A inteligência artificial (IA) refere-se à capacidade de um computador reproduzir a inteligência humana, abrangendo processos de aprendizagem com base na experiência (machine learning) e de análise detalhada dos problemas (deep learning), a partir de um grande volume de dados que alimentam a máquina ao longo do tempo.
Não sendo um conceito novo, mas que remonta à década de 1950, a IA tem o propósito maior de automatizar determinadas tarefas que tipicamente requerem intervenção humana, sobretudo aquelas de natureza monótona e repetitiva, que são assim executadas de forma mais rápida e eficaz, libertando as pessoas para o pensamento crítico e tomada de decisão.
Na construção, enquanto setor com níveis de inovação, digitalização e produtividade relativamente reduzidos, juntando ainda problemas recorrentes na gestão de custos, prazos, qualidade e segurança, a falta de mão-de-obra e a crescente necessidade de edifícios e infraestruturas, esta tecnologia assume particular importância.
Neste sentido, podem ser encontradas diversas aplicações e benefícios da IA no âmbito do ciclo de vida dos ativos construídos, desde os estudos de viabilidade até à conceção (arquitetura e engenharias), licitação e execução, incluindo a fase de operação.
Por exemplo, nos estudos de viabilidade é possível obter estimativas de custo mais detalhadas e assertivas, considerando um maior número de variáveis interrelacionadas com referência a dados históricos, experiência passada e conhecimento atual do mercado. A conceção, por sua vez, pode ser automaticamente condicionada ao budget previamente definido, alertando em casos de custo excessivo e propondo soluções alternativas para adaptar os modelos de projeto. Nesta fase, a IA pode ainda apoiar na verificação da compatibilização interdisciplinar e da conformidade regulamentar, assim como da exequibilidade e segurança das soluções concebidas.
Em licitação para obra podem ser utilizados modelos preditivos que, considerando o âmbito do projeto e os riscos associados à sua dimensão e complexidade, tipo de contratação e níveis de experiência e credibilidade das equipas, permitem obter um planeamento de custos e prazos mais realista e com menor probabilidade de falhar. Neste contexto, são simulados vários cenários com diferentes combinações de atividades, precedências, recursos (mão-de-obra, materiais e equipamentos), durações e custos, até encontrar a solução mais otimizada, sem comprometer a qualidade.
Durante a execução, a partir de imagens capturadas no local da obra, podem ser automatica e remotamente verificados problemas de segurança e saúde no trabalho e de qualidade na construção, ou até o progresso dos trabalhos (percentagem de execução e carga de mão-de-obra realmente alocada), medindo e reportando o risco de incumprimento em tempo real para a tomada de ações preventivas ou corretivas de forma atempada, atendendo às especificações do projeto e ao planeamento definido. O aprovisionamento e transporte de materiais e equipamentos também podem ser mais facilmente otimizados, assim como a execução de certas atividades operacionais (e.g. betonagem, demolição, trabalhos de alvenaria e pré-fabricação), minimizando os custos e prazos do projeto.
Ao nível da operação, a IA pode ser usada para melhorar o comportamento energético dos edifícios, gerir a sua ocupação e automatizar o registo e controlo dos dados dos equipamentos e sistemas de instalação, ao abrigo de uma filosofia de manutenção preventiva ao invés de corretiva.
Enquanto desafios da implementação desta tecnologia destacam-se, à data, os elevados custos iniciais e de manutenção, relacionados com a infraestrutura necessária, gestão da informação e pessoal especializado, que ainda é escasso; a sua integração com sistemas de gestão da construção, que são diversos e por vezes complexos; o nível de confiança, dada a dificuldade em perceber o seu funcionamento, embora seja possível utilizar modelos explicativos para perceber a forma como os resultados são obtidos; a segurança da informação, sabendo que uma interferência maliciosa ao nível dos dados que alimentam as máquinas pode comprometer a qualidade dos resultados; e a ética e compliance, dada a falta de regulamentação especificamente aplicável à IA.
Em acréscimo, a cadeia de valor da construção é tradicionalmente fragmentada, com múltiplos pontos de responsabilidade, o que dificulta a partilha de informação e, por conseguinte, a agregação de dados de forma estruturada para treinar os algoritmos da IA. A não padronização dos processos de construção e a sua dependência de fatores como o local de produção, as condições naturais (e.g. solo e clima) e a regulamentação local, tornam ainda mais complicada a automatização via IA.
Posto isto, o futuro da construção com a IA é promissor, mas nunca sem antes assegurar a adequada ação governamental através de sistemas de incentivo, normas e regulação e ambientes colaborativos, em que a colaboração entre universidades e empresas assume um papel crucial. Adicionalmente, a IA deve ser devidamente incorporada na estratégia das empresas, que devem fomentar uma cultura de inovação e experimentação, promover parcerias chave, atrair e reter o talento necessário e desenvolver ações de formação orientadas.
Frequentemente questiona-se se a IA não poderá constituir um risco para o futuro das profissões, que poderão ser dominadas pelas máquinas em detrimento do homem. Contudo, a questão que se deverá colocar é sobre qual o futuro da construção sem tirar partido de tecnologias como a IA, de modo a mitigar desafios estruturais como a falta de eficiência, de produtividade e de mão-de-obra, sobretudo de caráter operacional, nos domínios da execução de trabalhos de preparação de obra, inspeção, construção, medição, orçamentação, etc. Criam-se assim mais condições para apoiar e valorizar funções no campo da gestão (e.g. conceção, planeamento e gestão de projetos), onde a criatividade, o pensamento crítico e a coordenação de equipas assumem maior relevância, com vista à resolução de problemas e tomada de decisão de forma mais célere e eficaz.