Quem participou dos cortejos de Carnaval de Lisboa este ano viu o melhor da música e da dança brasileira ao vivo e sem custo – choro, coco, forró, frevo, ijexá, maracatu, partido alto e samba. Mas foi por pouco que as ruas da cidade não ficaram coloridas. A maior parte dos vereadores que compõem a Câmara Municipal de Lisboa (CML) vê o Carnaval como um problema de ordem, e não como expressão cultural. Essa maioria impôs custos proibitivos aos blocos, inviabilizando os desfiles e tornando-os clandestinos e/ou manifestações políticas. Aparentemente, os políticos lisboetas carecem de uma introdução à cultura carnavalesca brasileira.

Até 2020, a CML enquadrava os desfiles dos blocos brasileiros como “manifestação”, o que os eximia de custos para desfilar nas ruas. Naquele ano, a Polícia de Segurança Pública (PSP) emitiu um parecer considerando os blocos como “eventos festivos em espaço público”. O resultado: desde então, a CML tem exigido dos blocos o pagamento de diversos serviços, como corte de via, policiamento, seguro de acidentes pessoais e de responsabilidade civil e a instalação de banheiros químicos.

Mas o enrosco não para aí. Mesmo o Colombina Clandestina – o único bloco que efetivamente mobiliza milhares de pessoas e conta com patrocínio – não conseguiu comunicação com a CML. Segundo o perfil do Colombina nas redes sociais, os documentos exigidos para o Carnaval deste ano foram enviados três vezes ao órgão, que não os conferia. A um dia do desfile, o bloco não havia recebido nem confirmação da CML para apoio com a higienização urbana. Os outros blocos são significativamente menores e, portanto, não podem arcar com os custos. Estes estão representados pela União dos Blocos de Carnaval de Rua de Lisboa (formada pelo Baque do Tejo, Baque Mulher, Bloco Oxalá, Blocu, Bué Tolo, Cuiqueiros de Lisboa, Lisbloco, Palhinha Maluca, Pandeiro Lx, Qui Nem Jiló, Sardinhas Nômades e Viemos do Egyto), que se prepara para iniciar a mesma batalha com a CML visando o Carnaval de 2025.

Para começar, a CML deve decidir se os desfiles carnavalescos são manifestações ou eventos. Para fazer isso, os vereadores não devem se amparar no entendimento da PSP (que é apenas a visão daquele órgão), mas na percepção da população lisboeta sobre os desfiles. Isso inclui os quase 80 mil brasileiros que vivem legalmente na cidade (o número total de imigrantes é desconhecido em parte por conta da incapacidade do próprio Estado português de legalizá-los). Ao mesmo tempo, é necessário distinguir os blocos com e sem finalidades comerciais. E mesmo dentro dessa distinção é preciso separar aqueles com fim comerciais maiores, com real capacidade mobilizadora, dos menores, para que os custos exigidos sejam proporcionais ao tamanho das agremiações. Por fim, os blocos sem fins comerciais devem receber o apoio da CML para desfilar sem custos. Afinal, levam a cultura brasileira às ruas de graça – atraindo, inclusive, turistas.

Se conversarem com os moradores da cidade, os políticos lisboetas descobrirão uma outra faceta do Carnaval, desassociada da equivocada questão de ordem. Em um cortejo de pré-Carnaval no começo de fevereiro, o bloco Pandeiro Lx mobilizou os moradores de Alfama ao som de músicas como “Carinhoso”, de Braguinha e Pixinguinha, que emocionou uma senhora portuguesa sentada à janela. Ao tratar o Carnaval como o que ele é – expressão politica, associativa e cultural, e não baderna –, a CML pode proporcionar momentos ainda mais bonitos à Lisboa. E levar parte do crédito por isso. O primeiro passo é abrir o diálogo.

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