A passada sexta-feira começou com telefonemas de vários clientes com uma questão comum: posso ou devo manter a obrigatoriedade de utilização de máscaras nos locais de trabalho? Na véspera, já tarde, fora publicado o Decreto-Lei que eliminou a obrigatoriedade do uso de máscaras na maioria dos locais. Como vem sendo hábito, o diploma surgiu “em cima da hora”, com entrada em vigor no dia seguinte, o que impossibilita qualquer hipótese de as empresas se adaptarem atempadamente às novas realidades.
Mas, retomando a pergunta e antecipando a resposta, entendemos que sim.
O tema situa-se numa zona de confronto entre direitos e deveres dos trabalhadores e dos empregadores. Se, por um lado, os direitos fundamentais e de personalidade dos trabalhadores não ficam à porta de entrada da empresa, por outro, todos os trabalhadores têm direito a prestar trabalho em condições de segurança e saúde, tendo o empregador o dever de assegurar tais condições.
Quanto a nós inexplicavelmente, o Governo deixou cair a previsão expressa de possibilidade de impor a utilização de máscara nos locais de trabalho. E afirmamos inexplicavelmente porque um dos argumentos subjacentes à decisão – a “elevada cobertura vacinal” – não pode ser levado em linha de conta pelos empregadores. É que, não sendo a vacina obrigatória nem podendo o empregador obter (na esmagadora maioria dos casos) informação sobre se os trabalhadores estão ou não vacinados, tal factor não pode ser considerado na definição das medidas de protecção da saúde dos trabalhadores.
Quanto aos demais elementos levados em conta pelo Governo, recordamos que na mesma data em que foi publicado o diploma em causa, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros que prolongou a situação de alerta em todo o território nacional continental até ao dia 5 de Maio e em que se realça que ainda se regista “(…) um número de novos casos diários e uma mortalidade superior ao limiar de referência, pelo que o levantamento das medidas (…) deve continuar a avançar com prudência”.
Vejamos, com números, se a situação se alterou tanto assim desde Abril de 2021 (mês em que o país ainda se encontrava em estado de emergência). De acordo com os dados publicados pela DGS, no dia 22 de Abril de 2021 existiam 24764 casos activos, encontrando-se a matriz de risco com uma incidência de 72,7 casos por 100000 habitantes e um R(t) de 0,98. Já de acordo com os últimos dados disponíveis (Relatório de Situação n.º 745, de 12 a 18/04/2022), temos 60083 novos casos confirmados, uma incidência de 583 casos por 100000 habitantes e um R(t) de 1,00.
Ignorando a questão do nível de vacinação, diríamos que a situação é a mesma ou ligeiramente pior do que há um ano atrás. Existiu, inequivocamente, uma assinalável alteração: uma muito menor cobertura mediática da pandemia nos últimos meses.
Entendemos, assim, que os motivos de saúde que se encontravam na base da possibilidade de o empregador impor a utilização de máscara no local de trabalho se mantêm, podendo ser, consequentemente, legítima e legal a manutenção de tal imposição. Assinalamos, contudo, que, encontrando-se também em causa direitos (de personalidade) dos trabalhadores, a restrição dos mesmos deve limitar-se ao estritamente necessário e proporcional. Assim, os empregadores que pretendam manter a obrigatoriedade do uso de máscara, deverão fazê-lo em estrita coordenação com os Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho, os trabalhadores e seus representantes, aplicando outras medidas adequadas à realidade da forma como é prestado o trabalho em cada local específico, tais como assegurar uma boa ventilação e limpeza dos locais de trabalho, reduzir contactos entre trabalhadores e entre estes e clientes ou fornecedores e garantir o acesso de todos os trabalhadores aos equipamentos de protecção individual adequados. Assim, numa mesma empresa, poderão existir locais de trabalho em que tal obrigatoriedade se justifica e outros em que não.
Sendo imposta a obrigatoriedade, o que sucede se o trabalhador se recusar a utilizar a máscara? Nestes casos, e com excepção das situações em que legalmente o poderá fazer (por motivos de saúde, por exemplo), entendemos que a recusa poderá configurar infracção disciplinar. Esta questão já foi abordada pelos tribunais em Espanha, tendo o Tribunal Superior de Justiça de Aragão validado o despedimento de um trabalhador que se negou, reiteradamente, a cumprir as medidas que tinham sido implementadas pela empresa para enfrentar a pandemia. Entendemos que a solução idêntica se pode chegar à luz da legislação portuguesa. Em suma, entendemos que a liberdade individual dos trabalhadores não os exime de cumprir as ordens e instruções da empresa para prevenir os contágios, desde que estas sejam adequadas e proporcionais.
Como nota final, salientamos que, ao contrário das fases mais críticas da pandemia, em que o Governo revelou assinalável capacidade de auxiliar empresas e trabalhadores, a realidade económica actual, com níveis de inflação a que nos deixámos de habituar, aumento das taxas de juro e ventos de recessão, não aponta para a reiteração de tal possibilidade. Num contexto em que as empresas se encontram bastante fragilizadas, novas situações de suspensão da produção em decorrência de surtos do vírus são, em absoluto, de evitar. O mesmo é dizer, mas vale prevenir que remediar.