No próximo dia 7 de junho entra em vigor o Decreto-Lei n.º 109-E/2021, de 9 de dezembro, que consagra um novo pacote legislativo no âmbito das políticas anticorrupção.

Este diploma vai de encontro ao objetivo, definido como prioritário pelo Governo, de alcançar uma sociedade mais justa e transparente, prevenindo e sancionando a prática de atos de corrupção e infrações conexas.

Um dos principais destaques da nova legislação vai para a criação do Mecanismo Nacional Anticorrupção (MENAC), entidade administrativa independente, que visa garantir a implementação e eficácia das medidas adotadas e à qual são atribuídos, para o efeito, poderes de iniciativa, de controlo e sancionatórios.

Igual ou maior destaque merece a consagração do Regime Geral da Prevenção da Corrupção (RGPC) que, entre outras novidades, obriga todas as empresas com sede em Portugal e as sucursais de empresas estrangeiras, em ambos os casos com 50 ou mais trabalhadores, a implementar programas de cumprimento normativo a fim de prevenir, detetar e sancionar atos de corrupção e infrações conexas. Parte significativa do tecido empresarial português passa, assim, a estar obrigada a adotar programas de compliance anticorrupção, a partir de junho.

Os programas de compliance devem incluir um plano de prevenção de riscos de corrupção e infrações conexas (PPR), um Código de Conduta, um programa de formação, sistemas de controlo e avaliação periódicos, um canal de denúncias e ainda a nomeação de um responsável pelo cumprimento normativo. A administração ou a gestão das empresas serão responsáveis por assegurar a implementação destes programas.

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O incumprimento destas novas obrigações legais (não adoção de programa de compliance ou a violação das regras a que o programa deve obedecer) constitui a prática de contraordenação punível com coima até 44 891,81 euros.

Compreende-se (e louva-se) a atenção que a corrupção tem vindo a merecer por parte do Governo. Questiona-se, contudo, se o legislador português não deveria ter seguido mais de perto o exemplo de outros países europeus, como a vizinha Espanha, alargando o âmbito destes programas a outras infrações, não menos nocivas para as empresas, para os trabalhadores e para a sociedade de um modo geral. Pense-se, por exemplo, nos crimes fiscais ou contra a segurança social ou nos crimes contra o património (como a burla ou o abuso de confiança).

Visto de um outro prisma, coloca-se a dúvida de saber se estes programas de compliance, que se focam exclusivamente na corrupção e infrações conexas, não serão demasiado exigentes para empresas que, dado o seu setor de atividade, tenham contactos meramente residuais com a Administração Pública.

Como reflexão final, dir-se-á que é também questionável a opção do legislador de compelir as empresas à adoção destes programas unicamente sob a ameaça de sujeição a processo contraordenacional e consequente aplicação de coima. A par com o regime sancionatório, o legislador poderia ter recorrido a outros mecanismos, porventura até mais eficazes, de assegurar a adesão das empresas a programas de compliance. Poderia, por exemplo, “premiar-se” as empresas compliant com a limitação ou até a exclusão da respetiva responsabilidade criminal no caso de, em violação das medidas e boas práticas instituídas através dos programas adotados, vir a ser praticado crime de corrupção ou infração conexa.

Só a aplicação efetiva destas novas medidas, a partir de junho deste ano, permitirá, porém, esclarecer as muitas dúvidas que se levantam e aferir da justiça desta análise crítica.