheiro, para distribuir organizadamente pelos credores. Simplificando, quanto mais cara for a venda dos bens e direitos, mais beneficiados saem os credores.

Voltando ao exemplo da marca, é evidente que existe uma relação direta entre a sua venda (ou outra solução equivalente) e o tempo em que esta se concretiza. Se quisermos alienar uma marca e os respetivos produtos e indústria depois de estes estarem um par de anos fora do mercado, é patente que o valor tenderá para “zero” e que os produtos acabados e equipamentos industriais pouco mais valerão do que o seu peso em sucata.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Tenho por diversas vezes esbarrado com o princípio de que apenas podem ser vendidos com caráter de urgência os bem que são perecíveis e não outros bens ou direitos. Assim, se porventura os bens a alienar em processo de insolvência (ou mesmo em processo executivo) são constituídos por fruta fresca ou pescado, é imediatamente autorizada a venda. No entanto, se o que se pretende alienar é um estabelecimento comercial ou industrial, composto por marcas, produtos, indústria, que no seu conjunto funcionam e valem de forma integrada se se mantiverem em funcionamento, na generalidade das situações a venda não é possível. Qual a consequência? A marca desaparece, os produtos deixam de ter interesse e as máquinas são vendidas ao quilo. Já os trabalhadores que seriam essenciais para o funcionamento daquela unidade económica, perdem o emprego.

Não precisa de ser assim. Sobretudo, não deve ser assim. Se numa insolvência existem várias unidades de negócio, umas boas outras más, é essencial que rapidamente se faça a separação do trigo do joio e que seja devolvido à economia a parte que nela tem cabimento. E se tem valor, há sempre quem tenha interesse nesses negócios, pagando o preço ajustado, que será sempre muitíssimo superior ao valor de um conjunto desmantelado de máquinas e produtos, já extirpados de uma marca. Os credores agradecerão e os trabalhadores também.

Se analisarmos, por exemplo, o regime da insolvência dos Estados Unidos da América, pioneiros nestas matérias, verificamos que foi precisamente assim que apesar de ser declarada insolvente, a Chrysler conseguiu um forte valor pela sua marca, ao vendê-la muito rapidamente à Fiat. A marca não foi afetada, os credores conseguiram um bom preço pelo ativo, as fábricas relevantes não pararam e os consumidores não viram desaparecer uma marca histórica.

O regime jurídico português permite, com alguma criatividade processual, assegurar uma venda muito rápida dos ativos, mas para isso temos de conjugar uma atitude proativa e corajosa dos administradores de insolvência e dos juízes. Tudo, no entanto, seria mais fácil se o legislador percebesse que os credores, os trabalhadores e a economia no seu todo teriam muito a ganhar se o regime fosse incentivado.