Provavelmente, estamos todos a contribuir menos do que seria necessário na luta contra a obesidade. Seja enquanto cidadãos, profissionais de saúde ou decisores políticos, os números são inequívocos e preocupantes. Contudo, é importante reconhecer que foram alcançados alguns avanços e nem tudo está mal. Embora não possamos modificar o passado, temos, sem dúvida, a capacidade e o dever de marcar uma diferença significativa no presente e no futuro!

Neste Dia Mundial da Obesidade, é crucial refletirmos sobre a sua prevalência alarmante no nosso país e as estratégias adotadas para enfrentá-la. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Portugal, assim como a maioria dos países europeus, enfrenta desafios significativos para cumprir a meta de não incrementar a prevalência de excesso de peso e obesidade até 2025. Atualmente, 67,6% dos adultos portugueses apresentam excesso de peso, dos quais 28,7% são considerados obesos. A situação nas crianças é igualmente preocupante, com 31,9% das crianças entre 6 e 8 anos a exceder o peso ideal, incluindo 13,5% classificadas como obesas.

Em dezembro de 2023, em período pré-natalício e com o ambiente político em grande efervescência, foi estabelecido, sem o merecido destaque, um marco importante, com a publicação do Despacho n.º 12634/2023, que introduziu o Modelo Integrado de Cuidados para a Prevenção e Tratamento da Obesidade. Este modelo inovador é (mais) uma luz de esperança na batalha contra a obesidade, promovendo uma colaboração efetiva entre os Cuidados de Saúde Primários e Hospitalares, no contexto das Unidades Locais de Saúde (ULS). O foco está na prevenção e tratamento eficazes da obesidade, visando intervenções mais precoces que possam mitigar o impacto desta condição na saúde da população.

A adoção deste modelo requer uma efetiva integração de cuidados, personalizada às necessidades da comunidade e à capacidade dos serviços disponíveis. As ULS desempenham um papel vital, oferecendo uma abordagem mais holística, inclusiva e próxima dos cidadãos, essencial para enfrentar a complexidade da obesidade e promover a prevenção e deteção precoce, e assim, contribuir para intervenções mais eficazes, que permitam mitigar o impacto negativo desta condição de saúde.

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Esta abordagem deve ser acompanhada de um processo assistencial integrado, materializado localmente (em cada ULS) com a criação do percurso integrado da pessoa com obesidade, o que se revela fundamental para lidar com uma condição complexa como esta. Este percurso assume-se de capital importância e deve ser ajustado de acordo com as características da população e a capacidade da oferta assistencial, que como sabemos não é homogénea em todo o país, nos diferentes níveis de cuidados.

A maior reforma estrutural da saúde desde a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), apesar de estar revestida de uma potencialidade deveras promissora, requer porventura alguns ajustes, decorrentes das características próprias das instituições, da oferta assistencial e da própria população a servir. Importa realçar que apesar de ser consensual que a aposta na prevenção é indispensável e a primeira medida a ter em conta, não podemos limitar o acesso aos milhares de pessoas em lista de espera para tratamento cirúrgico de obesidade.

Aqui chegados, este é um trabalho a fazer em simultâneo e não a duas velocidades. Pela leitura de diversos relatórios, nomeadamente da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), sabemos que a obesidade é umas das áreas com maiores problemas no acesso. E sabemos também que os Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) de Obesidade, com equipas altamente diferenciadas, comprometidas e dedicadas têm sido um exemplo, no SNS, de como é possível diminuir listas de espera, aumentar o número de consultas e cirurgias efetuadas, garantindo, em simultâneo, uma melhoria da eficiência e manutenção de altos padrões de qualidade. A experiência prévia, com uma linha de financiamento específica, associada ao Programa de Tratamento Cirúrgico da Obesidade (PTCO), demostra que a previsibilidade e um programa bem demarcado pode melhorar significativamente o desempenho das unidades de saúde, nomeadamente em áreas estratégicas como esta.

Posto isto, estando estabelecido o modelo global de organização de cuidados e seu mecanismo de financiamento, será de considerar a análise de experiências anteriores francamente positivas nos ajustes a fazer no futuro, assegurando as condições para que estas unidades mantenham a seu percurso de excelência. Isto, sem prejuízo de claramente ser desejável desfocar do paradigma da produção como fator primordial do financiamento, trazendo o foco para os resultados baseados em valor.

Em suma, o novo Modelo Integrado de Cuidados para a Prevenção e Tratamento da Obesidade e a generalização do modelo ULS representam passos importantes na luta contra a obesidade em Portugal. No entanto, ainda há muito trabalho a ser feito, não descurando nunca a consistência, na certeza de que muitas das medidas só produzirão resultados a médio/longo prazo. Como diria Warren Buffett: Alguém está sentado debaixo da árvore hoje porque alguém plantou uma árvore há muito tempo atrás.

Neste Dia Mundial da Obesidade, devemos reafirmar o nosso compromisso de combater a obesidade e trabalhar para garantir que todas as pessoas tenham acesso a cuidados de saúde de elevada qualidade.