Não fossem as alarvidades de Ventura e o histerismo da esquerda, cada vez mais sectária – incluindo o PS –, e as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa seriam ainda o tema do dia. Acontece que de politiquice em politiquice, até os feitos do novo Governo da República vão passando entre os pingos da chuva, quanto mais as Eleições Regionais da Pérola do Atlântico… Não fossem as Eleições Europeias e ninguém aqui atracaria.

A reboque das Eleições Europeias, aterraram na Ilha da Madeira todos os líderes partidários, à exceção do atual Primeiro-Ministro, que, juntamente com os inopinados cabeças de lista candidatos a essas eleições – tratados como figuras monumentais –, desfilaram lado a lado com os carpideiros candidatos às eleições madeirenses – esses sim, tratados como meros apêndices duma campanha que a eles pertence.

A ausência de Luís Montenegro indicia um arrefecimento das relações internas no PSD, entre o Presidente do Partido e o Presidente do Congresso Nacional, servindo de fundamento para o ataque feroz das oposições quanto à confiança – ou falta dela – que o Primeiro-Ministro deposita em Miguel Albuquerque. Há seis meses, havia um coro de críticas relativamente ao rasgar de uma tradição no PSD Madeira de que a campanha eleitoral era feita pelos protagonistas regionais, rejeitando a intromissão dos responsáveis nacionais. O paradoxo não podia ser maior já que os críticos de então são exatamente os mesmos que hoje usam a ausência de Montenegro como argumento político para atacar as condições em que Albuquerque se recandidata ao cargo que ocupa desde 2015. Extasiado com isto anda o Presidente do PSD-M que retomou a religiosa tradição de excluir o líder nacional da campanha eleitoral regional, mas ainda mais entusiasmado com o facto de se bater com uma oposição frouxa que é incapaz de denotar a incoerência lógica de quem há seis meses ansiava pelo apoio interno superior e hoje despreza-o.

Os partidos mergulharam numa campanha dormente, muito pouco jovial, que luta contra uma saturação cada vez mais obtusa que suporta o fardo de ser uma exata repetição daquela que em Setembro passado ocorreu. A recetividade dos cidadãos esgotou mesmo antes das eleições terem sido anunciadas, reduzindo a pó a esperança das pessoas numa classe política repetente que jogará a segunda mão dos play-offs já neste domingo. Poderemos perspetivar que a finalíssima será disputada lá para Dezembro – ou talvez não. Uma coisa é certa, a abstenção será a inequívoca vencedora destas eleições e desempenhará uma papel cimeiro na escolha do vice-campeão. É bom que haja a consciência de que a perpetuação de estratégias fracassadas não produzirá resultados muito distintos dos anteriores, mais a mais num ambiente de enorme saciedade.

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Entrámos num período de leilão absoluto assente na infinidade de recursos financeiros, testando a inteligência do povo madeirense e sem perceber a dinâmica de umas eleições que se baseia na escolha de protagonistas, e não de propostas. Por mais contraditório que seja, estas eleições decidir-se-ão consoante a simpatia dos eleitores pelos líderes partidários em contraste com a animosidade por eles personificada. E isso percebeu Paulo Cafôfo que respaldou a sua campanha num apelo ininterrupto ao voto útil, mas carregando em si próprio o inconveniente embaraço de ter sido o líder que abandonou o partido na melhor altura da sua história – a nível regional –, e preferiu trocar a Madeira por Lisboa.

Já Miguel Albuquerque contrariou a estratégia de Montenegro ao abrir a porta a acordos com o Chega, e levou um banho de água fria engendrado por Ventura – que recusou coligações pós-eleitorais com “este” PSD. Contudo, a água rapidamente aqueceu pela mão de Miguel Castro – que apesar de não parecer, é o candidato do Chega à ALRAM – que se apressou a imortalizar, no debate da RTP-M, a possibilidade de conversações com “este” PSD. Não resisto a recordar aos leitores que, na campanha para as anteriores Eleições Regionais em 2023, o mesmíssimo candidato do Chega abriu a porta a entendimentos com o Partido Socialista e mostrou-se, para espanto dos órgãos nacionais do partido, disponível a negociar com um PS que, na altura, desesperava por uma muleta dado o tombo eleitoral que já previra.

Nestas eleições colocou-se a nu, mais uma vez e de forma clarividente, a necessidade mítica de Ventura em aparecer em cada metro quadrado que se encontra em disputa (eleitoral), ainda que isso deixe os seus candidatos numa ridícula posição de inferioridade como se de figurantes se tratassem, ou, pior, numa posição que até hoje só tinha conhecido uma dinastia – a de Gonçalo da Câmara Pereira.

Há uma coisa que é inequívoca. A rejeição de acordos com Albuquerque é uníssona nos discurso da esmagadora maioria dos partidos. Uns são mais diretos, outros mais tímidos, uns mais concretos, e outros mais híbridos. Acontece que, fazendo fé na palavra dada, caso essa rejeição não for avante acentuar-se-á a descredibilização total da classe política que eternizará uma desconfiança crónica, da qual todos dizem conhecer a cura, configurando uma descrença dificilmente perdoada, e tão pouco esquecida, pelos eleitores madeirenses.

Decorre disto uma autoestrada livre para o apelo da maioria absoluta que Albuquerque tanto almeja, deixando-o solto num jogo perfeito para a vitimização política de que, até hoje, só tirara partido. É, no entanto, jocoso ouvir os proeminentes autoproclamados “antifascistas” condenarem uma aproximação entre PSD e Chega, quando ao mesmo tempo desarvoram das responsabilidades que trazem ao peito, mais não seja pelo nome do partido que representam. É manifestamente antagónico ter uma posição de princípio, da qual eu partilho, de que o PSD não se pode, pelos motivos mais do que evidentes, aliar-se ao Chega, e ao mesmo tempo evaporar-se quando recaem sobre si as responsabilidades de garantir a execução do programa saído vencedor destas eleições. Isso seria a dramatização política do ditado popular “gato escaldado de água fria tem medo”.

Entretanto o jogo poderá mudar, e todos aqueles que desdenharam de Miguel Albuquerque durante a campanha venham a ser os primeiros, na noite de domingo, a implorar pelos “tachos” que eles tanto dizem querer combater. Não poderão, os eleitores do PSD, proclamar revolta com eventuais geringonças, porque ao contrário do que aconteceu em 2015, e do que fez António Costa, Miguel Albuquerque deixou em pratos limpos ao que vinha. Poderão, sim, os eleitores dos partidos que espezinharam Albuquerque ficar embravecidos pelos partidos que lhes mereceram a confiança terem, cobarde e perniciosamente, liquidado as suas morrinhentas convicções.

A poucos dias do dia D, fica a memória de uma campanha nublada, onde a ausência de comícios denuncia a fartura dos próprios partidos, sobrando ruas transformadas em parques temáticos de cartazes que substituem as práticas habituais de uma campanha a umas eleições enigmáticas.