Nunca a emergência extra-hospitalar esteve tanto na ordem do dia como nas últimas semanas. Várias mortes são apontadas como efeito de uma greve que teve o condão de vir a expor um problema crónico do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM).
O problema de falta de quadros não é de agora, e tal como todo o Serviço Nacional de Saúde, a operação do INEM depende em larga escala do recurso a horas extraordinárias dos seus profissionais. Ainda recentemente ouvimos na Comissão Parlamentar para a Saúde, o Presidente do INEM afirmar que no final do mês de fevereiro já as horas extraordinárias obrigatórias (150 horas anuais) dos profissionais do INEM haviam sido alcançadas.
Ouvimos e lemos diversas posições que relatam outros problemas crónicos como a falta de financiamento, apesar do orçamento do INEM depender exclusivamente de uma taxa cobrada nos seguros automóveis de toda a população. Outros relatam o problema como estrutural, afirmando que se torna impossível gerir um Instituto com o atual regulamento, dada a pouca autonomia da Direção, Direção essa constituída apenas por 2 elementos, bastando recordar o recente episódio da contratação dos serviços de helicópteros de emergência.
Poderia continuar a descrever os problemas do INEM, mas confesso que num País onde o populismo se apresenta como um dos maiores desafios da nossa sociedade, proponho olharmos sim para as soluções.
Assim, começo pela minha opinião direta e sincera, Portugal tem um dos melhores sistemas de emergência médica do Mundo. Não tenham a menor dúvida, dentro das dificuldades e idiossincrasias diárias, o facto é que o atual sistema permite à vítima ser assistida por médicos e enfermeiros altamente qualificados e diferenciados, como se de uma extensão do serviço de urgência se tratasse para o local do incidente.
Não tenham a menor dúvida, é esta ligação contínua e sistemática à realidade hospitalar, a prática sustentada na gestão do doente crítico tanto no extra como no intra-hospitalar que suporta os cuidados de excelência da pessoa em situação de emergência médica.
Por Decreto (34/2012) o INEM é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira, tendo como missão organizar e coordenar o Serviço Integrado de Emergência Médica (SIEM).
Em termos assistenciais, o papel central do INEM, o INEM é hoje responsável em Portugal Continental pelo atendimento das chamadas de emergência (112), responsável pela triagem e despacho dos meios, responsável pela regulação do doente crítico e devido encaminhamento, e é também responsável pela resposta mais diferenciada do SIEM, nomeadamente em termos de ambulâncias de suporte imediato de vida (SIV), tripulados por um Enfermeiro e um TEPH, viaturas médicas de emergência e reanimação (VMER) e pelos helicópteros de emergência, ambos tripulados por Médico e Enfermeiro.
Muitos defendem que deveria ser este o papel exclusivo do INEM, e abandonar a atividade operacional básica (Ambulâncias de Emergência e Motociclos de Emergência). E a verdade é que os números mostram que o INEM em termos de atividade operacional básica apenas é responsável por 2% de toda a atividade de emergência, sendo os Corpos de Bombeiros responsáveis pela larga maioria desta e restantes parceiros do SIEM (por exemplo Cruz Vermelha Portuguesa).
Quando estamos a discutir a operacionalidade das ambulâncias do INEM, deveríamos sim estar a discutir o financiamento e a capacitação dos profissionais dos bombeiros que diariamente dão resposta a mais de 90% de todo o socorro em Portugal. Esta decisão levaria à libertação de profissionais (TEPH) para reforço imediato da linha de emergência.
E foi neste ponto que a discussão atual muito se prendeu, em volta do tema do atendimento às chamadas de emergência.
Ao analisarmos todos os factos apresentados, torna-se fácil compreender a real oportunidade criada no nosso SIEM perante a atual situação.
A integração do serviço SNS 24 no CODU, se perspetivarmos um serviço com um número único, onde o cidadão encontra um profissional de saúde diferenciado, que aplica um protocolo de triagem certificado e verificado internacionalmente, onde perante uma situação não urgente, o mesmo cidadão possa ser: aconselhado, encaminhado para o hospital em meios próprios com a devida referenciação, ver no imediato ser agendada uma consulta médica para o seu centro de saúde para o dia a seguir, a par do que já acontece no arquipélago dos Açores, apresenta-se como uma solução fácil, rápida e que permite várias sinergias e uma real poupança financeira para o estado, com uma gestão racional de operacionais.
As posições mais lobistas, de imediato apresentar-se-ão contra tal proposta, contudo, é fundamental compreender-se que há espaço para todos. E as sinergias decorrentes são imensas. Se a triagem seria feita por enfermeiros, tal como aconselhado pela DGS, a ativação dos meios caberia aos TEPHs, o acompanhamento dos meios realizado pelos enfermeiros, permitindo uma verdadeira coordenação e regulação por parte do médico regulador.
O sistema aqui proposto não é novo.
Foi implementado nos Açores, tendo inclusive já sido premiado como o melhor Centro Europeu de Emergência em 2017.
O sistema de triagem aplicado pelo Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores em 2013, é uma vertente do protocolo de Triagem de Manchester para o pré-hospitalar, onde gostaria de destacar algo tão simples como a possibilidade da ativação de uma ambulância no espaço de 30 minutos para determinadas prioridades, ou seja, o cidadão ao contactar a linha de emergência, é informado que a sua situação não carece de um meio de emergência, logo imediato, mas que deverá ser encaminhado para o Hospital pelo que se procederá ao envio de uma ambulância num determinado espaço temporal. Simples, eficaz, racional.
Na área da Saúde, não são raras as vezes em que tememos em olhar para o futuro e pensar a 10, 25, 50 anos. Refletir sobre para onde queremos caminhar.
Triar pressupõe sempre um processo de tomada de decisão, ensinaram-me que a triagem é o posto mais importante de um serviço de urgência, pois pauta os ritmos, pois permite gerir meios que são limitados.
O mesmo se aplica à rua, à emergência extra-hospitalar, urge também aqui um processo de tomada de decisão.
A ameaça está presente diariamente, resta esperar que os decisores vejam a enorme oportunidade que agora se apresenta. Urge que se ponham de parte argumentos populistas e discussões de culpa partidárias.
Os maiores partidos portugueses devem sentar-se à mesa e discutir o que se pretende da emergência médica em Portugal, num acordo central para que o futuro não dependa de constantes mudanças governamentais.
É isto que a Comunidade espera, é isto que a sociedade portuguesa precisa, de um rumo, mais que um INEM, um verdadeiro Sistema Integrado de Emergência Médica, projetado para o futuro, sustentado numa real mudança de paradigma.
Com menos filmes e mais emergência…