Muito se tem falado do estado da Saúde em Portugal nos últimos meses.
Situações de urgências obstétricas fechadas, horas de espera nos serviços de urgência, listas de espera para cirurgias, etc.
O impensável mundo novo de nascer sem assistência é um escândalo social, mote de um sem número de manifestações. Então e viver com conforto e dignidade nos nossos últimos dias de vida? O morrer acompanhado.
Imagine-se a si ou a um familiar a lutar contra uma doença grave sem oferta curativa. Encontra-se em casa sozinho, teve “alta” do Hospital porque o tratamento curativo já não é uma opção, a dor a “consumir” o corpo e a alma, a incerteza a pairar no ar.
Sabia que nos últimos dias de vida a complexidade sintomática é elevada e os doentes/ família enfrentam uma intensidade emocional significativa?
Que muitas vezes este descontrolo sintomático e o facto de não terem acesso a assistência por parte de profissionais especializados são o motivo de uma vontade antecipada de morte por desesperança!
Os Cuidados Paliativos são uma área essencial da Saúde que visa melhorar a qualidade de vida de pessoas com doenças avançadas, incuráveis ou progressivas, bem como das suas famílias. Em Portugal, desde 2012 que a Lei de Bases dos Cuidados Paliativos estabelece a responsabilidade do Estado nessa área. Além disso, o Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (PEDCP) delineia ações para aprimorar esses cuidados no país.
A título de curiosidade, partilhamos alguns pontos relevantes sobre esta área de cuidados, que é importante termos conhecimento:
Os cuidados paliativos são holísticos e ativos, focados na prevenção e alívio do sofrimento físico, psicológico, social e espiritual.
São prestados por equipas interdisciplinares e baseiam-se em princípios éticos e de planeamento antecipado.
Não antecipam nem prolongam o processo de morte, mas procuram melhorar a qualidade de vida.
Podem necessitar de Cuidados Paliativos adultos com doenças como o cancro, insuficiência cardíaca, doenças neurológicas (como Parkinson, Alzheimer, Demência) e outras condições crónicas, assim como crianças com doenças progressivas sem opções de cura, condições limitantes de vida ou outras doenças com diagnóstico pré-natal.
O acesso aos cuidados paliativos é um direito humano reconhecido. Deve ser determinado pelas necessidades da pessoa e família, não apenas pelo prognóstico.
A pessoa é o eixo dos cuidados, participando ativamente nas decisões. Respeita-se a sua autonomia, opiniões, valores e direitos.
O PEDCP visa disponibilizar e prestar cuidados paliativos a todas as pessoas com doenças avançadas e progressivas. Afirma a vida reconhecendo que a morte é inevitável.
Em Portugal, estima-se que neste biénio necessitem de Cuidados Paliativos 75.614 a 89.861 pessoas, não incluindo população pediátrica dos 0-17 anos. Este aumento reflete, muito provavelmente, o envelhecimento da população e as doenças a ele associadas, nomeadamente as degenerativas e as oncológicas.
A assistência em Cuidados Paliativos encontra-se muito aquém das necessidades, tanto em número de camas como de equipas.
Em termos das equipas, quer ao nível da sua componente assistencial (horários de funcionamento) como nos recursos humanos que as integram (constituição multidisciplinar muito aquém das orientações técnicas vigentes). Segundo o Observatório Português de Cuidados paliativos OPCP (2017) não existem Cuidados Paliativos domiciliários em mais de metade das regiões de Portugal e metade das unidades de internamento estão sob gestão privada. Pelo que a falta de acesso equitativo a estes cuidados é uma vergonha nacional. Que apoio/investimento/valorização tem o Estado dado a esta tipologia de cuidados?
O PEDCP enumera 4 eixos prioritários ao desenvolvimento destes cuidados em Portugal, que vão desde a organização dos cuidados, a formação mínima que os profissionais devem possuir, os referenciais de qualidade dos cuidados prestados pelas equipas especializadas e a organização destas equipas, com especial ênfase nos recursos humanos (incentivos, fixação dos profissionais, reconhecimento da compensação pelo exercício de funções em condições particularmente penosas).
No entanto, o investimento para o desenvolvimento e concretização destes objetivos tem sido nulo.
Trabalhar nesta área é visivelmente penoso para os profissionais de saúde, pela escassez de profissionais qualificados, pela ausência de incentivos para a formação e pela falta de reconhecimento da área. A carga horária extenuante, a não dignificação das condições necessárias para a prestação de cuidados, a não harmonização de práticas e registos entre os diversos níveis de cuidados, a ausência de orientações nacionais claras e abrangentes, a falta de sistemas de informação interoperáveis que facilitem a comunicação entre profissionais, tornam o dia-a-dia exaustivo, sempre em confronto com a complexidade de cada doente e família, em notório sofrimento.
Como profissionais de saúde apelamos ao reconhecimento desta realidade: Não se está a morrer bem em Portugal e isto é uma vergonha Nacional.
Urge que os eixos prioritários descritos no Plano Estratégico de Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos (2015-2016), e mais recentemente no de PEDCP (2023-2024), passem de uma realidade virtual, de um documento fantástico e sonhador disponível ao público em geral e em formato de papel, para uma realidade assistencial, promovendo a dignidade e consequentemente a qualidade de vida de todos nós.
Torna-se perentório que os cuidados Paliativos em Portugal se tornem uma realidade. É preciso agir para que esta necessidade seja reconhecida e apoiada pelos nossos governantes. Exigir a estes, aos profissionais de saúde, às instituições e à sociedade civil que se unam para garantir que todo o cidadão tenha acesso a Cuidados Paliativos de qualidade.
É hora de deixar de lado a vergonha, o “deixa andar” e lutar por um Sistema de Saúde que garanta a todos o direito a morrer com dignidade e conforto. É um Direito Humano. Estamos a falar de todos nós, da nossa qualidade de vida e dignidade até à morte.
Lutemos juntos por isso!