Um alerta para o futuro 

O alerta soou há décadas no Sahel, e agora ecoa na Europa. A crise hídrica não é mais uma ameaça distante, mas uma realidade palpável. A seca extrema, impulsionada pelas alterações climáticas, está a redesenhar o mapa da pluviosidade global, com consequências devastadoras para a natureza e a humanidade. O Sahel, é um vislumbre ténue sobre o que o futuro nos reserva. A tragédia que se abateu sobre esta vasta região africana nos anos 60, intensificada nas últimas duas décadas, é um prenúncio do que pode estar reservado para outras partes do mundo. A desertificação galopante, a fome, a migração forçada e os conflitos sociais são apenas algumas das faces desta crise multidimensional.

A Europa não está imune a ela, muito pelo contrário. O aumento das temperaturas, a escassez de chuvas e a intensificação dos eventos climáticos extremos já se fazem sentir no continente. Incêndios florestais devastadores, secas prolongadas, inundações repentinas e a perda de biodiversidade são sinais alarmantes de que a crise hídrica não conhece fronteiras. O impacto vai além da falta de água: a segurança alimentar, a saúde pública, a economia e a estabilidade social estão intrinsecamente ligadas à disponibilidade e qualidade da água. A escassez hídrica pode desencadear uma cascata de problemas, desde a inflação dos preços dos alimentos até conflitos por esses recursos hídricos.

A mensagem da história é clara

Nas décadas de 1960 e 1970, a região do Sahel, na África subsaariana, sofreu uma drástica redução na pluviosidade, resultando em desertificação e em crises humanitárias. Este evento histórico não apenas transformou profundamente a paisagem e a vida das populações locais, mas também serviu como um estudo de caso crucial para compreender os efeitos complexos e interligados das alterações climáticas. Hoje, mais de 60 anos depois, ao refletirmos sobre o que aconteceu no Sahel, podemos obter insights valiosos sobre os desafios que enfrentamos atualmente e, isso pode preparar-nos melhor para os futuros impactos climáticos.

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O declínio abrupto da pluviosidade no Sahel durante os anos 60 e 70 teve várias causas inter-relacionadas. Inicialmente, a degradação do solo e o sobrepastoreio foram apontados como fatores primários. A remoção da vegetação levou à erosão do solo, aumentando a albedo (refletividade) da superfície terrestre e, consequentemente, alterando os padrões de circulação atmosférica daquele território. O aumento da refletividade resultou num menor aquecimento da superfície, reduzindo a evapotranspiração e a formação de nuvens.

Estudos climatológicos posteriores revelaram que mudanças na circulação oceânica, particularmente no Atlântico Norte, desempenharam um papel determinante. A oscilação decadal do Atlântico (AMO) e outras variabilidades climáticas influenciaram os padrões de monções, essenciais para a pluviosidade no Sahel. Com a diminuição das chuvas de monção, as condições áridas intensificaram-se, resultando numa crise ambiental e humanitária prolongada.

Alterações climáticas e os ciclos da água

A experiência do Sahel destaca a sensibilidade dos ciclos hidrológicos às alterações climáticas. O aumento da temperatura global tem o potencial de alterar drasticamente os padrões de precipitação. A capacidade do ar de reter vapor de água aumenta exponencialmente com a temperatura, seguindo a equação de Clausius-Clapeyron: para cada grau Celsius de aquecimento, a atmosfera pode conter aproximadamente 7% mais vapor de água. Este aumento potencial na pluviosidade global não é uniforme, resultando em chuvas mais intensas e frequentes em algumas regiões e secas prolongadas noutras.

Essa variabilidade na distribuição da pluviosidade tem consequências diretas para a agricultura, os recursos hídricos e as infraestruturas. Regiões situadas em latitudes mais elevadas, podem ver um aumento na pluviosidade durante o inverno, o que pode levar a inundações. Por outro lado, regiões tradicionalmente húmidas podem experimentar períodos prolongados de seca, afetando a produção agrícola e a segurança alimentar.

Impactos futuros e medidas

Os impactos das alterações climáticas previstos para as próximas décadas são incertos quanto à sua intensidade, mas certos quanto à sua gravidade e complexidade de mitigação. A Europa, por exemplo, enfrentará uma maior variabilidade climática, com invernos mais chuvosos e verões mais secos, só se desconhece a intensidade, mas ela aumentará e agravar-se-á, certamente. É o que nos dizem os estudos e os dados, como estes para os quais olhamos agora. Essa mudança nos padrões de precipitação aumenta o risco de eventos climáticos extremos, como inundações e incêndios florestais, exigindo uma adaptação adequada das infraestruturas e das políticas públicas.

Para mitigar esses impactos, é essencial investir em tecnologias, práticas agrícolas sustentáveis e planos de ação para a preparação da prontidão de cidades, regiões e populações. A gestão eficiente dos recursos hídricos, incluindo a construção de sistemas de armazenamento de água e a implementação de técnicas de gestão destes recursos, mais eficientes, será determinante. A restauração de ecossistemas degradados pode ajudar a aumentar a resiliência climática, melhorando a retenção de água no solo e reduzindo a erosão.

A seca no Sahel foi um prenúncio das mudanças climáticas globais e as implicações devastadoras que teremos de enfrentar. As lições aprendidas com este evento histórico são mais do que relevantes, são a revelação da própria história, ao mostrar-nos qual será o resultado das nossas ações para com o planeta. A ação global coordenada é imperativa para mitigar os efeitos das alterações climáticas e adaptar as sociedades a esta nova realidade ambiental. Devemos investir em ciência e tecnologia, promover práticas sustentáveis e fortalecer a capacidade de resiliência para enfrentar esses desafios globais.

As alterações climáticas são uma realidade inescapável que exige atenção urgente e ação. A história do Sahel é um lembrete de que a inação não é uma opção e o negacionismo infundado pode ter um preço demasiado elevado.