Em 2010, o salário médio de um professor dos ensinos básico e secundário era 2.728€ brutos. Em 2020, ao contrário do que se poderia esperar, este valor não é maior, é menor: 2.187€ brutos. Se olharmos para um professor que tenha entre 45 e 54 anos, o seu vencimento líquido – ou seja, o valor que este recebe na sua conta – é cerca de 1.660€. E como é fácil lermos estes números sem pararmos para compreender o que significam, eu clarifico a minha questão: onde é que pagar 1600€ por mês a uma pessoa com 50 anos, que dedicou 30 anos aos outros e à sociedade, é demonstrativo de prestígio ou louvor?! Onde é que isto é atrativo para alguém? Se me dessem esta informação aos 18 anos e perguntassem se esta era uma carreira sexy, a minha resposta seria um redondo não.

E não é de estranhar que a carreira de educação seja uma das carreiras menos sexys na hora de decidirmos o que fazer com o nosso futuro. De todas as áreas de formação, na hora de escolher qual o curso superior a tirar, não há dúvidas de qual a reputação associada à via da educação. E como sabemos isto? Façamos um pequeno quiz, ao estilo do Trivial Pursuit: de todas as áreas de formação superior em Portugal, qual a única, que ao longo dos últimos 20 anos, tem decrescido em número de diplomados? Quem ganha o queijinho? É verdade… Ganha o queijinho quem respondeu “Educação”. Em 2003, foi 15.000 o número de diplomados na área de educação. Em 2021, foram 3.500; quase 5 vezes menos!

Com um mercado de trabalho tão competitivo e um nível de informação sem precedentes, não é de julgar que a tendência seja esta. Até porque, para além da possibilidade de analisarmos o quão benéfica é ou não a carreira na educação, todos temos um fator principal de decisão na hora de fazermos essa escolha: a qualidade da nossa própria educação.

Tenho a sorte de fazer parte dos 8% de crianças que, em 1991, tiveram pais com a possibilidade de os colocar no ensino privado. Mas será que fomos assim tão sortudos? Recentemente, numa entrevista que fiz ao Alexandre Homem Cristo, no Podcast Educa-te, ele defendeu, precisamente, que talvez isto não seja bem assim. E a verdade é que a minha experiência obriga-me a concordar.

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Enquanto alguém que estudou nove anos no ensino privado e outros nove no ensino público, a minha reflexão sobre o valor que a escola teve para mim não é motivadora: enquanto lá andei, nunca entendi o porquê de ter de o fazer. Sempre me senti desajustado e, sobretudo, muito pouco visto enquanto pessoa.

Mas significa isto que a minha experiência académica foi horrível? De todo. Mas claramente poderia ter sido muito melhor. Faltou ser regra aquilo que, no meu caso, pareceu ser a exceção: ter alguns professores que mudaram a minha vida pelas coisas que me permitiram aprender. Sim. Nem foram coisas que me ensinaram. Mas sim a forma como me permitiram experienciar as minhas aprendizagens e o que eu pude aprender com essas experiências.

Ao longo do percurso escolar de um aluno que se forme pelo ensino superior, com o nível de mestrado, este passa pela experiência de ter cerca de 100 professores diferentes. Serão várias as opiniões relativas ao papel que os professores ocupam na vida de um aluno, em que uns defenderão que o seu papel é preparar os alunos para a vida, outros que é contribuir para o desenvolvimento das suas competências, outros que é ajudar os alunos a navegarem pela sua própria vida ou até uma mistura destes e outros papéis.

Independentemente de qual seja a opção correta, acredito que podemos concordar que um professor tem o potencial para transformar a vida de um aluno. Ele pode, num qualquer momento, muitas vezes até sem saber, mudar a vida de qualquer criança que esteja sentada à sua frente. E que privilégio que é estar nesse lugar. Tanto no de professor, como no de aluno! Mas será que hoje honramos este privilégio? Será que os alunos honram os seus professores? E será que os professores honram cada um dos seus alunos? A mim, parece-me que não.

Hoje sabe-se que, para que um aluno possa ser bem-sucedido numa sala de aula, é necessário cuidar de algo essencial: a relação professor – aluno. Mas se não cuidamos primeiro das condições mínimas de dignidade, respeito e admiração que temos pelos professores, que vivem ao serviço dos outros, como é que podemos esperar que estes se dediquem de corpo e alma à vida dos seus alunos? A mim parece-me que ter uma carreira de serviço aos outros, onde eu sou o último a ser reconhecido e admirado pelo meu esforço, é tudo menos atrativo e sexy. Não admira que haja tantos professores descontentes.

Quando penso nos meus 100 professores, vêm-me à cabeça alguns nomes. Cinco surgem-me quase instantaneamente e, a partir daí, já tenho de fazer um esforço para me lembrar de mais alguns, até que passados se calhar dez ou quinze nomes, já só com dificuldade me recordo. E não só tenho dificuldade em pensar nos seus nomes, como sobretudo tenho dificuldade em pensar no seu impacto na minha vida. Mas se assim é, então para que serviu o potencial destes professores? E o meu, na presença deles?

Gosto de pensar que potencial é algo inútil, até se fazer algo dele. A Educação, felizmente, tem um potencial extraordinário para todos os que nascem em Portugal. Mas, infelizmente, para a maioria dos que se servem dela, o seu potencial é inútil porque nunca se manifesta.

Diz-se que a escola é um reflexo da sociedade. E, por isso, a sociedade é também um reflexo da escola. Está na hora de começarmos todos a contribuir para uma transformação na educação. O mundo está diferente do que era há 20 anos atrás. A educação que temos hoje não está ajustada ao que precisamos que ela seja. Façamos dela aquilo que precisamos e juntemo-nos todos nesta missão. É isso que eu estou a fazer com a Educa-te. E é por isto que trabalhamos todos os dias.

Fundador e CEO da Educa-te

‘Caderno de Apontamentos’ é uma coluna que discute temas relacionados com a Educação, através de um autor convidado.