As relações luso-britânicas são antigas e contemporâneas do processo de formação do reino de Portugal. Tiveram origem em intercâmbios comerciais, seguidos de «uma fraternidade de armas nascida de um incidente das Cruzadas», como escreveu Edgar Prestage (A aliança anglo-portuguesa, 1936), reportando-se ao desvio de navios que rumavam à Terra Santa e que vieram a aportar na foz do Douro e, depois, na do Tejo, em auxílio de D. Afonso Henriques, intervindo no processo de conquista de Lisboa (1147).

Os primeiros Tratados

O início oficial das relações data de 17 de fevereiro de 1294, com a celebração de um tratado de comércio que visava colmatar dissensões entre os mercadores e assegurar os interesses de ambas as partes. Mas a primeira aliança não exclusivamente comercial firmada entre as duas Coroas foi celebrada em Tagilde, em 10 de julho de 1372, entre D. Fernando I e o duque de Lencastre, no contexto da disputa pelo trono de Castela. Foi com base neste tratado que, em 1383, na sequência da morte de D. Fernando e da crise dinástica daí advinda, o Mestre de Avis, pretendente ao trono português, solicitou auxílio militar a Ricardo II de Inglaterra contra João I de Castela, também ele reclamante da coroa portuguesa. A vitória portuguesa na Batalha de Aljubarrota assegurou a independência de Portugal, para o que terá sido determinante a intervenção militar inglesa, e a aclamação do Mestre de Avis como D. João I, rei de Portugal. No seguimento destes acontecimentos, formalizou-se, em 9 de maio de 1386, um tratado de paz e aliança entre D. João I e Ricardo II, comummente denominado de Primeiro Tratado de Windsor, o qual, baseado num princípio de reciprocidade, estatuía, “entre os mesmos reis e seus herdeiros e sucessores e vassalos de ambos uma liga, amizade e confederação real e perpétua, e com os aliados deles, de maneira que um seria obrigado a prestar auxílio e socorro ao outro contra todos os que tentassem destruir o estado do outro”.

No mesmo ano da celebração do Tratado de Windsor, a aliança foi reforçada por um pacto matrimonial que assegurava o casamento de D. João I com Filipa de Lencastre. O enlace veio a acontecer no dia 2 de fevereiro de 1387 e constitui um episódio inaugurador da influência inglesa em Portugal, sentida em várias áreas, deste a organização militar às artes, letras e costumes. Deste casamento resultou, ainda, a chamada “ínclita geração”, expressão camoniana para designar os filhos de D. João I e D. Filipa de Lencastre — D. Duarte, o infante D. Pedro, o infante D. Henrique, D. Isabel, o infante D. João e o «Infante Santo» D. Fernando —, os quais se distinguiram pela sua educação e características exemplares que marcaram uma «idade de ouro» da história de Portugal.

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De Henrique VIII (e os Filipes) à Restauração: abalos e reencontros

A reforma da Igreja operada na Inglaterra, iniciada com a separação de Roma durante o reinado de Henrique VIII em 1534 (com o cisma da Inglaterra) e concretizada pela rainha Isabel I (que por isso é considerada a fundadora da Igreja Anglicana), associada à coroação do católico Filipe II de Castela como rei de Portugal, determinaram a suspensão das relações anglo-portuguesas, que seriam reatadas após a independência de Portugal, em 29 de janeiro de 1642, com a celebração de um tratado de paz e de comércio. Nesse mesmo ano, iniciou-se uma guerra civil que opôs o rei, Carlos I, ao Parlamento, liderado por Oliver Cromwell, e que terminaria em 1649, depois da prisão e execução do rei e com o início do governo de Cromwell, elevado a Lord Protector. Esta mudança na cena política viria a transformar, igualmente, as relações entre Portugal e a Inglaterra, sobretudo depois do incidente diplomático ocorrido em 1650 quando D. João IV concedeu proteção aos príncipes palatinos, sobrinhos de Carlos I da Inglaterra e perseguidos por ordem de Cromwell. De facto, o tratado de paz e aliança (Tratado de Westminster) firmado em 10 de junho de 1654, numa altura em que Portugal enfrentava uma situação militar crítica decorrente das guerras da Restauração, acabou por se traduzir numa submissão às condições inglesas, registando o início de uma relação assimétrica.

Em 18 de abril de 1660, numa altura em que Portugal ainda permanecia em situação instável, decorrente da ofensiva espanhola no contexto da guerra da Restauração, mas também das investidas holandesas contra os territórios ultramarinos portugueses, foi assinado um “Tratado de aliança e de união de amizade” entre D. Afonso VI e Carlos II, o Tratado de Whitehall, cujos 14 artigos assentavam exclusivamente sobre matéria militar. No ano seguinte, e para reforçar a aliança, foi firmado um tratado “de Paz mais apertada”, datado de 23 de junho, cuja principal matéria era o casamento entre Carlos II e D. Catarina de Bragança. Composto por 20 artigos seguidos de um artigo secreto, o documento ratificava as cláusulas dos tratados anteriormente firmados e acordava o dote, algumas cedências e benefícios territoriais e comerciais para a Inglaterra e, em contrapartida, proteção e apoio militar a Portugal em caso de invasão ou conflito bélico. Apesar de o tratado beneficiar claramente a coroa britânica, D. Afonso VI viu-se impossibilitado de recusar os termos de uma aliança que poderia assegurar a continuidade do império português. De facto, o auxílio britânico revelou-se fundamental para a vitória portuguesa na Guerra da Restauração, oficialmente terminada com a celebração de um tratado de paz com Espanha em 13 de fevereiro de 1668 e com o reconhecimento da independência de Portugal.

Entre o comércio e a proteção

O século xviii abre-se a Portugal com eventos que exigiriam uma delicada ação política e diplomática no contexto da Guerra da Sucessão Espanhola, um conflito à escala europeia que só terminaria em 1714 com a celebração da Paz de Utrecht. O alinhamento de Portugal com a Grande Aliança (ao lado da Inglaterra), firmado através de um tratado de 16 de maio de 1703, consolidou a sua opção atlântica, surgindo o Brasil como a grande prioridade no âmbito da política comercial e colonial portuguesa.

No mesmo ano de 1703, a 27 de dezembro, firmava-se o célebre Tratado de Methuen. Composto por apenas três artigos, este tratado regula a entrada em Portugal de panos de lã e de fábricas de lanifícios inglesas, que fora impedida pelas Leis Pragmáticas de D. Pedro II, e a admissão na Inglaterra dos vinhos portugueses. A celebração deste acordo gerou polémica e opiniões muito diversificadas sobre as suas consequências, sendo uma das vozes críticas a de D. Luís da Cunha. A historiografia mais recente, quer relativizando os aspetos negativos associados ao tratado, quer evidenciando os seus aspetos positivos — nomeadamente o desenvolvimento da produção vinícola e a afirmação dos vinhos portugueses no mercado externo —, concorda que se procedera à construção de um «mito de Methuen», que interpretava o tratado como causa fundadora da dependência de Portugal em relação à Inglaterra e como fator de decadência das manufaturas nacionais e de atraso da industrialização do país, condicionando o seu desenvolvimento económico.

Depois de 1703, a “velha aliança” foi reafirmada e ajustada em diferentes ocasiões e contextos e pontuada por divergências de interesses que por vezes antagonizaram os dois reinos. De forma geral, podemos afirmar que os acordos firmados entre Portugal e Inglaterra, assentando principalmente sobre aspetos de natureza comercial ou militar, pautavam pela seguinte reciprocidade: se a Inglaterra beneficiava com as condições impostas nos tratados de comércio, as quais Portugal estava apto a oferecer em virtude da sua posição geográfica estratégica e dos portos e praças que detinha nos diferentes continentes, Portugal beneficiava com a proteção e o auxílio militar que só a Inglaterra poderia proporcionar-lhe. Na verdade, o auxílio inglês viria a revelar-se decisivo nos momentos em que Portugal se debateu pela sua autonomia, particularmente nas guerras da Restauração e também aquando das invasões francesas. A aliança revelou-se igualmente importante quando Portugal pretendeu ver reconhecida a sua independência, quer pelas potências europeias quer por Roma; mas também quando, depois da Revolução Liberal, o país foi trespassado por uma guerra civil (1832-1834). Compreende-se, também, o interesse da Inglaterra pela independência de Portugal: não lhe convinha uma aliança ibérica ou uma incorporação por Espanha, por exemplo, tendo em conta o pacto de família firmado entre esta e a França, em 1761. Acontece que, com os acontecimentos que inauguraram o século xix, Portugal veio a tornar-se cada vez mais dependente da Inglaterra e a aliança entre ambos perdeu aquela mutualidade que a caracterizava sem, contudo, deixar de vigorar até aos nossos dias, sendo por isso reputada de a mais antiga aliança diplomática do mundo. Atendendo à longa história das relações anglo-lusas, parece-nos pertinente a metáfora usada por Charles Boxer, num artigo publicado em 1961 na revista History Today, vol. 8, n.º 11: “A survey on the anglo-portuguese aliance from its inception in 1373 shows that it has functioned as a marriage of convenience rather than a life-long love match, or as a union of like kinds” (Um estudo sobre a aliança luso-britânica desde o seu início, em 1373, mostra que tem funcionado como um casamento de conveniência e não como uma união romântica para toda a vida, ou como uma união de parceiros idênticos).