Recentemente divulgado pela  OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico , o relatório “OECD Economic Surveys – Portugal – February 2019” refere que a eficiência dos portos portugueses é prejudicada por regulamentação e práticas que reduzem a concorrência entre operadores privados, defendendo que: (i) A duração das concessões portuárias é excessiva, o que reduz a possibilidade da entrada de novos players no mercado, podendo providenciar serviços com mais qualidade e a um preço mais baixo; (ii) Não devem ser renovadas ou prorrogadas concessões sem um concurso público; (iii) Deve ser obrigatório um nível mínimo de investimento e tal deve ser refletido no prazo, o que não tem acontecido; (iv) Os procedimentos de atribuição de concessão devem ser transparentes para assegurar que a mesma é atribuída ao melhor operador; (v) Na atribuição e renegociação de concessões portuárias devem ser tidos em conta os níveis de serviço, a promoção da concorrência interna dos portos, os níveis de qualidade e os impactos na competitividade dos portos para as exportações.

No entanto, considera-se que algumas das considerações de diagnóstico e recomendações efetuadas se encontram algo desconexas com a realidade do setor.

Primeiramente, importa ter em conta que a dimensão do sistema portuário português é inferior a um único porto médio europeu. O movimento total dos portos do continente em 2017 foi de 96 milhões de toneladas (Mton). Em Espanha, um único porto, o Porto de Algeciras, movimentou sozinho 101 Mton.

Uma sã concorrência dos mercados deve basear-se na existência de uma escala mínima eficiente que permita alcançar patamares de preços e qualidade mais competitivos. Ora, no mercado portuário português não existe tal escala que consiga promover a concorrência intraportuária. Ou melhor, não existem quaisquer evidências objetivas de que o mercado existente suporte diversos terminais concorrentes em cada porto e para cada segmento de carga.

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É certo que o enquadramento legal específico relativo ao setor portuário necessita, tal como defendido pela AMT em 2016, de ser revisitado em função, designadamente, do novo do Regulamento (UE) 2017/352 do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece o regime da prestação de serviços portuários e regras comuns relativas à transparência financeira dos portos, e que entrará em vigor em março de 2019.

No entanto, tal necessidade surge sobretudo da existência de distorções concorrenciais na operação portuária produzidas pelas disparidades na organização dos sistemas portuários na União Europeia. Por exemplo, o regime prevalecente em Espanha aponta para um limite de 75 anos para concessões portuárias, existindo países do norte da Europa, onde se aplica um conceito de “land lease”, escapando ao conceito de concessão administrativa e, consequentemente, não enquadrado na legislação europeia, onde se permite um regime de arrendamento dominial por períodos ainda mais longos. Ao contrário, em Portugal, não tem sido permitido um prazo superior a 30 anos e mesmo que o investimento a efetuar justificasse prazo maior.

Ou seja, a verdadeira concorrência dos portos portugueses verifica-se com outros portos internacionais e com outros modos de transportes, pelo que a defesa, de per si, de maior concorrência dentro de cada porto português ou a limitação ainda maior nos prazos possíveis de concessão, podem limitar a atração de investimento em infraestruturas e serviços (de que o sistema português precisa), conduzir a menor produtividade e a maiores preços, e acentuará, ainda mais, os desequilíbrios com os restantes países europeus e portos diretamente concorrentes.

Aliás, podemos estar próximos do conceito de “monopólio natural”, onde os necessários e pesados investimentos em infraestruturas e equipamentos, em função da escassez de recursos e da dimensão de mercado, são muitas vezes possíveis por um só operador, maximizando o benefício dos investidores e da parte pública.

Por outro lado, importa referir que, desde os anos 90, os portos estão sujeitos ao regime da contratação pública e realização de procedimento concursais, onde o Código dos Contratos Públicos (CCP) – que dá execução a diversas diretivas sobre contratação pública e concessões – é aplicado na atribuição e renegociação de concessões portuárias. Ou seja, aplicam-se todos os procedimentos de transparência na escolha das melhores propostas, sendo que os resultados finais são submetidos à Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT) e Tribunal de Contas conforme legislação aplicável.

Tanto o CCP como o regime especial aplicável à operação portuária (Decreto-Lei nº 298/93) preveem que a duração das concessões deve ter em conta o prazo necessário à amortização dos investimentos que são necessários, tendo tal sido o critério aplicado na atribuição e prorrogação de contratos existentes.

É certo que a concorrência não falseada é pode definição, uma via segura, eficiente e eficaz para obter o equilíbrio mais próximo do patamar ideal entre o objetivo do Estado (em sentido lato), de maximizar o valor das utilidades que implementa e disponibiliza aos cidadãos e os recursos que despende (os quais, em última análise, são suportados pelos contribuintes).

No entanto, a promoção e defesa da concorrência não é um fim em si mesmo, mas antes um instrumento (entre outros) que concretiza os valores subjacentes às escolhas das várias políticas económicas. Tal como defende Estratégia da Comissão Europeia em “Portos marítimos europeus no horizonte de 2030: os desafios”, secundada pela AMT, a competitividade do setor depende do equilíbrio entre (i) a promoção da concorrência e multimodalidade, (ii) a estratégia comercial e de investimento das administrações portuárias (iii) a qualidade e eficiência da operação portuária (iv) a existência de procedimentos administrativos e financeiros transparentes, entre outros.

Em suma, o setor portuário português deve ser analisado no contexto europeu e não apenas a nível nacional, mas tendo em conta as suas especificidades e dimensão, sob pena de, com a aplicação de medidas desadequadas ou com base em diagnóstico insuficiente e com pouca aderência à realidade do setor e dos seus agentes económicos, se levar à diminuição da sua competitividade, aprofundando, assim, as suas desvantagens concorrenciais europeias e mundiais.

Ou seja, o enquadramento legal nacional não padece, formalmente, de falhas estruturais quanto à abertura aos mercados. Antes, necessita de se tornar mais competitivo face à concorrência de outros países.

Presidente do Conselho de Administração da Autoridade da Mobilidade e dos Transportes.