É um desalento enorme quando perdemos horas a fio no trânsito da Via de Cintura Interna todos os dias e a resposta política que nos é dada é que ainda nos arriscamos a qualquer dia ter que pagar portagens para circular nesta via.

A resposta política que se deve impor é sim a criação de alternativas e melhorar a Via de Cintura Interna. Não onerar ainda mais os portugueses com portagens.

Nas últimas décadas, o político português típico tem respondido sempre às dificuldades dos portugueses da mesma forma.

Há um problema? Crie-se impostos. As coisas não são como é pretendido? Taxe-se. Falta dinheiro? Crie-se uma contribuição extraordinária que seja aplicada durante anos a fio.

Infelizmente, é o mesmo tipo pensamento com a Via de Cintura Interna, ou VCI, de forma abreviada. Há trânsito? Coloquem-se portagens.

A VCI não é nenhuma trombose, não é nenhum erro capital nem nenhum pecado original, frases repetidas ad nauseaum pelos autarcas desta região e que pouco ou nada acrescentaram à discussão. Pelo contrário, é uma via estrutural que devia ter sido sempre construída na cidade do Porto.

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Em termos gerais, as vias rodoviárias definem-se em três níveis, consoante a sua capacidade e nível de prestação de serviço:

  • Vias de nível 1 – Autoestradas
  • Vias de nível 2 – Vias arteriais primárias;
  • Vias de nível 3 – Vias arteriais secundárias;
  • Vias de nível 4 – Vias coletoras
  • Vias de nível 5 – Vias locais/residenciais.

Ora, a VCI é uma via de nível 1 que, pela sua natureza, permite a maior capacidade possível de tráfego no modo rodoviário, assegurando a maior capacidade de escoamento de tráfego de todas as tipologias de via acima apresentadas.

Imagem 1 – VCI

E porquê a existência da VCI, portanto? Porque nela rebatem as seguintes vias:

  • A28, ligando o Porto a Matosinhos, Póvoa de Varzim, Viana do Castelo e Caminha;
  • N13, ligando o Porto a Matosinhos e à Maia;
  • A3, ligando o Porto a Santo Tirso, Braga e a Valença;
  • A43, ligando o Porto a Gondomar;
  • A20, ligando o Porto pela Ponte do Freixo à zona oriental de Vila Nova de Gaia
  • A44, ligando o Porto à zona central e à orla marítima de Vila Nova de Gaia;
  • A1, ligando o Porto pela Ponte da Arrábida à zona ocidental de Vila Nova de Gaia.

Por conseguinte, só uma via circular em tipologia de autoestrada conseguiria capturar todo este fluxo de tráfego proveniente de todas estas vias de alta capacidade e garantir o mínimo de fluxo de trânsito que nunca conseguiria ser assegurado caso estas vias radicassem, por exemplo, numa simples avenida com cruzamentos semaforizados ou com rotundas.

E por mais que se isente de portagens a A41 ou a Circular Regional Exterior do Porto (também conhecida como a CREP), os movimentos pendulares entre o Porto de Leixões – Sul e Sul – Porto de Leixões iriam e irão sempre passar pela VCI. Isto porque, por exemplo, o percurso Espinho-VCI-A28-Leixões são apenas 25km.

Enquanto que o mesmo percurso, desta feita pela CREP, obriga a uma deslocação de quase 70km (sim, o leitor leu bem, SETENTA quilómetros). Quase o triplo da distância.

Bom, tendo já garantido então a razão de ser e de existência da VCI, então como podemos fazer com que esta via não seja o inferno de muitos portugueses numa base diária?

Portagens são de facto uma solução válida. Funcionam como taxas pigouvianas, desencorajando a utilização da infraestrutura, utilização esta que gera consequências nefastas, como é o caso da poluição e do congestionamento.

Mas isto bate de frente numa questão muito simples de justiça social. Os portugueses não querem usar a VCI. Usam-na sim porque não têm alternativa.

Aliás, seria inaceitável que se introduzissem portagens na VCI, quando a zona mais rica do país tem uma Segunda Circular, um Eixo Norte-Sul e um IC19/A37 de 16 quilómetros até Sintra sem qualquer tipo de portagens desde sempre.

Se a infraestrutura não está a funcionar, vamos corrigir a infraestrutura ou oferecer alternativas. Não impedir de usar a infraestrutura ou desencorajar o seu uso.

Assim, o problema da VCI reside em três nós que não atam nem desatam:

  • Nó de Coimbrões
  • Nó de Francos
  • Nó da A3/VCI

Primeiro, o Nó de Coimbrões. Um nó em cloverleaf com literalmente uma urbanização residencial no meio da interseção.

Imagem 2 – Nó de Coimbrões (a azul, um bairro residencial no meio do nó)

Este é o nó mais importante de Vila Nova de Gaia, interligando a A1 no sentido Norte-Sul com a A44 no sentido Poente-Nascente. E, no entanto, este nó tem inúmeros tesourinhos deprimentes que dificultam o fluxo de tráfego dos portugueses que aí passam todos os dias.

Em primeiro lugar, a saída poente/nascente da A44 no sentido norte/sul da A1 que é capaz de ter das vias de aceleração mais curtas do país, a qual entra em total sobreposição com a via de desaceleração da saída norte/sul da A1 no sentido poente/nascente da A44.

Mas como isto em texto fica algo difícil de explicar ao caro leitor, uma imagem vale mais do que mil palavras:

Imagem 3 – Entrada e saída Norte/Sul do Nó de Coimbrões, com via de aceleração em sobreposição com via de desaceleração

Em segundo lugar, o Nó de Coimbrões não respeita os princípios de lane mathematics (ou em bom português, matemática de vias), isto é, a (1) saída poente/nascente e (2) nascente/poente da A44 no sentido sul/norte da A1 faz junção numa via única de perfil 1×1, sem qualquer tipo de vias de aceleração com um perfil 2×2 que permita a junção ordenada e eficiente do tráfego.

Mas mais uma vez, é pertinente apresentar uma imagem que explique melhor esta realidade:

Imagem 4 – Entrada sul/norte da A1 no Nó de Coimbrões

Como o leitor pode facilmente ver, a ausência de um pequeno troço em perfil de via dupla com vias de aceleração dificulta a junção do tráfego poente/nascente e nascente/poente da A44, traduzindo-se perfeitamente num efeito garrafão. É, em bom português, “tudo ao molho e fé em Deus”.

Urge reformular este nó, permitindo uma maior distância entre as entradas e saídas bem como garantir que o princípio de lane mathematics é globalmente respeitado.

Em segundo lugar, o Nó de Francos, onde uma simples duplicação das vias de desaceleração da VCI/A28 no sentido sul-norte resolveria grande parte do tráfego que aqui se verifica e que gera efeito dominó para trás.

Imagem 5 – Entrada sul/norte da VCI/A28

Ainda para mais, quando esta saída contempla duas direções:

  • A28, pela Avenida AEP;
  • Rotunda do Bessa.

No entanto, esta saída só duplica para 2 vias após a bifurcação para a Rotunda do Bessa, sem qualquer respeito por lane mathematics.

Imagem 6 – Via dupla só após a bifurcação para a Rotunda do Bessa

O cenário piora quando ultrapassamos o viaduto e deparamo-nos com um afunilamento para via única, que privilegia o tráfego procedente da Avenida Sidónio Pais com via dupla, quando esta tem menos congestionamento que a VCI.

Imagem 7 – Discriminação do tráfego intenso procedente da VCI à direita (apenas com uma via de trânsito) e do tráfego incipiente proveniente da Avenida Sidónio Pais à esquerda (mas com duas vias de trânsito)

Apenas a duplicação das vias desta saída e o reperfilamento do viaduto (fazendo com que o tráfego da VCI possua mais uma via em detrimento de uma via retirada ao tráfego procedente da Avenida Sidónio Pais) poderá garantir a uniformidade do número de vias e o respeito pelo lane mathematics e assim melhorar um dos piores, senão o pior ponto negro da VCI.

No sentido contrário, temos a entrada da Rua Delfim Ferreira junto ao nó de Francos, entrada essa para uma autoestrada e sem qualquer tipo de via de aceleração. Por incrível que pareça, esta entrada numa autoestrada é feita com um sinal STOP, aniquilando por completo o fluxo de tráfego precedente, conforme imagem infra:

Imagem 8 – Entrada da Rua Delfim Ferreira no Nó de Francos, inusitada por não ter qualquer via de aceleração, mas um sinal STOP

Urge garantir a uniformidade das vias de desaceleração e aceleração associada à saída VCI/A28 bem como a supressão desta entrada da Rua Delfim Ferreira.

Tais medidas correspondem a reordenamentos de custo reduzido, mas com um impacto significativo no fluxo de trânsito da VCI.

Finalmente, o nó da A3, que muitas dores de cabeça provoca a todos os automobilistas na zona do Grande Porto e onde se podia implementar uma solução de baixo custo e com elevado impacto na capacidade de tráfego do mesmo. Falo da saída Sul-Norte deste nó que, embora tendo a esteira preparada para uma saída com duas vias, esta encontra-se atrofiada apenas numa via de trânsito, penalizando severamente a capacidade de tráfego desta saída, conforme imagem infra:

Imagem 9 – Saída Sul-Norte VCI/A3 com apenas uma via de tráfego, quando tem esteira preparada para duas vias tráfego

Inclusive, e muito recentemente, foi duplicado o número de vias de trânsito do nó da A3 com a A7, beneficiando muito aquilo que já era um ponto negro do trânsito nesta autoestrada, conforme imagem abaixo.

Imagem 10 – Saída Sul-Norte A3/A7 duplicada para duas vias de trânsito

Porque não fazer o mesmo neste ponto da VCI?

Em resumo, este artigo pretendeu comprovar que, com algumas pequenas modificações, poderíamos ter nós rodoviários na VCI que atassem a rede rodoviária desta região e que desatassem o trânsito infernal experienciado por centenas de milhares de automobilistas todos os dias.

Seriam pequenas modificações que produziriam um impacto significativo na circulação rodoviária do Porto e concelhos limítrofes com consequências relevantes na qualidade de vida dos habitantes do Grande Porto. No entanto, importa referir o elefante na sala.

Enquanto tivermos decisores políticos que vivem bem com a ideia de que a zona ocidental da cidade do Porto continue com ZERO quilómetros de rede do Metro do Porto e andem embrenhados em autocarros com uma crise identitária e que pensam que são sistemas de Metro, será muito difícil resolver o problema do trânsito de vez na VCI.

O caro leitor poderá ver nos meus outros artigos sobre esta matéria, também aqui no site do Observador, que não é com um autocarro chamado MetroBus na Avenida da Boavista, em plena cidade do Porto e numa das zonas mais densamente povoadas da Área Metropolitana do Porto, mas, ao mesmo tempo, puxando a solução Metro Ligeiro nos subúrbios que se resolve o que quer que seja na área da mobilidade.

Imagem 11 – O buraco da zona ocidental do Porto na rede do Metro do Porto

2025 é um ano de renovação autárquica e de muitos autarcas que já deviam ter sido renovados há muito tempo. Que seja também um ano de renovação na forma como pensamos as cidades portuguesas.