Na justiça, ouvem-se propostas preocupantes por parte dos próprios agentes da justiça, ainda agora com afirmações do Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que quer restringir o acesso ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Invoca, e bem, o primado da eficiência da justiça, explicando, e também bem, que o STJ é talvez o maior fixador de jurisprudência, sendo vulgarmente seguido por todos os tribunais de instâncias superiores, logo, precisam de mais tempo e que os seus recursos humanos não sejam julgados com processos menores.

Reconhece que actualmente já o acesso ao STJ é muito limitado e que existe uma elevada percentagem de processos que são liminarmente indeferidos, o que é um argumento que reputo de válido e, condescendo igualmente no argumento de que se queremos uma justiça mais célere, temos de encontrar mecanismos que não permitam às partes o acesso a meios que a tornam mais demorada.

E aqui é que está o busílis da questão – encontrar o equilíbrio entre o direito das partes e eliminar o abuso que essas partes por vezes se arvoram, inclusive com a vantagem de quem tem dinheiro que, usa mecanismos dilatórios, apenas para atrasar a aplicação da justiça, enquanto quem não o tem não consegue aceder a esse expediente.

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Assim, quem me estiver a ler atentamente, tenderá a pensar que concordo como que o Sr. Presidente do STJ afirmou, o que não é verdade.

Falo, naturalmente em nome individual, sem qualquer extensão política da minha posição, sobretudo como advogado que exerce há quase trinta anos, e que ficou seriamente preocupado com as propostas (não tanto com os argumentos, como se viu) apresentadas pelo Sr. Presidente do STJ.

Vejamos, o que o Sr. Presidente do STJ sugere é que o cidadão comum não tenha acesso a este segundo grau de recurso e que seja o Supremo Tribunal de Justiça a salvaguardar algumas matérias em que podia proceder ao recurso ou, pior de tudo, escolher alguns casos, mais mediáticos, “com implicações sociais” ou que tivessem decisões contraditórias por parte das relações, escolhendo avocando esses para os julgar. Conseguem perceber o perigo? Imaginam a instabilidade jurídica em que o cidadão ficava?

Parece-me absolutamente assustador dar a um órgão o poder de avocar os processos que quer.

Imaginam a suspeição sobre o critério de avocação, sobretudo em processos com conotação política?

E se iam, por exemplo, tal como ouvi na sua proposta, tratar de casos semelhantes, com decisões diferentes na Relação, conforme percebi, então o critério da eficiência caía por base, porque é isso que há mais. Qualquer advogado sabe que, quando está a estudar um processo, tem dezenas de decisões a penderem para um lado, ou para outro, em qualquer assunto.

Conforme dizia, com um ar resoluto, uma senhora procuradora numas alegações um dia que ficaram icónicas no meu escritório “Há acórdãos para tudo, senhor doutor”, atirando essa verdade suprema em direcção ao senhor juiz do caso.

Assim, o Sr. Presidente do STJ diz que “é um luxo termos um segundo grau de recurso” que é o que acontece actualmente, ou seja, para quem não sabe, actualmente um cidadão tem acesso aos tribunais comuns, pode recorrer (sob determinadas condições, impostas por lei) para o tribunal da Relação e, existe a hipótese, também com condições mais apertadas, para recorrer para o STJ. E até para o tribunal Constitucional ou Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

O que acontece é que efectivamente existem muitos recursos para o STJ, mas se fosse mesmo um luxo desnecessário, pergunto: por que razão existe uma taxa tão elevada de alterações entre o tribunal de primeira instância, a Relação, e depois o Supremo? Pois…

Eu explico-me melhor: se as sentenças/acórdãos fossem quase sempre iguais até admitia essa discussão, ou seja, estávamos a desperdiçar recursos públicos e recursos humanos num ou em dois  recursos que estaria provado que de nada valiam, porque em primeira instância julgava-se sempre bem.

Mas, caros leitores, garanto-vos (e sei do que falo) que não é assim. Existem mesmo muitas decisões alteradas, quer em segunda (Tribunal da Relação), quer em terceira instância (Supremo Tribunal de Justiça) garantindo, assim, às partes, a plenitude da exploração/discussão dos seus direitos.

Imaginam um advogado a dizer ao seu cliente que o processos estava terminado e que ele podia ficar descansado, porque a lei já não previa recurso e, ups… afinal o STJ avocou esse processo?

Em conclusão, uma proposta muito polémica.