Não foi apenas Angelina Jolie que, após 20 anos como embaixadora da ONU, sentiu a necessidade de “trabalhar de forma diferente”, interagindo diretamente com organizações locais. Este exemplo reflete uma tendência no setor humanitário e de desenvolvimento global, onde a necessidade de localização – ou seja, transferir poder e responsabilidades para as comunidades locais – tem sido amplamente debatida.

Embora exista consenso sobre a importância desta abordagem, transformar a teoria em prática tem sido um desafio. Um dos principais obstáculos é encontrar o equilíbrio necessário entre Organizações Não Governamentais Internacionais (ONGIs) e líderes locais.

A Comissão Europeia define a abordagem de localização como o empoderamento de responsáveis locais para liderar e desenvolver resposta humanitária, fortalecendo a capacidade e os recursos das organizações locais para promover a sustentabilidade a longo prazo. No entanto, muitas vezes falta-lhes acesso a financiamento e influência nos processos de tomada de decisão.

As ONGIs, que emergiram como instituições dominantes da sociedade civil, acumulam uma quantidade significativa de recursos e poder. Contudo, este modelo ocidental tradicional, originado nas décadas de 70 e 80, já não é adequado para as necessidades atuais. A localização exige que as ONGIs reequilibrem o poder, transferindo mais responsabilidade e recursos para as organizações locais.

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As vantagens da localização são claras. Os atores locais estão presentes no terreno desde o início de uma crise, sendo os primeiros a mitigar os impactos até que a ajuda externa chegue. Isso levanta uma questão crucial: Por que razão pessoas de fora deveriam decidir o que é melhor para as comunidades locais?

No caso da Ucrânia, de acordo com um relatório da Organização Refugees International, enquanto a sociedade civil ucraniana liderou uma resposta humanitária impressionante após a invasão russa em 2022, a maior parte do financiamento internacional – mais de 12 biliões de dólares – foi direcionada para as Nações Unidas e ONGIs, em vez de diretamente para as organizações locais.

Além disso, um estudo da NGO Resource Center revelou que em 2022, as ONGs locais ucranianas receberam diretamente menos de 1% dos 3,9 biliões de dólares monitorizados pela ONU. Esse processo cria ineficiências e atrasa a entrega de ajuda, enfraquecendo a liderança local e limitando a capacidade das organizações ucranianas de responder de forma autónoma às necessidades de sua população.

A localização defende a transferência de poder para as organizações locais, mas isso não elimina a importância das ONGIs, que continuam a ser essenciais, embora com funções ajustadas. Concretizando, para que a ajuda humanitária seja eficaz, é essencial um alinhamento de prioridades entre as realidades locais e as sedes internacionais.

A mudança de mentalidade e de práticas não ocorre de imediato. Para que o poder seja redistribuído, é preciso um ajuste significativo nas estruturas existentes. A localização é uma jornada contínua que exige adaptação e colaboração, com as ONGIs desempenhando um papel de apoio ao desenvolvimento liderado localmente.

O Observador associa-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapersainda que de forma não vinculativa