Poucas vezes o país se terá defrontado com um quadro tão complexo de transformação e incerteza, externa e internamente. Incapaz de sobreviver “orgulhosamente só”, num mundo menos globalizado mas mais conectado e perigoso, com uma população mais educada e (des)informada e, por isso, mais exigente – mas também mais envelhecida e dependente –, Portugal terá de encontrar oportunidades nos desafios que enfrenta.
A começar no plano geopolítico.
O novo equilíbrio global multipolar exige uma gestão fina e dinâmica das relações internacionais e impõe escolhas estratégicas sensíveis nos campos político, económico e da defesa. O recentramento da UE a leste e o peso de potenciais novas adesões, com significativo consumo de capital, põe em causa o futuro do modelo de relação com Bruxelas e, a médio prazo, o próprio sistema de governação da União. O “fim” do globalismo e a fragilidade das cadeias de fornecimento implicam um esforço acrescido de diversificação de parceiros e de investimento no reforço das capacidades de produção.
As alterações climáticas já afetam populações e setores chave da economia. E estamos no início. A falta de água, em particular, ameaça efeitos devastadores. E temos, finalmente, os impactos (des)estruturantes da transformação digital e da introdução da IA, cujos efeitos não conseguimos sequer antecipar.
No plano doméstico, os desafios não são novos.
Falta previsibilidade à macroestrutura institucional, designadamente nos planos fiscal, administrativo e regulatório, bem como no exercício de parte do poder judicial. Os índices de criação de riqueza e de produtividade mantêm-se relativamente anémicos. Persistem bolsas de pobreza, uma classe média com poder de compra e níveis de poupança baixos e acentua-se a desertificação do interior enquanto perdemos aceleradamente população ativa.
A economia segue condicionada pelo papel omnipresente do Estado, o défice de campeões nacionais, a baixa capitalização das empresas e o peso da economia paralela. E a deficiente gestão de ativos públicos, em particular na saúde e na justiça, desbarata recursos e descredibiliza o contrato social.
O esforço para vencer estes desafios é fortemente condicionado por fatores endógenos. A geografia e a língua limitam-nos o espaço de influência e dificultam os efeitos de escala. A arquitetura sociocultural é de base corporativa e pouco meritocrática, com défices crónicos de liderança no público e no privado, débil nos mecanismos de responsabilização e regulação e, também por isso, propensa à burocracia. A cidadania é pouco vivida e prevalece uma cultura de aversão ao risco e de vitimização, bem como de desconfiança (que só tem paralelo na dependência) das instituições do Estado.
Mas apesar dos desafios, e em boa parte por causa deles, desde a adesão à comunidade europeia que não temos uma oportunidade tão significativa de transformação (sendo certo, porém, que desta vez o esforço requerido e o risco de insucesso são maiores). Destaco três fatores.
- Primeiro, a forte atratividade do país, que ganha especial relevância no ambiente volátil de uma Europa em conflito e uma globalização em perda. A nossa condição geográfica confere agora uma vantagem única, colocando o país como refúgio natural para investimentos em áreas sensíveis como defesa, energia, tecnologia e dados, entre outros. A existência de excelentes infraestruturas de transportes e comunicação, em especial na área digital, e a qualidade do capital humano, reforçam essa vantagem.
- Segundo, o mar. Portugal possui das maiores Zonas Económicas Exclusivas do mundo e prevê-se venha a estender a plataforma continental, alargando o domínio sobre uma área colossal do Atlântico. É o nosso espaço natural de crescimento, com enorme valor científico, militar e económico – designadamente na exploração, de base inovadora, de recursos e fontes de energia alternativa. E é onde acontece a ligação da Europa aos EUA (e ao mundo, através dos cabos submarinos), reforçando a importância estratégica do país.
- Terceiro, a energia e o ambiente, onde temos ocupado um papel na linha da frente. Também aqui se abrem oportunidades, quer na produção industrial, quer na exploração de matéria-prima, quer, ainda, na aposta na bioeconomia e na requalificação do interior via reflorestação para captura de carbono, com impacto na criação de emprego, fixação de população e profissionalização da gestão do território.
Todas estas oportunidades potenciam efeitos de upskilling, atração, recuperação e retenção de talento, geração de trabalho qualificado e criação de riqueza em setores de valor acrescentado. São indutoras de melhorias no sistema educativo e incentivam a inovação.
A sua concretização exige um esforço concertado entre o Estado e o setor privado e, nalguns casos, a colaboração entre ambos na materialização de projetos concretos. Aos privados compete assumir risco, reorientar e requalificar as suas prioridades. Ao Estado, cabe fixar e promover um quadro institucional, estável e competitivo, que crie condições para que essas oportunidades possam e mereçam ser exploradas.
João Vieira de Almeida é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica. Presidente do Conselho de Administração da sociedade de advogados Vieira de Almeida, foi distinguido em 2018 pelo TheLawyer como EuropeanManagingPartneroftheYear. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.