Já me perguntaram várias vezes: “Porque é que gostas de testar, não é um trabalho muito monótono? é sempre a mesma coisa…” Possivelmente aos olhos dos outros, ser software tester é algo bastante trivial e repetitivo, “basicamente” é só testar, como pode ser interessante?

Mas ser software tester é tudo menos monótono, existem sempre pequenas aventuras no nosso dia-a-dia, prazos demasiado curtos para os testes que são necessários efetuar, casos de uso inexistentes ou com pouca descrição das funcionalidades, entregas que após a sua atualização a aplicação deixa de funcionar, erros que “supostamente” são corrigidos porém continuam iguais ou provocaram mais uns quantos erros, a típica frase dos programadores “mas funciona na minha máquina” e mais um ilimitado número de situações que acontecem não digo diariamente, mas com alguma recorrência. Por mais frustrante que algumas situações nos pareçam, sim existem bastantes momentos frustrantes, não vou mentir, nem tudo é um mar de rosas, quem diria que poderia acontece tanto em algo que é só “testar”.

Além dos pequenos percalços, neste pequeno mundo existem sempre coisas que nos deliciam, falo por mim, que nos dão ânimo, as novas funcionalidades que nos permitem, por vezes, trabalhar com diferentes tipos de tecnologias, aprender sobre áreas de negócio tão distintas e aliciantes, poder aprender/utilizar novas ferramentas para melhorar o nosso trabalho e principalmente colocarmos todos os dias o nosso conhecimento à prova.

E para os testes mais repetitivos, como os testes de regressão, existem sempre os testes automatizados, que basicamente é a implementação em código destes testes de forma a serem executados automaticamente sem a intervenção manual do software tester, basta colocá-los a correr e assim a parte mais monótona acaba por ser facilitada.

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Por tudo isto, pelo que aprendemos, pelo que superamos, testar é tudo menos monótono.

Além de testar também temos de ter muita sensibilidade para comunicar com todos os intervenientes, principalmente com os programadores e gestores de produto, pois é importante não ferir egos e, muitas vezes, transmitir que o produto não está melhor ou que numa entrega ocorreram problemas graves e não é possível colocar em produção os novos desenvolvimentos que haviam sido planeados sempre de uma forma eloquente.

Por isso, a forma como comunicamos é bastante importante, pois é necessário expor o que encontramos nos testes, de modo que todas as pessoas que possam ler/ouvir o que dizemos compreendam e consigam replicar, com exatidão, o que estamos a descrever; é ainda importante ter em consideração que quem está a ler ou a ouvir poderá não ter noções ou conhecimentos sobre a aplicação ou área de negócio, pelo que a descrição que fazemos dos erros encontrados deve contar uma “história” mas ao mesmo tempo ser o mais direto, claro e sucinto possível.

Um software tester não é apenas alguém que testa mas também, e principalmente, que sabe transmitir, com calma e serenidade, os problemas com que se depara e ser parte integrante da solução e não do problema.

Outra pergunta habitual, principalmente feita nas entrevistas é “porque gostas de ser software tester?” ou “porque gostas da tua profissão?”.

Como não gostar do que faço. Eu adoro a minha profissão, não só por todos os desafios diários que temos mas, acima de tudo, por ser uma profissão tão completa. Estamos sempre a aprender e a procura por um erro é como uma corrida por algo que gostaríamos que não existisse mas que se nos esforçarmos não fazendo o “normal” e dando a volta por outro caminho acabaremos sempre por encontrar. Para mim é gratificante encontrar erros e também sermos reconhecidos pelos nossos pares, principalmente os programados, com a típica frase “como é que encontraste isto? Nunca iria encontrar…”. Sei que o nosso objetivo é não encontrar erros, todavia é no oposto que está o desafio e sabermos que realmente o que chega ao cliente final é uma versão com a melhor qualidade possível, sendo esse o nosso foco, entregar uma solução que preencha os requisitos do cliente e que vá de encontro às suas necessidades sem que haja falhas pelo meio.

E, sim, entregar uma versão com a melhor qualidade possível pois, por mais que tentemos, existem sempre erros que não conseguiremos descobrir nos nossos testes, seja porque o nosso ambiente de teste não é exatamente igual ao de produção, seja porque os passos que o utilizador final faz são um pouco diferentes daquilo que nós fazemos, ou porque são feitos compromissos e, com os deadlines curtos, apenas se testa uma parte e não a aplicação no seu global. Ou simplesmente porque sabemos que o erro existe e está documentado, contudo, tendo um impacto mínimo no final acaba por não ser corrigido, passando para o cliente final, assume-se o risco. O importante é dar o nosso melhor para conseguir “apanhar” tudo antes de ir para produção, mas temos consciência de que testar tudo e encontrar todos os erros é impossível.

Concluindo, cada vez mais, noto uma aposta das empresas nas equipas de qualidade, contudo ainda existe um longo caminho para que este mundo seja “ideal”. Tal como um bebé que vai crescendo e ganhando novas aptidões ao longo do seu crescimento, também esta área tem vindo a evoluir e a ganhar raízes nas empresas portuguesas e, com o tempo, acredito que os software tester irão ser vistos como parte integrante do projeto desde o seu inicio, ou seja, que os testes comecem logo na definição dos backlogs e requisitos, para assim, poder-se reduzir nos custos e no número de erros graves encontrados em fases posteriores. Alguém que é essencial para que o produto tenha qualidade, para que os custos sejam menores e não apenas os “chatos” que andam sempre atrás de erros.

Software tester é uma profissão como tantas outras com o seu desgaste e com as suas conquistas, mas sempre com o olho no pormenor pois isso faz toda a diferença!

Susana Leitão Marinho é consultora sénior na área de quality assurance na Neotalent. Licenciada em Engenharia Informática e de Sistemas pelo Instituto Superior de Engenharia de Coimbra. Com mais de uma década de experiência na área de TI onde desempenhou funções como software engineer, IT Manager e desde 2012 que abraçou o desafio de ser software tester. Esteve em Erasmus na Finlândia, viveu e trabalhou durante 4 anos em angola, regressando definitivamente a Portugal em 2012.

O Observador associa-se à comunidade Portuguese Women in Tech para dar voz às mulheres que compõem o ecossistema tecnológico português. O artigo representa a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da comunidade.