Completaram-se esta 2.ª feira 45 anos sobre a data da primeira eleição de Nuno Abecasis como Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, facto que é merecedor de ser assinalado e que o IDL – Instituto Amaro da Costa (de que foi igualmente Presidente entre Dezembro de 1992 e Abril de 1999) celebrou nesta tarde com uma cerimónia nos Paços do Concelho, com a prestimosa colaboração da Câmara, sob o patrocínio do Presidente Carlos Moedas.
Terei pessoalmente conhecido Nuno Abecasis na primeira metade da década de 80’ do século passado…, na sua casa no Banzão, enquanto pai de amigo de um meu amigo de infância e na altura não imaginava o estreito e chegado relacionamento que pouco depois vim a ter com o autarca, o político, o fazedor, mas sobretudo o visionário e o precursor, o verdadeiro humanista e homem de causas.
Abecasis, além do mais, era-me um apelido remotamente familiar, uma vez que seu irmão Manuel, médico, tinha sido do curso do meu pai e posteriormente o pediatra lá de casa.
Posteriormente e através de Manuel Pinto Machado, Vereador da Câmara de Lisboa, que em 1985, nos meus verdíssimos 22 anos, a meio do curso de Direito, teve a audácia de me convidar para seu Assessor na Câmara de Lisboa, colaborei com Nuno Abecasis primeiro na edilidade e na UCCLA, no CDS, e depois no Parlamento.
Perfizeram-se no dia 24 de Outubro nove décadas e meia sobre o nascimento de Nuno Krus Abecasis na cidade de Faro, o sétimo de oito irmãos, no que foi o começo de uma vida sempre preenchidíssima e muito activa, de extrema dedicação a tudo em que se envolveu e a todos com quem se cruzou, até à data da sua morte, em Lisboa, no dia 14 de Abril de 1999.
Fez a instrução primária no Colégio Normal de Lisboa, cidade para onde veio muito novo, e depois seguiu, também na capital, para o Liceu Camões, tendo-se licenciado, em 1953, em Engenharia Civil, no Instituto Superior Técnico.
No ano seguinte entra para a Sorefame, empresa de metalomecânica, na qual colaborou em múltiplas e variadas funções durante 26 anos.
Tinha, pois, uma profissão de natureza eminentemente técnica, que desempenhou com os seus profundos conhecimentos e sabedoria, antes de exercer funções políticas, o que lhe terá certamente sido muito útil, quer no plano de realizador em que sempre se colocou com gosto, quer na perspectiva da liberdade e autonomia com que continuamente abraçou os cargos públicos, designadamente como Deputado (a primeira vez em 1976) à Assembleia da República, de que era Vice-Presidente, aquando da sua morte.
No CDS – no qual ingressou em finais de 1975, depois de ter militado no Partido da Democracia Cristã – desempenhou durante anos e anos os mais variados cargos e só não foi Presidente da Direcção Nacional em 1992, porque “impôs” com o seu jeito bonacheirão, mas decidido, que era a hora de novos tempos, de uma nova geração se chegar à frente, ainda que Manuel Monteiro, actual Presidente do IDL, tivesse procurado rebater ponto por ponto a sua argumentação e se tivesse oferecido para ser o seu Secretário-Geral.
Eventualmente poucos se lembrarão hoje de como era e em que estado estava a cidade em 1979, mas se pensarmos naquilo que foram os principais compromissos da coligação vencedora dirigida por Nuno Abecasis, não será precisa muita imaginação.
Assim, objectivos da gestão da cidade durante a década de 1980/1990 foram a Melhoria das condições de habitação e da urbanização; Arquitectura paisagística, espaços verdes e de circulação; Defesa do património cultural da cidade, educação, valorização cultural dos cidadãos e apoio às instituições; Melhorias das condições de abastecimento; Redução do tempo gasto nos transportes; Valorização das belezas da cidade, infraestruturas e fomento turístico; Limpeza, saneamento e despoluição da cidade; Garantir a segurança dos cidadãos; Equipamento e fomento desportivo; Melhorias das condições sociais dos cidadãos.
Perante a dimensão dos problemas e as necessidades financeiras a mobilizar para os resolver, Abecasis não se deixou submergir pelo queixume sobre a falta de meios, optando antes por dinamizar, com êxito, a cooperação com a iniciativa privada.
Com essa relação, em que o sector privado não era olhado de soslaio e com desconfiança, foi possível assegurar a execução de algumas importantes obras, como foram diversos troços viários que melhoraram fortemente as acessibilidades à cidade, bem como o início do processo para a erradicação dos bairros de barracas nas quais habitavam entre 20 a 25 mil pessoas.
E não podemos esquecer a prova de fogo que teve com o incêndio do Chiado, ocorrido a 25 de Agosto de 1988, já na fase final do seu terceiro e último mandato, que permitiu que as suas melhores qualidades se afirmassem, quer como estratega, quer como promotor da reabilitação daquela zona central da cidade.
Não resisto a contar um episódio, entre muitos que pessoalmente testemunhei, que ilustra bem a sua argúcia e capacidade de surpreender pela positiva os seus interlocutores, mesmo em situações aparentemente delicadas.
Uma tarde qualquer, na segunda metade da década de 80’, foi-me solicitado que, na qualidade de Assessor do Vereador das Relações Internacionais, acompanhasse o senhor Presidente numa reunião em que recebia um Vereador do município de Madrid.
Muito bem-apessoado e incisivo, o autarca espanhol procurava persuadir Abecasis das virtudes e da importância de um qualquer projecto a desenvolver em Lisboa.
A reunião lá foi decorrendo, sentados os três no seu gabinete de trabalho, situado no primeiro andar dos Paços do Concelho, até que, em determinado momento nos apercebemos de que Abecasis fechara os olhos durante segundos intermináveis…pelo menos para mim e para o autarca madrileno.
Estrategicamente sentado a seu lado, e perante o olhar algo surpreendido do seu interlocutor, pontapeei ligeira e discretamente Abecasis que, imediatamente” acordando”, respondeu como se nada se houvesse passado…
Estou certo de que as suas múltiplas qualidades lhe teriam permitido exercer com acerto e ponderação as mais altas funções do Estado.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico.